Era 1992 e o Brasil assistiu a um desfile incomum. Delegados de 178 países, entre eles 108 estadistas, foram recebidos no Rio pelo presidente Fernando Collor - então imerso em denúncias de corrupção feitas pelo irmão, Pedro. Centenas de representantes de diversos segmentos sociais - jovens, índios, ambientalistas - debatiam do lado de fora do Riocentro.
Era a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, apelidada de Rio-92, ECO-92 ou Cúpula da Terra. Ela marcou o aniversário de 20 anos da Conferência de Estocolmo, que foi um divisor de águas para o movimento ambientalista, e colocou o tema definitivamente na pauta sociopolítica internacional.
Na época, o texto que fundamentou o conceito de desenvolvimento sustentável havia sido publicado cinco anos antes: Nosso Futuro Comum, organizado por uma comissão de pensadores e especialistas em questões socioambientais, como o brasileiro Paulo Nogueira-Neto. A coordenadora do trabalho, a norueguesa Gro Harlem Brundtland, também veio ao Brasil e participou ativamente das negociações, ao lado do mentor da reunião, Maurice Strong, então virtual candidato a secretário-geral da ONU.
Após 12 dias de debates, acusações, manifestações e exposição de dados, vontades e deveres, a Rio-92 terminou com gosto agridoce. O abismo entre países ricos, concentrados no Hemisfério Norte, e pobres, no Sul, cresceu. Os principais tópicos - mecanismos que promovessem o desenvolvimento sustentável, regras de uso e proteção da biodiversidade, combate ao efeito estufa e soberania sobre florestas - ficaram aquém do esperado.
Para determinados grupos, era mais do que suficiente e aguardado para a conferência; para outros, um conjunto de textos vazios, sem estrutura para serem levados adiante com a intensidade que o planeta exigia. A dicotomia se refletia dentro do próprio governo brasileiro.
Tratados sobre clima e acesso à biodiversidade nasceram no Rio
Mudanças climáticas e biodiversidade. Duas das principais moedas ambientais de negociação internacional correntes foram postas, na Rio-92, no curso que se manteve até hoje. As decisões tomadas no Riocentro pautaram os 15 anos seguintes não apenas no direcionamento, mas na intensidade aplicada.
Três importantes convenções nasceram no Riocentro e, por esse ponto de vista, pode-se dizer que a reunião foi bem-sucedida. Porém, carentes de objetivos claros, já na época foram criticadas por ambientalistas e diplomatas de que eram pouco representativas dentro do que seria realmente necessário para preservar o planeta. Forças políticas contrárias à criação de arcabouço que colocasse a questão como prioritária não faltaram, personificadas no então presidente americano George Bush (o pai).
A primeira convenção resultante da Rio-92 é a de Diversidade Biológica, sobre a preservação da biodiversidade e a exploração sustentável do patrimônio genético, sem prejudicar ou impedir o desenvolvimento de cada país. Ainda faltam, 15 anos depois, detalhes de como ela deve ser implantada. Enquanto isso, a destruição continua. Em 1992, 10% da Amazônia havia sido desmatada; hoje, o índice está em 18%. A segunda é a Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação, que entrou em vigor em 1996.
A terceira é a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, que estabelece estratégias de combate ao efeito estufa. O Protocolo de Kyoto, sobre a redução da emissão de gases-estufa a fim de conter o aquecimento global, está sob seu chapéu.
Um planeta mais quente
O clima é atualmente a maior preocupação ambiental. Essa atenção acontece, especialmente, após a constatação de que a humanidade precisa se adaptar a variações perigosas do clima. Esse era justamente o objetivo da convenção formatada no Rio - que, portanto, em certo grau falhou em sua missão.
Desde então, a cada conferência dos participantes dessa convenção, realizada anualmente, as críticas se repetem: as decisões ficam aquém da urgência do problema, dizem os observadores da sociedade civil organizada; os blocos de oposição a medidas mais duras provocam um cisma no processo de negociação ou aprovam ações brandas, dizem negociadores. A Rio-92, se não foi bem avaliada assim que terminou, hoje provoca suspiros saudosistas de quem trabalha com o tema.
A inação atualmente é personificada no presidente americano George W. Bush, o filho, que não participa do Protocolo de Kyoto, mas também nos países ditos emergentes, especialmente China, Índia e Brasil. Os três não aceitam metas de redução de suas emissões de gases que provocam o efeito estufa, ainda que sejam grandes emissores mundiais.
Sua argumentação segue um conceito consagrado na Rio-92: de que todos os países partilham da responsabilidade pelo o que acontece no planeta, mas ela é diferenciada de acordo com a história de cada um. Seguindo essa lógica, pagam e fazem mais as nações ricas, que esgotaram seus recursos naturais e emitiram descontroladamente gases-estufa para alimentar o crescimento econômico. As nações pobres, por sua vez, comprometem-se a buscar alternativas a esse modelo “sujo” de desenvolvimento, mas não podem ser cobradas na mesma moeda, pois não poluíram tanto e por tanto tempo quanto os desenvolvidos.
O conceito tem sido amplamente debatido e questionado nos últimos anos, especialmente por causa da China. Ela em breve vai se tornar a maior emissora mundial de gases-estufa, graças à construção em série de usinas alimentadas por carvão para suportar as taxas elevadas de crescimento.
Os países em desenvolvimento também concentram mais da metade da população mundial, que busca um estilo de vida similar ao americano e ao europeu - extremamente confortáveis sim, porém custosos demais ao ambiente para o planeta suportar. Se cada chinês tiver um carro movido a gasolina ou diesel, como ocorre no Estado de Bush, o Texas, as taxas de emissão atmosférica atingiriam níveis impossíveis de se lidar.
(Por Cristina Amorim, Estado de S. Paulo, 05/06/2007)