A possibilidade de o governo do Amazonas aposentar a proposta federal de recuperar e asfaltar a BR-319, que liga Manaus à Porto Velho, e por no seu lugar uma ferrovia, conforme revelou o site O Eco na semana passada, repercutiu na II Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), organizada para o fortalecimento do projeto da implantação da Universidade da Floresta em Cruzeiro do Sul (AC).
"As ferrovias têm a vantagem de viabilizar melhor o ordenamento territorial e de causar menos impactos que as estradas. Estradas podem surgir ao lado das ferrovias, mas como vias auxiliares. Tecnologicamente não é simples, mas as ferrovias podem ser construídas na região, como ocorreu em Carajás, que é uma das mais modernas do mundo", disse o presidente da SBPC, Ennio Candotti, na abertura do encontro, no Teatro dos Náuas.
Segundo Candotti, a opção de ocupar as terras da amazônia tem contribuído para que se construam as estradas porque os governos ainda não estão convencidos de que a floresta em pé é muito mais valiosa do que a terra que a sustenta. "Pessoalmente, sempre defendi as ferrovias na região", disse o secretário de Meio Ambiente do Acre, Carlos Edegard de Deus.
Empreiteiras, governadores de estados da Amazônia e presidentes da república sempre defenderam a necessidade de ligar a região com rodovias ao resto do país por via terrestre. Nem mesmo o governo petista do Acre, conhecido como "governo da floresta", escapou dessa tendência que tem resultado em impactos devastadores.
Ao defender ferrovias para a Amazônia ao invés de estradas, o presidente da SBPC argumentou que a floresta permite a sustentabilidade das populações e a extração de produtos de mercado superior ao de madeiras ou da terra. "Um hectare para uma cabeça de gado é um monumento à estupidez humana. As árvores, que são máquinas maravilhosas de produção, têm sido trocadas por bois. No futuro, isso será avaliado com um ato de barbárie e de profunda incompetência".
Possibilidade do conhecimentoA SBPC atribui à Universidade da Floresta o papel de dar o exemplo, para que possam surgir a Universidade do Cerrado, a Universidade da Mata Atlântica, Universidade do Semi-Árido e outras instituições capazes de pensar de maneira interdisciplinar e de realizar a convivênvia da sociedade de maneira harmoniosa com os diferentes biomas. Para ele, se a Universidade da Floresta tiver sucesso, as unidades de conservação implantadas sobreviverão. Se não, encontrarão a degradação no futuro.
"Devemos ter sucesso nesse empreendimento", afirmou Candotti, ao garantir que fará o que for possível para que seja implantada a Universidade da Floresta. Ele considerou a proposta como um grande e novo desafio para a comunidade acadêmica e toda sociedade civil, por sua complexidade. O presidente da SBPC avalia que se depender apenas do aumento da burocracia do Ibama, do poder de polícia e de decreto, a floresta e outros biomas não irão muito longe. Todavia, se for amada, estudada e a sociedade aprender a conviver com ela, será mantida. "Sem conhecimento não há possibilidade", atestou.
Ao se declarar a favor da separação, no Ibama, das atividades de controle e de pesquisa, Candotti observa que mesmo 110 mil agentes de polícia não poderão dar conta do enorme desafio de estudar e compreender a Amazônia. Para ele, o envolvimento de uma rede de instituições com o espírito da Universidade da Floresta e o envolvimento das escolas do ensino fundamental e médio no estudo do meio ambiente despertarão um zelo carinhoso com os recursos naturais.
Segundo Candotti, é uma vergonha não se incluir a guerra do Iraque nos desastres ambientais, que envolvem não apenas as dificuldades das unidades de conservação mas as grandes batalhas pelos recursos energéticos. O presidente da SBPC criticou o discurso do ex-vice presidente dos Estados Unidos, Al Gore, contra as mudanças climáticas, por não mencionar o conflito no Iraque. Na escala mundial, Candotti considerou os mecanismos de compensação, como a criação de bônus para danos ambientais, uma forma de escamotear o problema. "Ou conseguiremos criar muitas Universidades da Floresta ou o nosso futuro será talvez o do Iraque", disse ele.
Caminho certoNa abertura da Reunião Regional, o reitor da Ufac, Jonas Filho, agradeceu à SBPC por ter sido convidado para o evento como organizador, pela participação dos professores da instituição na programação e pela parceria no projeto da Universidade da Floresta. Para ele, o projeto não tem retorno, há de ser grandioso como a região do Juruá, e indica que, com a credibilidade da SBPC no Brasil, a Universidade da Floresta está no caminho certo.
Jonas Filho frisou o caráter apartidário da Ufac, e que na parceria com o governo recebe recurso sem que este diga o que fazer com ele, sem receber encomenda. O reitor enfatizou que a Universidade da Floresta tem como seu projeto pedagógico criar um modelo diferente das outras Universidades e da Ufac. "Os cursos de biologia e de engenharia florestal têm que ter acadêmicos capazes de concorrer em qualquer concurso e de conhecer a região em que está", afirmou.
A mesa de abertura reuniu 12 autoridades. O secretário de Meio Ambiente do Acre, Edegar de Deus, considerou inovadora a idéia motora da Universidade da Floresta como contribuição para construir no Acre um lugar diferenciado, pautado no desenvolvimento sustentável. O Estado, com 90% da cobertura florestal, que tem como diferença ser habitado, disse ele, desde 1999 iniciou um projeto que resolveu chamar de Governo da Floresta, e está em construção. Edegar de Deus defendeu a conciliação da base econômica com a floresta sob a ótica da distribuição de riqueza a quem mora nela. O secretário informou que nesta terça-feira será lançado a segunda fase do Zoneamento Ecológico do Acre que prometeu vir discutir com a equipe do campus da Floresta da Ufac em Cruzeiro do Sul.
(Por Altino Machado e Flamínio Araripe,
Amazonia.org.br, 04/06/2007)