(29214)
(13458)
(12648)
(10503)
(9080)
(5981)
(5047)
(4348)
(4172)
(3326)
(3249)
(2790)
(2388)
(2365)
áreas contaminadas poluição na china
2007-06-05

Em dias de mái, o sol brilha fraco em Tang Paradise, e o céu não é azul, mesmo num domingo ao meio-dia e sem nuvens. Construído em homenagem à Dinastia Tang (618-907), símbolo de prosperidade e excelência, o belíssimo complexo de lazer fica na cidade de Xian, centro-norte da China. Ali, como em diversas partes do país, volta e meia tem mái: uma névoa espessa que torna os dias mal iluminados e cinzentos.

 

O fenômeno ocorre da futurista Xangai à tradicional capital, Pequim. E tem se tornado tão freqüente que nos últimos anos surgiu no cotidiano a palavra mái, ideograma que combina os símbolos de 'nuvem' e 'animal' e na boca do povo quer dizer 'poeira ruim'. Mais do que apropriado para designar a mistura de fumaça, poeira, gases e elementos químicos em suspensão que varre boa parte dos 9,5 milhões de quilômetros quadrados do país e cujos efeitos, registrados em fotos no site da Nasa, já chegaram a atravessar o Oceano Pacífico e foram sentidos na costa da Califórnia.

 

A China, a maior fábrica e o maior canteiro de obras do mundo, enfrenta, na corrida pelo crescimento econômico, um gigantesco desafio: o impacto ambiental. A China está poluindo demais o ar, a água e o solo. A questão ambiental chinesa ganhou na semana passada um dado alarmante. Estudo divulgado pela Academia Chinesa de Ciências Médicas revelou que o câncer, turbinado pela poluição, acaba de assumir a liderança no ranking de motivos de morte no país. 'A principal razão é a poluição da água e do ar, pior dia após dia', disse o médico e cientista Chen Zhizhou.

 

O governo tem lidado abertamente com a questão. O ministro da Informação, Cai Wu, vai direto ao ponto: 'Temos severos problemas com poluição do ar, água e solo. Nossas empresas poluem demais', disse Cai em entrevista na semana passada (leia na página seguinte).

 

No ar, pairam gases, poeira, fumaça e principalmente a substância formaldeído e seus derivados, usados na construção civil. As partículas sólidas penetram irreversivelmente nos pulmões, conforme o estudo divulgado por Chen e publicado no jornal estatal China Daily. 'Muitas indústrias lançam resíduos nos rios. E o uso excessivo de fertilizantes e pesticidas contamina os lençóis freáticos', acrescentou. Passar longe da água da torneira, mesmo tratada, é uma recomendação feita pelos guias turísticos. Até gelo eles recomendam evitar.

 

A situação piora bastante quando ocorrem as já familiares tempestades de areia, parte integrante do cotidiano e das previsões meteorológicas. Não é difícil encontrar um cidadão de Pequim que explique que as sandstorms vêm com os fortes ventos que sopram da Mongólia, ao norte do país, arrastando a poeira gerada pelos crescentes desmatamentos. É o caso da guia e intérprete Olívia Duan, 22 anos, que mora com os pais em Pequim. Olivia não menciona onde obteve essa informação, mas o fenômeno é citado no livro China S.A, de Ted Fishman, publicado em 2005.

 

Outro estudo divulgado na semana passada em Pequim mostrou o comprometimento da água do mar. A análise realizada em 75 estações de medição em 13 cidades litorâneas acusou a presença de arsênico, mercúrio, cádmio e cobre, entre outros metais e poluentes.

 

A pesquisa do dr. Chen foi feita em 30 cidades e 78 condados. Mas, além das estatísticas, basta andar e observar o batalhão de guindastes e gruas trabalhando 24 horas por dia e 7 dias por semana, demolindo prédios velhos e sujos e abrindo terrenos para megaconjuntos residenciais e empresariais.

 

Num movimento gigantesco de urbanização, cuja magnitude e velocidade não têm precedentes na história, a China busca incessantemente construir infra-estrutura e fazer a economia girar para acomodar os mais de 100 milhões de trabalhadores rurais em processo de migração interna, nas estatísticas oficiais - analistas ocidentais falam em números maiores. Para isso, precisa construir todos os meses infra-estrutura equivalente a Houston, cidade americana com 2 milhões de habitantes, segundo estudo de Fishman.

 

Além da pressão do movimento migratório e de urbanização, que aumenta a demanda por quase tudo, Pequim se prepara para sediar, em 2008, a 29ª Olimpíada - o que quer dizer mais obras.

 

Em Xangai, dezenas de construções velhas à margem do Rio Huangpu estão vindo abaixo para abrir um terreno de 6 quilômetros quadrados, onde já se batem as estacas do megacomplexo que vai sediar a Feira Mundial em 2010 (leia na pág. 27). Segundo o governo, as atuais 5 linhas de metrô de Xangai vão virar 11 até 2010, o que equivale a construir 200 novas estações.

 

O debate sobre o meio ambiente é aberto e cada vez mais freqüente na China - ótimo sinal num país ainda com muito a avançar em termos de liberdade de expressão. Mas há uma descoordenação entre os níveis de governo. Fortalecidos após as reformas de Deng Xiaoping (1904-1997) - que a partir de 1978 tirou a China dos anos traumáticos da Revolução Cultural (1966-1976) de Mao Tsé-tung (1893-1976) e iniciou a abertura da economia -, os comandos locais nem sempre obedecem ao governo central.

 

Numa economia planejada, com planos e metas definidos anualmente pelo Partido Comunista Chinês e ratificados pela Assembléia do Povo, há um alinhamento geral de objetivos, mas o governo aponta falhas na execução. 'Alguns distritos e condados, para cumprir suas metas de desenvolvimento, não cumprem diretrizes centrais ligadas à qualidade e eficiência de projetos', disse ao Estado um graduado funcionário do governo central. 'Pelo interior, tem muita usina a carvão que precisa ser urgentemente modernizada ou fechar, tamanha a poluição.' E completa: 'A questão ambiental está parando no discurso do governo central.'

 

No dia 15 de maio, um grupo de moradores se mobilizou para interromper a demolição de uma vila hutong (pequenas residências formando corredores) da Dinastia Ming (1271-1368), obra autorizada pelo distrito local para dar lugar a um conjunto comercial. A área, em Pequim, é declarada de preservação pelo governo da província. O caso foi motivo de irados editoriais nos jornais.

 

Mesmo o governo querendo - e discursando -, a China não tem conseguido mostrar que é capaz de desacelerar seu crescimento, alavanca do risco ambiental que hoje assola o país asiático. Em 2006, não cumpriu as metas de redução de consumo de energia, baseadas num índice, associado ao PIB, de 4% - ficou em apenas 1,2%. E na redução da emissão de gases nocivos, ficou longe da meta estabelecida, 2%. Em março deste ano, quando esses números vieram a público, o primeiro-ministro Wen Jiabao apontou o 'descaso das autoridades locais' como a principal causa.

 

No consumo de carvão, outra frustração. Divulgadas pela primeira vez também em março, as estatísticas do setor mostram que a China consumiu 2,5 bilhões de toneladas de carvão em 2006, 9,3% acima do consumo de 2005. A meta de redução, de 4%, ficou longe.

 

Na Província de Shaanxi, demolições de dezenas de casas e fábricas antigas estão abrindo espaço a um campus de 60 quilômetros quadrados para abrigar a Cidade da Aviação, um cluster para atrair empresas e joint ventures do setor de engenharia de aeronaves e que tem como meta suprir até 30% da crescente demanda por aviões para uso doméstico nos próximos dez anos. Seria uma excelente oportunidade para tocar no assunto sustentabilidade - mas a apresentação do projeto não aborda o tema.

 

Um dos principais motores desse 'mau' desempenho - no aspecto ambiental - , a construção civil segue crescendo a dois dígitos. Na semana passada o governo divulgou que, de janeiro a abril, o investimento no setor cresceu 27,4% em relação ao mesmo período do ano passado. As vendas de imóveis ao comprador final subiram 15,5%. Os números saíram na semana em que o esqueleto do Xangai World Financial Center atingiu 400 metros e o 91º andar. Quando pronto, em setembro, o prédio terá 101 andares e será o mais alto da China.

 

Há iniciativas que saem do discurso e viram realidade. O Estado visitou uma bem-sucedida vila rural que produz alimentos orgânicos, livres de agrotóxicos. Localizada no condado de Xyaniang, Província de Shaanxi, antes uma área militar e considerada o berço da agricultura chinesa moderna, a vila de 2.063 habitantes produz milho, tomate e outras hortaliças irrigadas. O setor de alimentos orgânicos chinês planeja crescer 30% este ano, segundo dados do governo.

 

Na semana passada, a empresa China Power International anunciou um investimento de US$ 4 bilhões, até 2010, em projetos de energia renovável, o que inclui usinas eólicas e solares. A China é o segundo consumidor mundial de energia, atrás apenas dos Estados Unidos. A prefeitura de Pequim anunciou planos de incentivo fiscal para estimular empresas a instalar-se em distritos satélites, como forma de conter a deterioração do trânsito na capital. E acordos de cooperação nas áreas de energia limpa e de redução de emissão de gases estiveram na pauta da visita da vice-premiê Wu Yi aos EUA, dia 23 de maio.

 

O ministro Cai bate na tecla de que o problema da poluição não é de hoje, nem é só da China: 'O impacto ambiental vem de dois séculos de industrialização. Os países desenvolvidos têm de assumir sua responsabilidade, usar sua tecnologia para ajudar os países em desenvolvimento.' Cai ecoa a discussão que ocorreu em abril no Conselho de Segurança da ONU - uma espécie de batata-quente acerca da responsabilidade pelo aquecimento global - e na semana passada foi tema de contundente editorial no mais importante jornal chinês, o Diário do Povo, reproduzido em inglês no site do periódico.

 

O que impressiona o mundo é o impacto gerado pelo movimento de uma sociedade daquele tamanho - 1,4 bilhão de habitantes, ou cerca de 20% da população mundial - em sua busca por infra-estrutura para poder crescer e sustentar-se. Mas como compatibilizar o processo de crescimento com seus efeitos colaterais num país em que, numa vila a 30 minutos da futurista Xangai, ainda se lava louça e roupa na água dos rios?

 

O professor Jiang Lin, atualmente trabalhando na Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), comenta, em artigo recente, que em estágios primários de desenvolvimento o aumento do uso de energia tende a ser mais rápido do que o crescimento econômico. Isso colocaria em xeque as metas públicas do 11º Plano Qüinqüenal chinês: reduzir em 20% o consumo de energia, em proporção ao crescimento do PIB, até 2010.

 

'A prioridade sem dúvida é o desenvolvimento', afirmou Cai ao Estado. 'Não há como combater a pobreza sem crescimento. A meta é dobrar o PIB per capita até 2020', disse, referindo-se ao plano revisto anualmente pela Assembléia do Povo, à luz das diretrizes do Partido Comunista. Para tanto, nas estimativas do ministro, o PIB teria de ir dos atuais US$ 2,6 trilhões para US$ 6 trilhões em 2020.

 

No ano passado, a China reconheceu não ter conseguido conter o ímpeto do crescimento. Ela fechou o ano com crescimento de 10,7%, um ponto porcentual acima da média de 9,7% que o governo chinês vem divulgando como meta oficial. Segundo o ministro Cai, não há como o país alcançar suas metas de infra-estrutura sem crescer, no mínimo 7%, todo ano, até 2020.

 

Uma questão para o mundo acompanhar, e um nó para a China desatar com paciência e dedicação confucianas. Enquanto isso, o sol segue peneirado pela mái em Tang Paradise.

 

TRAGÉDIA AMBIENTAL

 

>20 das 30 cidades mais poluídas do mundo estão na China

 

>70% dos lagos chineses e 5 dos 7 maiores sistemas fluviais do país são poluídos

 

>US$ 300 bilhões, equivalente a 12% do PIB, é o prejuízo anual causado pela poluição

 

>30% do território da China sofre com chuvas ácidas causadas pelo rápido crescimento econômico

 

>700 milhões de chineses, metade da população, consomem água que não corresponde aos padrões mínimos da Organização Mundial da Saúde

(Por Ricardo Gandour, Estadão, 03/06/2007)

 

 


desmatamento da amazônia (2116) emissões de gases-estufa (1872) emissões de co2 (1815) impactos mudança climática (1528) chuvas e inundações (1498) biocombustíveis (1416) direitos indígenas (1373) amazônia (1365) terras indígenas (1245) código florestal (1033) transgênicos (911) petrobras (908) desmatamento (906) cop/unfccc (891) etanol (891) hidrelétrica de belo monte (884) sustentabilidade (863) plano climático (836) mst (801) indústria do cigarro (752) extinção de espécies (740) hidrelétricas do rio madeira (727) celulose e papel (725) seca e estiagem (724) vazamento de petróleo (684) raposa serra do sol (683) gestão dos recursos hídricos (678) aracruz/vcp/fibria (678) silvicultura (675) impactos de hidrelétricas (673) gestão de resíduos (673) contaminação com agrotóxicos (627) educação e sustentabilidade (594) abastecimento de água (593) geração de energia (567) cvrd (563) tratamento de esgoto (561) passivos da mineração (555) política ambiental brasil (552) assentamentos reforma agrária (552) trabalho escravo (549) mata atlântica (537) biodiesel (527) conservação da biodiversidade (525) dengue (513) reservas brasileiras de petróleo (512) regularização fundiária (511) rio dos sinos (487) PAC (487) política ambiental dos eua (475) influenza gripe (472) incêndios florestais (471) plano diretor de porto alegre (466) conflito fundiário (452) cana-de-açúcar (451) agricultura familiar (447) transposição do são francisco (445) mercado de carbono (441) amianto (440) projeto orla do guaíba (436) sustentabilidade e capitalismo (429) eucalipto no pampa (427) emissões veiculares (422) zoneamento silvicultura (419) crueldade com animais (415) protocolo de kyoto (412) saúde pública (410) fontes alternativas (406) terremotos (406) agrotóxicos (398) demarcação de terras (394) segurança alimentar (388) exploração de petróleo (388) pesca industrial (388) danos ambientais (381) adaptação à mudança climática (379) passivos dos biocombustíveis (378) sacolas e embalagens plásticas (368) passivos de hidrelétricas (359) eucalipto (359)
- AmbienteJá desde 2001 -