Embora tenha ficado fora dos acordos bilaterais assinados em Nova Déli, a cooperação no campo nuclear permanece um interesse comum entre Brasil e Índia.
A declaração conjunta assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, diz que "os mandatários enfatizaram a necessidade do desenvolvimento de um programa de cooperação em matéria de uso pacífico de energia nuclear, em consonância com suas obrigações internacionais".
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que deve haver "em breve" uma visita do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) brasileira, Odair Dias Gonçalves, à Índia para detalhar como essa parceria poderia ser viabilizada.
No princípio, relatou o ministro, o entendimento seria para a utilização de tecnologia nuclear na medicina, mas não estaria excluído um entendimento, "no futuro", sobre o uso de energia nuclear.
"Inicialmente, seria medicinal e talvez isótopos para conservação de alimentos", afirmou.
"Mas quando você pensa em uma matriz energética limpa, o nuclear vai ter que entrar. E aí eu acho que vai haver uma boa perspectiva de cooperação", disse Amorim, ressaltando se tratar de uma "opinião pessoal".
RessalvaA ressalva em relação a uma parceria nuclear com a Índia se deve ao fato de o governo indiano não ter assinado o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), como o brasileiro.
No entanto, Amorim afirma que é importante trazer a Índia para dentro de discussões sobre o uso pacífico de tecnologia nuclear.
O ministro se mostrou favorável, por exemplo, a que o país entre no Grupo de Supridores Nucleares (NSG, sigla em inglês), entidade presidida pelo Brasil e que prega o uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos.
"A Índia tem uma boa tecnologia nuclear, e creio que temos a ganhar por estabelecer uma cooperação em campos estritamente civis."
"Independentemente do fato de (a Índia) ter feito explosões nucleares, é importante que um país que detém tecnologia e material nuclear participe de um esforço de não-proliferação", acrescentou.
"Agora, um debate mais profundo sobre não-proliferação e desarmamento iria além do que estamos discutindo no momento."
Pauta abertaComo a questão nuclear, outros temas que Brasil e Índia vêm discutindo ficarão para possíveis acordos futuros.
O mais evidente deles talvez sejam os biocombustíveis, que atraem a atenção de empresários brasileiros interessados em vender tecnologia e serviços para a Índia.
Hoje, a Índia obriga que 5% de seu combustível leve etanol - e a regra só vale para nove Estados. O governo indiano já demonstrou interesse em aumentar para 10% essa proporção, que seria estendida para todo o país.
Nesse caso, até a Petrobras já se disse interessada em colaborar com a iniciativa indiana na questão logística da distribuição do biocombustível.
Outra questão que ficou de fora das conversas em Nova Déli foi a social - apesar de Índia e Brasil serem países afetados pela pobreza e a desigualdade econômica e social.
No jantar que teve com o presidente indiano, Abdul Kalam, na segunda-feira à noite, as autoridades indianas demonstraram interesse em conhecer melhor alguns programas brasileiros de microcrédito, especialmente o Pronaf e projetos do Banco do Brasil.
Mais de 70% da população da Índia vive no campo, onde também se situa o maior nível de pobreza. Um dos problemas sociais indianos é, por exemplo, o nível de suicídios de pequenos agricultores empobrecidos.
O ministro Celso Amorim disse que uma missão com técnicos do Ministério do Desenvolvimento Agrário deve visitar a Índia em breve para trocar experiências.
Mais significativa, entretanto, pode ser uma visita da atual líder do partido de governo e uma das maiores expoentes da luta social na Índia, Sonia Gandhi, ao Brasil.
A visita, segundo o ministro do Exterior da Índia, poderia ocorrer em agosto ou setembro, após um convite feito pelo próprio presidente Lula em uma reunião com Sonia Gandhi na manhã desta terça-feira, na suíte presidencial do hotel em que está hospedado.
AproximaçãoNa comitiva que acompanhou o presidente Lula em Nova Déli, a sensação foi a de que há muito ainda por explorar na relação Brasil-Índia, embora os dois países sejam sempre mencionados lado-a-lado em discussões sobre geopolítica e economia.
Embora ambos sejam protagonistas, por exemplo, nas reuniões da OMC - ambos são expoentes do chamado G-20, que congrega os emergentes - o comércio entre Brasil e Índia fica pouco abaixo dos US$ 2,5 bilhões por ano.
A China, por exemplo, troca com o Brasil quase US$ 20 bilhões anuais, sublinhou o ministro Celso Amorim.
"A Índia é aquele parceiro que você percebe que tem um enorme potencial e que as coisas não estão acontecendo ainda na medida do que poderiam", disse o ministro.
"Entre Brasil e Índia, existe uma boa cooperação nos foros multilaterais - e isso é histórico - que se intensificou muito nos últimos anos, mas não havia muito engajamento bilateral."
"A aproximação política está perto (do ideal), a econômica é que está faltando", concluiu Amorim.
Lula e o primeiro-ministro indiano devem voltar a se encontrar no dia 17 de outubro, em um encontro do chamado Ibas -o grupo que reúne Índia, Brasil e África do Sul -que está marcado para ocorrer na África do Sul.
(Por Pablo Uchoa,
Folha Online, 05/06/2007)