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terras indígenas
2007-06-08
SÃO PAULO – O projeto de regulamentação da atividade mineradora em terras indígenas está sendo preparado, pelo menos neste momento, sem a participação do movimento indígena. A proposta do projeto de lei vem sendo discutida desde 2004 pelos Ministérios da Justiça e das Minas e Energia e pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. “Consideramos que o projeto tem uma série de problemas e que não surge da demanda indígena”, avalia Raul Telles, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). “Tanto que a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) já firmou uma posição contrária em se apresentar o projeto separado ao do novo Estatuto dos Povos Indígenas. É um equívoco político”.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, o movimento indígena luta para construir um novo Estatuto, que contemple as diferentes etnias e que garanta e proteja os seus direitos. Segundo Saulo Feitosa, presidente do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), desde 1988 foi feita uma discussão ampla que reafirmava a necessidade do Estatuto, responsável também por incluir a regulamentação da mineração. Ele afirma que, até então, a proposta do projeto para a mineração está sendo organizada sem a participação da Comissão Nacional da Política Indigenista, da qual ele mesmo faz parte.

De acordo com Dionito José de Souza, indígena Macuxi e coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), o movimento indígena não foi chamado pelo governo para discutir a proposta deste projeto. “E a gente nunca vai ser chamado se não formos lá espontaneamente [defender os direitos]. A discussão não chegou no movimento indígena, principalmente na base, onde o povo mora de fato e não quer a mineração”, diz.

“O que se esperava era que o governo submetesse a proposta ao movimento indígena para ser discutido junto com o Estatuto. Esse projeto, apresentado de forma isolada, prejudica os índios e beneficia as mineradoras”, considera Feitosa.

Para o presidente do Cimi, o projeto não especifica e nem atende a questão da diversidade étnica das comunidades. “Esse projeto não é de todo recusável, mas precisa ser aprimorado. Não dá para se pensar nos indígenas de forma genérica”. Ele menciona que há povos com quem o contato é intermitente ou praticamente nulo. “O capítulo sobre os direitos às comunidades deve ser trabalhado. É essa a parte que interessa para os indígenas e ele é muito limitado, porque a diversidade tem que ser pensada considerando os aspectos das realidades variadas dos indígenas. Cabe à União o respeito na garantia dos direitos desses povos”, avalia.

Mecanismos e garantias
De acordo com o procurador-geral da Funai, Luiz Fernando Villares, esse projeto traz mais garantias e mais direitos que os anteriores: assegura o direito das comunidades indígenas serem ouvidas no processo, como determina a Constituição; há previsão para o pagamento de royalties; e obriga a existência de um laudo antropológico sobre questões socioambientais que o impactado da atividade mineradora sobre as comunidades. “Essa proposta pode não ser a ideal, mas é melhor do que as outras”, diz.

Segundo Villares, o projeto não prevê nenhum mecanismo que dê o poder de veto às comunidades indígenas, caso não desejem a mineração em suas terras. Mas ele afirma que a posição dos índios será levada em conta ao longo da discussão. “A Constituição prevê o direito de se pronunciarem e a existência de audiências públicas. E se os índios não querem, não terá desdobramentos para a atividade de mineração”, afirma o diretor geral do DNPM, Miguel Nery, que afirma que as comunidades deveriam ter poder de veto nas negociações da mineração. Ele acredita que mecanismos como as audiências públicas conseguiriam garantir essa autonomia.

“No mínimo, os índios teriam que ter o direito de dizer como e onde a mineração pode ser feita”, afirma Raul Telles, do ISA. Segundo ele, esse é um direito inalienável porque as terras indígenas são áreas protegidas não só pelo seu aspecto ambiental, mas também porque as áreas compreendidas por ela são destinadas para usos de sobrevivência e práticas sagradas. “A mineração pode feri-los culturalmente e afetá-los em termos de sobrevivência física”.

Para Dionito Souza, coordenador do CIR, a permissão para que as terras dos índios sejam exploradas não contempla as necessidades das comunidades “Essa regulamentação é muito ruim, porque existem etnias que ainda estão muito longe dessa discussão, não estão acompanhando a questão. É um processo muito complicado e tem que ser pensado com cuidado”, avalia.

“A decisão sobre se vai haver a mineração é do próprio governo. Com certeza a pressão será grande sobre as comunidades”, alerta Ricardo Verdum, assessor de políticas indígenas e socioambientais e do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que teme os problemas ocasionados pelo eventual boom da atividade mineradora. Baseando-se em experiências anteriores, ele menciona que a mineração sempre atrai população para as pequenas cidades, que não conseguem atender a demanda crescente devido à falta de infra-estrutura. Deficiência nas áreas de saúde e segurança são algumas conseqüências.

Mineração seria alternativa
O projeto prevê que as populações indígenas que sejam potencialmente afetadas pela atividade mineradora recebam 3% do faturamento bruto da mineradora como royalties pela exploração de suas terras. “Seria preciso avaliar cada caso, mas é um mecanismo que pode ser interessante. Por outro lado, há uma série de problemas em que a remuneração não vai resolver, como nas condições em que a população precisaria ser removida ou quando rios são contaminados pela poluição”, lembra Ricardo Verdum, do Inesc.

Para Nery, a mineração deve servir como alternativa econômica para as comunidades indígenas. “Em muitos países os índios se associaram com empresas [na exploração mineral]. Sem abrir mão de suas culturas, alternativas econômicas lhes foram facultadas. Eu não sei se todos os índios querem continuar em seu estado selvagem”. Segundo o diretor, as comunidades têm que ter a oportunidade de optar pelo desenvolvimento sustentável.

“Há um argumento favorável à mineração nessas áreas que diz que a atividade melhoraria as condições de vida e supriria a carências na área de saúde e educação, mas, na verdade, isso tudo são direitos dos índios assegurados pela Constituição, independente dos recursos naturais que eles dispõem”.

O coordenador do CIR afirma que a porcentagem prevista para o pagamento de royalties é muito pequena. Segundo ele, uma das propostas dos indígenas para essa questão é de que as comunidades detenham 50% do lucro bruto que as mineradoras venham a obter com a exploração dos recursos nas terras indígenas.

Segundo a Funai, não há previsão de quando o Executivo conclua a proposta do projeto e quando irá à votação. As entidades e a Funai acreditam que há um ambiente político favorável para a aprovação deste projeto. Para Villares, o consenso sobre a questão no governo ajuda a sua receptividade.

Existem mais de 4,8 mil processos de requerimento no DNPM para pesquisa e lavra em áreas indígenas na Amazônia por parte de pessoas físicas e jurídicas, como as grandes mineradoras. Mas, ainda que o projeto seja aprovado, todas essas solicitações são invalidadas. Pelo menos nesse aspecto, Inesc, ISA e Cimi são unânimes em considerar que o projeto apresenta um avanço em relação aos anteriores. O diretor geral do DNPM explica que a anulação dos processos decorreria de um conflito legal, já que as regras da época em que os requerimentos foram feitos não valeriam mais.

(Por Natalia Suzuki, Agência Carta Maior, 05/06/2007)

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