Em meio a mandacarus, coroas de frade e outras plantas espinhosas da caatinga, o sargento topógrafo Hayud Farah seguiu as coordenadas do satélite e marcou o lugar onde o Exército erguerá, nos próximos meses, um paredão do tamanho de um prédio de sete andares da barragem de Tucutu. Deu-se assim, na manhã da última terça-feira (05/06), o início oficial da polêmica obra de transposição do rio São Francisco, obra de mais de R$ 5 bilhões a ser financiada com dinheiro dos impostos.
O marco foi feito a oito quilômetros das margens do São Francisco, em Cabrobó (PE). Do trecho onde o rio faz uma curva, sairá um dos dois canais de concreto que vão desviar parte das águas do São Francisco por centenas de quilômetros, para os Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. No caminho, nove estações de bombeamento vão erguer as águas a uma altura de até 300 metros.
"E será que vão conseguir?", perguntou no dia seguinte --entre óbvia e preocupada-- a índia truká Maria Eunice do Nascimento, cuja aldeia está instalada a apenas 600 metros do ponto de captação das águas em Cabrobó, numa ilha que divide o São Francisco em dois.
Os truká temem que a transposição comprometa a pesca e a agricultura em seu território. Eles lamentam se verem diante de um fato consumado.
Na coordenação-geral do projeto, em Brasília, o engenheiro Rômulo Macedo considera "pouco provável" que a obra pare depois de tantos problemas que enfrentou até começar a sair do papel.
Ele não descarta, porém, contestações e eventuais atrasos na superlicitação em curso, de R$ 3,3 bilhões, para a escolha das empresas privadas que farão a maior parte da obra, nem o risco de que a obra se torne, no futuro, um "elefante branco". "Tudo está programado para que o eixo Leste seja inaugurado já neste governo e que o eixo Norte, maior, chegue a 2010 com parte funcionando, para se tornar irreversível", disse Macedo. O objetivo é evitar que o sucessor de Lula interrompa o projeto.
Grandes obras
"Essa cena vai para o museu", comentou o sargento topógrafo Farah sob o sol forte. Ele faz parte de uma equipe inicial de 50 homens deslocados do 2º batalhão de engenharia do Exército, sediado em Teresina.
O grupo, que alcançará 200 homens nos próximos meses, montou acampamento em Cabrobó na segunda-feira. Outro destacamento, saído de Picos (PI), chegará amanhã ao município de Floresta, também em Pernambuco. As escavações devem começar dia 25.
O Exército cuidará da primeira parte da obra: construirá os dois pontos de captação das águas -nos municípios de Cabrobó e Floresta- e quase oito quilômetros de canais entre as margens do rio e as primeiras estações de bombeamento, além das primeiras barragens da transposição. Dividido em 14 lotes, o restante da obra será tocado por empresas privadas.
No meio da área da caatinga que será desmatada em breve, os militares compararam a transposição a grandes obras que o país teve nos anos 70, como a Transamazônica, a hidrelétrica de Itaipu e a ponte Rio-Niterói.
O batalhão responsável pela primeira etapa das obras da transposição ganhou o nome de Pedro 2º. Uma homenagem ao imperador que patrocinou a primeira idéia de desviar águas do São Francisco.
No PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a transposição é a obra que vai consumir o maior volume de impostos cobrados pela União.
Antônio Simões de Almeida acertou na quarta-feira, no escritório do Ministério da Integração em Cabrobó, a indenização de R$ 1,029 milhão pelas terras da fazenda Tucutu, local escolhido para a captação das águas do São Francisco no eixo Norte. "Era uma propriedade de estimação, mas não é por isso que vou ser contra a obra, que vai beneficiar tanta gente", declarou.
Coube a Antônio "Russo", como é conhecido, a indenização mais cara a ser paga no primeiro trecho da transposição. O processo de desapropriação é complicado pela falta de documentos que comprovem a titularidade das terras, problema que atinge 80% das propriedades localizadas numa área de cem metros nas margens direita e esquerda dos canais. Essa faixa será cercada e vigiada para evitar roubo de água. Desde o anúncio da desapropriação, em 2005, a fazenda Tucutu, de quase 600 hectares, parou de produzir arroz e cebola para se dedicar à criação de gado.
(Por Marta Salomon, FSP, 10/06/07)