De lá para cá, o mundo em que vivemos foi radicalmente transformado em todos os aspectos do nosso cotidiano, sendo o universo do cidadão da década de 70 marcado por um mundo bipolar no qual aparentemente as fronteiras eram bem definidas: esquerda versus direita, democracia versus ditadura, capitalismo versus socialismo, progresso versus ambiente. Esse contexto tinha como referência básica um modo de pensamento moldado nos séculos anteriores e a humanidade era vista como destinada a se sobrepor sobre a natureza mediante sua capacidade de dominá-la ou substituí-la pelo desenvolvimento tecnológico. A Conferência de Estocolmo foi concebida e realizada pela liderança de alguns visionários inseridos em questões conservacionistas ou ambientais, que vislumbraram de modo pioneiro os problemas globais hoje constatados pelo acúmulo de conhecimento e pela ciência, de modo que os resultados daquele evento ficaram aprisionados dentro de fronteiras bem determinadas, sem capacidade de promover mudanças no processo decisório mais amplo.
A Conferência do Rio foi realizada claramente por força de uma série de acontecimentos ocorridos em meados da década de 80, entre os quais o mais relevante foi a divulgação da imagem de satélite sobre a Antártica, que ao revelar o enorme buraco na camada de ozônio demonstrou inequivocamente o impacto da ação da humanidade no planeta, ainda que certas tecnologias tenham trazido benefícios inegáveis na conservação de alimentos e outras aplicações tecnológicas: o importante é se assinalar que a partir de então tomamos consciência do potencial de impacto que causamos sobre o ambiente global de modo que é inegável a necessidade de assumirmos responsabilidade por nossa ação perante as futuras gerações. Em outras palavras, um novo paradigma de relação humanidade-natureza se estabeleceu. Com isso, podemos afirmar que o mesmo se tornou referência obrigatória no ingresso do século 21.
A partir de então, todas as nossas ações deveriam estar moldadas por essa noção de “responsabilidade planetária”, tendo como outra face da moeda a idéia correspondente de uma “cidadania planetária”.
A Conferência do Rio estabeleceu como requisito básico a compreensão de que temos limites e devemos aprender a conviver com os mesmos. Resultado de um processo inovador de engajamento dos mais diversos atores sociais, com ênfase na liderança de governos e com a ação complementar da sociedade civil, academia, setor empresarial e notadamente a mídia, foram produzidos consensos importantes consubstanciados na denominada Agenda 21, documento longo e completo que tinha ambição de ser o passaporte para entrada no século 21 em um outro patamar, referenciado pela idéia de um compromisso ético baseado no cuidado com as futuras gerações e justiça social.
Além desse “pacto” importante, tratados internacionais foram gerados, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e sobre Diversidade Biológica, ainda que despidos de metas de cumprimento, refletindo a ambigüidade típica de processos negociadores multilaterais.
A principal deficiência da Rio-92 se deu exatamente por não ter tido a capacidade de criar um desenho institucional global e mesmo ter imaginado um processo que mantivesse a mobilização da mídia e da sociedade em torno das questões por ela tratadas, o que se evidenciou inequivocamente na frustração da reunião de Johanesburgo, ocorrida dez anos mais tarde.
Hoje, o que vemos são os fatos pressionando na direção de novos formatos e decisões, uma vez que os últimos relatórios do IPCC estão demonstrando que a realidade é mais dramática e urgente do que as previsões de 15 anos atrás, justificando e exigindo a realização de uma nova Cúpula Mundial acerca das mudanças climáticas. Mas, dessa vez, com uma agenda mais objetiva em termos de metas, mecanismos de cumprimento e um redesenho institucional adequado, com potencial transformador de induzir as mudanças geopolíticas requeridas. Em outras palavras, temos um ambiente favorável a tais transformações, pelo fato de que a “sustentabilidade” passou a ser um denominador comum de setores empresariais importantes e da sociedade civil organizada, permitindo alianças estratégicas que suportem e legitimem politicamente esse novo paradigma.
O Brasil, que em 1972 adotou uma postura de poluição como sinônimo de progresso, no Rio mostrou a sua capacidade de liderança ao sediar a Conferência - a maior já realizada pelas Nações Unidas, tornando-se um ator reconhecido e dos mais importantes em toda essa trajetória de negociações internacionais, especialmente no Protocolo de Kyoto.
Entretanto, a exemplo do que ocorreu na década de 80, tem sido incapaz de compreender a importância estratégica de reduzir o desmatamento da Amazônia e reforçar sua liderança diante da comunidade internacional. Mantém uma posição defensiva, ao invés de liderar propositivamente, abrindo mão da oportunidade de recomendar a realização da mencionada Cúpula Mundial sobre Clima, que poderia ser realizada no Rio no próximo ano.
O mesmo esforço que fazemos para a realização da Copa do Mundo em 2014 poderia ser feito em prol do planeta, sendo essa uma bandeira suprapartidária a ser conduzida por este governo, lembrando que a Rio-92 foi viabilizada pelos presidentes José Sarney e Fernando Collor. Enfim, temos de deixar de ser campeões do desmatamento para sermos líderes mundiais do desenvolvimento sustentável.
(Por Fabio Feldmann, Estado de S. Paulo, 05/06/2007)
* É ex-deputado federal e secretário do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas e Biodiversidade