Sem que o governo federal anunciasse, o Exército chegou a Cabrobó, na divisa entre Bahia e Pernambuco, para iniciar as obras da transposição do Rio São Francisco. Os primeiros homens passaram a montar acampamento no sábado. As obras civis estão programadas para começar no dia 24 ou 25.
Num posto de combustível desativado e alugado por cerca de R$ 3.000, militares do 2º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) instalam os equipamentos e descarregam os contêineres para construir os alojamentos e refeitórios militares. Uma retroescavadeira também já foi levada ao local, para surpresa de opositores da obra que imaginavam ainda estar em fase de negociação com o governo. Eles prometem resistir.
O governo vai iniciar a transposição do São Francisco com o Exército para ganhar tempo, enquanto a licitação está sendo feita. Principal obra de infra-estrutura hídrica para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o projeto tem garantidos R$ 4,9 bilhões para a construção de dois canais. Segundo o Ministério da Integração Nacional, 12 milhões de pessoas serão beneficiadas; os opositores dizem que a obra vai favorecer apenas o agronegócio.
Equipamentos pesados do 2º BEC, antes usados na duplicação da BR-101 na Paraíba, já estão em Cabrobó. Da cidade pernambucana sairá um dos canais do projeto, o Eixo Norte, que levará água do São Francisco para as bacias dos Rios Jaguaribe, no Ceará, e Piranhas e Apodi, Rio Grande do Norte.
A movimentação também já foi iniciada em Floresta e Petrolândia, em Pernambuco, de onde sairá o segundo canal. Captará água da Barragem de Itaparica e a levará até os Rios Moxotó e Paraíba. O Eixo Leste beneficiará populações de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Três casas de uma agrovila foram alugadas, a R$ 300 cada, para montar os alojamentos dos militares de três batalhões do Exército - o 1º (Caicó, no Rio Grande do Norte), o 3º (Picos, no Piauí) e o 4º (Barreiras, na Bahia).
Índios das etnias truká e tumbalalá, no Eixo Norte, e pipipão e kambiwá, no Leste, prometem impedir o início das obras. Numa carta enviada ontem ao ministro Geddel Vieira Lima, representantes de organizações do Fórum de Articulação Popular em Defesa do São Francisco cobram a retomada do diálogo com o governo federal e o cumprimento de um acordo firmado há dois anos, prevendo não iniciar as obras até o esgotamento da discussão de alternativas ao projeto.
Subscreve a carta o bispo da Diocese de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, que em outubro de 2005 fez greve de fome e obteve um recuo do governo. Irritado, o presidente Lula teve de despachar o então ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, hoje governador baiano, para convencer o bispo a interromper o protesto, que ganhou repercussão internacional. Depois de cinco horas de conversa, dom Luiz Cappio aceitou o acordo, por acreditar que o governo não voltaria a insistir nessa obra sem promover um debate amplo.
Do lado do governo, a maior preocupação é iniciar imediatamente as obras. O ministro Geddel está programando para a próxima semana viagem da nascente à foz do Rio São Francisco, onde encontrará com lideranças políticas e representantes da sociedade civil para explicar e debater o projeto. Não está descartado um encontro dele com o presidente Lula na rota.
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Jornal O Povo, 05/06/2007)