Em junho de 1992, a Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro, revelou o primeiro reconhecimento explícito da comunidade internacional do custo para as gerações futuras do uso insustentável dos recursos naturais. As conseqüências das intervenções humanas nos sistemas naturais nunca foram mais claras do que ao se comemorar, 15 anos depois, este Dia Mundial do Meio Ambiente, há duas décadas do informe “Nosso futuro comum”, produzido pela Comissão Mundial das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, comandada pela norueguesa Gro Harlem Brundtland.
Já se reconhece que a mudança climática é um assunto de extrema importância mundial. Os informes deste ano do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), com suas descobertas inquestionáveis sobre mudanças climáticas induzidas pelos seres humanos, serviram para acabar com as dúvidas sobre nossa influência no aquecimento do planeta. Como resultado, nos últimos meses houve uma notável transformação na consciência pública, na política internacional e na decisão para adotar medidas.
Igualmente importante, apesar de ainda não tão evidente para os olhos do público e para as prioridades políticas, é a perda de diversidade biológica, que se ergue como uma ameaça ao bem-estar humano. Tal como expôs a Avaliação de Ecossistemas do Milênio, na medida em que os ecossistemas de todo o planeta são degradados pela atividade humana estão em perigo serviços básicos como fornecimento seguro de alimentos e água doce e, ainda, a proteção contra desastres. A Cúpula da Terra deu lugar ao Convênio sobre Diversidade Biológica e à Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que aspiram fazer frente a essas ameaças gêmeas por meio da cooperação internacional.
Entretanto, cada vez é mais evidente que a biodiversidade e a mudança climática estão intimamente vinculadas. Assim, agora devemos lutar pela coordenação ativa das políticas destas convenções, para que a relação entre essas ameaças e a sobrevivência humana possa ser abordada de maneira efetiva. O vínculo mais claro entre a mudança climática e a biodiversidade foi exposto em uma das conclusões do IPCC: aproximadamente entre 20% e 30% das espécies de plantas e animais conhecidos podem sofrer maior risco de extinção com um aumento médio da temperatura na Terra entre 1,5 e 2,5 graus.
Isto se deve a uma variedade de impactos relacionados com a mudança climática que terão efeitos de longo alcance, como, por exemplo, a alteração dos padrões migratórios, a degradação do hábitat pelo aumento das temperaturas, as mudanças nos regimes de chuvas e o branqueamento dos arrecifes de coral, pois as águas marinhas mais quentes modificam o equilíbrio que corais e algas necessitam. Também se teme que a acidificação da água do mar, por maiores concentrações de dióxido de carbono, afete a capacidade de muitos organismos marinhos de formar suas conchas.
Prevê-se que a mudança climática se converterá na maior ameaça à biodiversidade até o final deste século. Enfrentar suas causas e reduzir sua escala é, portanto, uma prioridade central para salvaguardar os ecossistemas e os serviços que estes proporcionam às sociedades humanas. O vínculo entre mudança climática e biodiversidade também opera na outra direção. As medidas para proteger a biodiversidade podem ajudar tanto a reduzir a escala da mudança climática quanto a minimizar seus impactos sobre a natureza e as pessoas.
Proteger a enorme variedade de vida vegetal e animal nas florestas tropicais reduzirá a significativa contribuição do desmatamento para as emissões de gases causadores do efeito estufa, potencializará a eliminação de dióxido de carbono da atmosfera e seu armazenamento nas plantas, e, ao mesmo tempo, preservará o serviço dos ecossistemas de manutenção das águas continentais e recarga dos lençóis subterrâneos. Proteger manguezais, arrecifes de coral e áreas costeiras ajudará a reduzir os impactos de eventos climáticos extremos, como tempestades e cheias marinhas.
Enfrentar as ameaças que as atividades humanas exercem sobre os ecossistemas os tornará mais resistentes à mudança climática. Por exemplo, será essencial aumentar a capacidade dos sistemas agrícolas para absorver perturbações, protegendo a grande variedade de formas de vida com características resilientes únicas, como as plantas que suportam as secas. A introdução de práticas agrícolas sustentáveis pode aumentar a segurança alimentar da população global e ajudar a proteger ecossistemas biologicamente diversos. Em março, foi dado um passo importante nesse sentido.
Os ministros de Meio Ambiente do Grupo dos Oito países mais poderosos (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) e de cinco nações emergentes (Brasil, China, Índia, México e África do Sul) se reuniram na cidade alemã de Potsdam para analisar estes dois desafios globais. Os ministros reconheceram que são necessários mais esforços para enfrentar com coerência a mudança climática e a redução de biodiversidade. Apoiaram a Iniciativa de Potsdam, que promoverá uma melhor coordenação entre políticas e ações diante destes dois problemas e incluirá um estudo dos benefícios econômicos da diversidade biológica, dos custos de sua perda e dos custos por não se adotar medidas de proteção versus o que custaria uma conservação efetiva.
É necessária uma aliança dos países mais ricos para estabelecer novos objetivos e acordos de conservação da biodiversidade, uma vez expirados os adotados na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de 2002. Quanto à mudança climática, este ano é crucial para que as partes da Convenção passem à fase seguinte, de redução multilateral do aquecimento global. É preciso um firme contexto de ação até 2010, para evitar um vazio entre o fim do primeiro período de compromissos de redução de gases causadores do efeito estufa do Protocolo de Kyoto, que termina em 2012, e a entrada em vigor de um futuro regime.
Uma ampla agenda das necessidades deve ser conseguida na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá na ilha indonésia de Bali, em dezembro deste ano. É urgente que se chegue a uma nova aliança global para sustentar a vida na Terra. Não podemos nos dar ao luxo de perder a oportunidade de converter em ações os objetivos da Cúpula do Rio para salvaguardar os fundamentos vitais do planeta.
(Por Ahmed Djoghlaf e Yvo de Boer,
Terramérica, 04/06/2007)