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2007-06-11
O Brasil é o país mais bem provido de recursos hídricos e tem na energia hidráulica a mais importante fonte de energia elétrica. Diz-se que o Brasil está para a hidreletricidade assim como a Arábia Saudita está para o petróleo. A hidreletricidade é responsável por cerca de 76,6% da capacidade instalada de geração no país e por 82,8% da eletricidade consumida. A participação predominante da energia hidráulica na matriz energética faz do Brasil o líder mundial na utilização de recursos renováveis na geração de energia - cerca de 40%, em comparação com 10% na União Européia.

Em que pese a grande participação da hidreletricidade na matriz energética, a capacidade instalada das usinas hidrelétricas em operação (cerca de 74 mil MW) representa apenas 28,4% do potencial hidrelétrico total no Brasil, estimado em 260,1 mil MW. Isso é dizer que mais de 70% dos recursos hídricos permanecem disponíveis para o incremento da geração de energia elétrica – uma forma de energia que, por utilizar como "combustível" a água, é considerada como uma fonte limpa, renovável e barata, em contraste com a geração de eletricidade a partir dos combustíveis fósseis (derivados de petróleo, carvão mineral e gás natural).

Essa situação é apresentada como argumento por quem preconiza uma expansão ainda mais vigorosa dos projetos de usinas hidrelétricas no Brasil. Estaria aí uma oportunidade de melhorar as condições de competitividade da produção brasileira, num momento em que o custo elevado da energia desempenha um papel estratégico nos processos de decisão de investimento.

Mas as possibilidades de exploração do potencial hidrelétrico brasileiro têm esbarrado em problemas socioambientais de tal monta que é de perguntar se existe possibilidade de resolvê-los ou se o Brasil deve abdicar de sua fantástica vantagem comparativa na geração de energia limpa, barata e renovável. Praticamente a metade desse potencial (50,2%) encontra-se localizado na região amazônica, principalmente nos rios Tocantins, Araguaia, Xingu e Tapajós – uma região considerada de difícil gestão ambiental. Se apreciadas à luz da experiência passada, as conseqüências sociais e ambientais da implantação dos empreendimentos hidrelétricos previstos na região seriam desastrosas - e a resposta à pergunta aqui levantada seria negativa.

De fato, a história dos empreendimentos hidrelétricos no País - e não apenas na Amazônia - tem passado ao largo do respeito aos valores associados à sustentabilidade. Por sustentável, de acordo com o conceito assumido pela Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Rio-92), entende-se um empreendimento economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente adequado - e este não é, seguramente, o caso da quase totalidade dos projetos brasileiros.

As usinas hidrelétricas construídas até hoje no Brasil resultaram em mais de 34.000 km2 de terras inundadas para a formação dos reservatórios e na expulsão de cerca de 200 mil famílias das áreas diretamente atingidas. Com freqüência, isso representou para essas populações a destruição de seus projetos de vida, a expropriação e a expulsão de suas terras sem compensação adequada, o desemprego e a migração para a periferia dos grandes centros urbanos, onde são despejados na vala da exclusão social . No relacionamento do Estado e das empresas do setor elétrico com essas populações, prevaleceu a estratégia do "fato consumado". Quando houve, o processo de reassentamento não assegurou a manutenção das condições de vida anteriormente existentes. Nas áreas de barragem, ocorreram problemas de saúde pública, como o aumento de doenças de natureza endêmica, o comprometimento da qualidade da água nos reservatórios, afetando atividades como pesca e agricultura, e problemas de segurança das populações, com o aumento dos riscos de inundação a jusante dos reservatórios, decorrentes de problemas de operação. Grande quantidade de terras cultiváveis ficaram submersas e, em muitos casos, a perda da biodiversidade foi irreversível.

Um exemplo emblemático é a hidrelétrica de Tucuruí. Para começar, a Eletronorte, estatal responsável pela obra, originalmente não incluiu nenhum estudo sobre impacto social no projeto da barragem. O relatório de avaliação ambiental, realizado por um único consultor, apontava que de um a dois terços das famílias deslocadas não teriam nenhum direito à compensação por falta de títulos de terra ou equivalente aceitável e, num cálculo grosseiro, estimava em 15 mil o número de pessoas a serem deslocadas. Ao final, estimativas oficiais elevaram esse número para 23.871, embora o número efetivo tenha atingido 32.871, além da população indígena. Em 1985, um ano após o fechamento da barragem, 1.500 famílias continuavam sem assentamento.

Ainda hoje, duas décadas depois, os custos sociais da hidrelétrica de Tucuruí permanecem pesados. Além da ocorrência de pragas de mosquitos - que obrigaram ao deslocamento da população na área de inundação e à sua realocação - da malária e da contaminação por mercúrio, e do deslocamento de grupos indígenas, foi extinta a atividade da pesca que sustentava, tradicionalmente, a população a jusante da barragem.

Nos projetos de construção de barragens está a origem de muitos conflitos. De um lado, os empreendedores, que buscam escamotear a previsibilidade dos impactos, no empenho em levar adiante os seus projetos ao menor custo, orientados por critérios fundamentalmente econômicos; de outro, as populações atingidas, que procuram evidenciar os conflitos, orientadas por critérios fundamentalmente ambientais, sociais e humanitários.

Do início do projeto Tucuruí aos dias de hoje, no entanto, a consciência da sustentabilidade tem se difundido no País – e essa consciência encontra suporte numa legislação e num aparato institucional ambiental que prima pela qualidade e atualidade, nada ficando a dever ao que de melhor existe no mundo. Mas há muito ainda a avançar nessa direção, em especial quanto à necessidade de se assegurar efetivamente a participação dos interessados no processo de tomada de decisão, já garantida formalmente mediante o instituto das audiências públicas. Segundo o relatório de 2000 da Comissão Mundial de Barragens (CMB), denominado "Barragens e desenvolvimento - uma nova estrutura para a tomada de decisão", a efetiva participação das populações atingidas pelos empreendimentos hidrelétricos no processo de decisão se constitui no principal desafio, para a inserção das dimensões social e ambiental nos projetos. Enquanto para o agente investidor do setor elétrico as questões que envolvem sociedade e meio ambiente são os custos elevados que dificultam os investimentos e alongam o período desejado para o retorno do capital investido.

A possibilidade de ocorrência de tais conflitos de interesse é inerente ao modo como estão estruturadas as relações sociais na sociedade atual – e esse tipo de conflito estende-se para muito além dos projetos de hidreletricidade. E como ocorre com todos os demais conflitos de interesse, a sociedade dispõe de mecanismos democráticos de solução. Não seria o caso, pois, de demonizar os empreeendimentos hidrelétricos, mas sim assegurar a participação popular, de modo a se explicitar as suas restrições sociais e ambientais, para que o projeto seja conduzido de forma sustentável, ou seja, de forma socialmente justa e ambientalmente adequada. A se abandonar o desafio, em razão das dificuldades que lhe são próprias, já não faria sentido o desiderato da sustentabilidade.

Quanto à possibilidade de redução dos impactos ambientais, é de observar, segundo lembra Jerson Kelman, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, que a realidade não é estática. As usinas previstas para o Rio Madeira apresentam uma relação entre área inundada e potência cerca de cem vezes mais eficiente do que a usina de Balbina, construída nos anos 70. É possível ainda melhorar o planejamento da hidreletricidade, passando-se a considerar nos projetos não apenas cada potencial hidráulico, mas também o potencial de toda a bacia. É possível também atuar do lado da demanda, estimulando-se a eficiência no consumo de energia. Na verdade, são inúmeras as possibilidades de inovação tecnológica e de gestão na utilização sustentável dos recursos hídricos.

(Por Por Rui Falcão,  Envolverde, 11/06/2007)

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