A pressão sobre os recursos e a biodiversidade da mexicana Reserva da Biosfera de Sierra Gorda diminuiu pela emigração para os Estados Unidos da metade de seus habitantes, cerca de 50 mil pessoas. Assim reconhecem as autoridades do lugar, que inclui 384 mil hectares no Estado de Querétaro, região centro-oeste do país. Aqui convivem ecossistemas desérticos, semitropicais e de montanhas baixas, hábitat de espécies únicas e ainda não estudadas.
Com a emigração diminuíram a atividade agrícola, o pastoreio e o corte de árvores. Também mudou parte da paisagem por causa das remessas de dinheiro enviadas pelos imigrantes às suas famílias e que constituem a principal renda dos habitantes: novas e chamativas casas feitas de concreto e uma crescente presença de picapes de alta cilindragem e placas norte-americanas que, segundo os moradores, são o objeto mais apreciado por muitos jovens do lugar. O último dado sobre densidade demográfica, de 24 habitantes por quilômetro quadrado, se refere a 2000 e não contempla a maior saída de jovens.
Os que ficaram usam muito pouca lenha e sua principal fonte energética é o gás engarrafado. Por outro lado, há vários lixões saturados em diferentes municípios. As autoridades garantem que no final do ano estarão funcionando vários aterros sanitários e que são coletados para reciclagem mais de 70% de plásticos e papelão. “Os que ficaram
“Isto de ir para os Estados Unidos me pesa na alma pela perda de identidade, mas reconheço totalmente que permitiu restaurar a Reserva”, acrescenta. A emigração, sobretudo de jovens com menos de 26 anos, é um fenômeno antigo
Os moradores da Reserva ganham, em média, cerca de US$ 240 por mês, enquanto os que emigram vão em busca de salários entre US$ 1 mil e US$ 1,5 mil, como diaristas na agricultura, e de US$ 2 mil ou mais, como pedreiros. “Partem porque aqui não tem trabalho. Tenho dois irmãos lá há 11 anos. Nem lembro bem deles. Embora de vez em quando mandem dinheiro”, conta Dulce Banderas, estudante de 14 anos. Aqui se pratica a agricultura de subsistência e um pouco para comércio. Todos os amigos da garota têm algum familiar ou conhecido nos Estados Unidos.
Ela vive em Tilaco, uma das 600 aldeias de Sierra Gorda, 54% delas com menos de cem habitantes. Seu colega de escola, Omar Márquez, acha que para “todos os que partem é apenas trabalho. Isso não me agrada. Lá, ninguém conhece ninguém. Alguns dos que vão voltam de férias e chegam aqui com dinheiro, que gastam todo com cerveja”, prossegue durante uma pausa em um curso de educação ambiental, oferecido por dois professores w financiado pela Reserva.
Cerca de 16 mil alunos secundários de Sierra Gorda fazem estes cursos bimestrais, aprendendo a cuidar e valorizar a região. Isso não impede que a maioria vá para os Estados Unidos ao completar 18 ou 19 anos, sem visto de entrada e após pagar entre US$ 2 mil e US$ 3 mil aos “polleros”, que realizam esse tráfico ilegal. “Fazemos nosso máximo esforço para transmitir-lhes o valor deste lugar, mas a influência norte-americana é muito forte e os rapazes desde garotos já têm a idéia de ganhar seus dólares e poder comprar a melhor caminhonete”, afirma Salvador Ortiz, professor que coordena os cursos ambientais ou Eco-Clubes.
Todo o fenômeno da emigração é paradoxal
Com apoio do governo, de fundações privadas e do Fundo para o Meio Ambiente Mundial, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), nos últimos quatro anos as autoridades pagaram por serviços ambientais a proprietários de 21,5 mil hectares da Reserva, o que representa apenas 5,6% de sua superfície total. Aqui não há grandes latifundiários. Os que recebem pagamento por esses serviços – entre US$ 18 e US$ 27 ao ano por hectare conservado – são cerca de 215 proprietários de áreas com aproximadamente cem hectares. Apenas uma ou duas propriedades comunitárias têm acesso a esse mecanismo.
Embora esta seja área protegida por leis federais e estatais, 97% de território está em mãos de proprietários individuais ou comunitários. Com eles são acertados e desenvolvidos todos os programas de conservação e restauração. Apesar de algumas pragas que vêm atacando suas florestas nos últimos anos, Sierra Gorda é a reserva de maior diversidade natural do país. Seis espécies de felinos percorrem suas terras, entre eles pumas ou onças-pardas (Felis concolor ou Puma concolor) e jaguares ou onças-pintadas (Panthera onca). Segundo cientistas, esta presença é sinal de boa conservação, pois esses animais requerem grandes extensões para viver e caçar.
A diversidade é tamanha que em um espaço relativamente pequeno é possível encontrar ursos-pretos-americanos (Ursus americanus), macacos-aranha (Ateles hybridus) e araras verdes (Ara militaris), bem como 2.308 espécies diferentes de plantas. Aqui se conjugam ecossistemas próprios de altitudes que vão de
Não há conflitos sociais de importância nem fenômenos como narcotráfico ou plantios ilegais. Enquanto uns partem, outros chegam: as multinacionais Shell, Wal-Mart e Hewlett-Packard e a mexicana Bimbo dão diferentes apoios à Reserva. E logo virão outras, garante Ruiz.
(Por Diego Cevallos, IPS, 04/06/2007)