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extração de areia rio jacuí lago guaíba
2007-06-04

A Polícia Federal (PF) está diante de um desafio: investigar quem sumiu com pelo menos 33 praias do Rio Jacuí, desapareceu com 10 pontais e derrubou mais de 42 mil árvores que vicejavam sobre algumas das suas enseadas.

Não se trata apenas de paisagem destruída. Os estragos prejudicam a navegabilidade, o abastecimento de água e de eletricidade e também comprometem o futuro da construção civil na parte mais povoada do Rio Grande do Sul, a Região Metropolitana.

O delegado Álvaro Palharini, que iniciou uma investigação da PF alicerçada em mais de 3 mil páginas de depoimentos e provas, já firmou uma convicção: a destruição no Jacuí é provocada pela dragagem clandestina de areia. Os inquéritos policiais se valem de fotos, laudos técnicos e testemunhos para evidenciar a ação predatória de algumas dragas. Feito carrapatos grudados nas barrancas do rio, as máquinas arrancam nacos de areia. Atuam inclusive à noite. Sugar minério nas praias e agir em horário noturno são atividades proibidas pelo Código Ambiental.

A PF começou a seguir os passos dos piratas de areia em 2005, com a Operação Dragão. A investigação prosseguiu e foram presas 17 pessoas até agora. Hoje elas respondem ao processo em liberdade. Só nos últimos três anos, cinco dragas foram apreendidas pelos policiais e também pela Marinha, por extração ilegal de areia, um crime ambiental.

A PF também investiga possível crime de sonegação fiscal. O número de toneladas de areia extraída seria bem maior do que o oficialmente declarado para efeito de pagamento de tributos, como a Compensação Financeira pela Extração Mineral (Cefem). Os empresários do setor admitem o problema.

- É de nosso interesse que os devastadores do ambiente sejam punidos - afirma o empresário Sandro Alex de Almeida, vice-presidente do setor de areia da Associação Gaúcha dos Produtores de Brita, Areia e Saibro.

Lembram que a extração de areia é a principal atividade econômica ao longo do Jacuí. É também o ganha-pão da maioria dos dragueiros e barqueiros que atuam no Caí e no Sinos, outros rios da Região Metropolitana duramente atingidos pela dragagem clandestina. A dragagem dos rios, feita com cuidados ambientais, é vital para a construção civil, já que a areia salgada não pode ser usada na estrutura dos prédios.

Mesmo com os cuidados apontados pelos empresários, os estragos continuam. O caso do Jacuí, além do inquérito criminal, resultou também numa ação civil pública, que já reúne sete volumes. Um dos pontos críticos levantados pelo processo é a Ilha da Paciência, em São Jerônimo, na qual se localizam três torres de alta-tensão da Eletrosul. A areia que as sustenta está sumindo, e elas ameaçam desabar. Parte da escora de concreto feita para conter o desmoronamento da barranca das torres já caiu no rio.

O processo que tramita na 5ª Vara Federal de Porto Alegre inclui um levantamento da Divisão de Assessoramento Técnico (DAT) do Ministério Público Estadual que é um eloqüente testemunho da destruição. O geólogo André Weissheimer de Borba, da DAT, constatou que quase dois hectares do lado oeste da Ilha das Flores (em frente à cidade de São Jerônimo) simplesmente desapareceram.

Com base em imagens do satélite e projeções sobre a área solapada, o especialista calculou que o prejuízo com a perda de solo e árvores gira em torno de R$ 430 mil. O estudo aponta a extração clandestina de areia como vilã desse processo. Em conseqüência, o juiz federal Cândido Silva Leal Junior, da 5ª Vara Federal de Porto Alegre, proibiu por liminar a mineração na Ilha das Flores e nas proximidades da Ilha da Paciência, onde estão as três torres de alta tensão. Parte da escora de concreto feita para conter o desmoronamento da barranca das torres já caiu no rio. O Ministério Público estuda pedido de indenização contra as areeiras que agem ilegalmente.
 
O que é investigado
- A Polícia Federal investiga a responsabilidade dos donos das jazidas com a devastação de suas áreas. No inquérito policial há fotos, mapas e pareceres técnicos que mostram dragueiros trabalhando em áreas proibidas, como margens e pontais.

- Os federais investigam duas modalidades de sonegação fiscal. A primeira envolve o preço. Por meio de um grampo telefônico, autorizado pela Justiça Federal, um proprietário de jazida é flagrado ensinando um funcionário como sonegar impostos:
- Tira a nota como se fosse areia mista (metro cúbico custava R$ 3).

Documentos mostraram que se tratava de areia de primeira qualidade, cujo preço é de R$ 13 o metro cúbico.

- A segunda sonegação ocorre no volume de areia. Há indícios de que só 50% das cargas são declarados.

Passeio por uma trilha de devastação
Zero Hora percorreu durante quatro dias e noites de maio mais de cem quilômetros do Jacuí. Constatou que os saqueadores de areia atuam indiferentes à presença policial e aos processos na Justiça.

Na expedição pelo Jacuí, a reportagem deparou com a destruição da natureza como regra. Entre Porto Alegre e Rio Pardo, o sumiço de areia acabou com balneários que fizeram a alegria de gerações de veranistas. Lugares que no passado eram marcados por suaves declives e água pelo tornozelo viraram crateras, armadilhas que favorecem o afogamento de banhistas.

Enseadas foram amputadas até se transformarem em barrancos expostos, repletos de árvores tombadas. Inclusive no Parque Estadual do Delta do Jacuí, área governamental protegida por lei que deveria ser intocável, mas não é.

É o que acontece na Ponta Rasa, em Triunfo, dentro do parque. Na Ilha das Flores, em São Jerônimo, um farol da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) que estava numa ilha de areia afundou. Tiveram de colocar uma bóia no lugar, pois a ilha desapareceu. Na ação civil pública que investiga o caso, os suspeitos se defendem com o argumento de que a destruição foi provocada por enchentes e correntes ribeirinhas.

As ondas dos rios, atiçadas por ventos, também podem favorecer desbarrancamentos, mas não explicam que a profundidade junto às ilhas tenha passado de três metros para 15 metros, em poucos anos, conforme ZH verificou por meio de um ecobatímetro, instrumento que mede a distância entre o casco do barco e o fundo rio. Nenhum fenômeno natural provoca isso, atesta o agrônomo Marcus Vinícius de Castilho Marques. Já a dragagem, ressalta o especialista, costuma gerar tais buracos.

Outros fatos estranhos acontecem no Jacuí. É proibido dragar à noite, mas ZH testemunhou barcas subirem o rio vazias à tardinha e voltarem para a Região Metropolitana na madrugada, carregadas de areia ainda molhada. Dragas passavam com galhos de árvores arrancadas durante sua faina presos aos canos de sucção, embora seja proibido dragar junto às praias.

A reportagem documentou ainda o trânsito de chatas sobrecarregadas, açoitadas por ondas que ultrapassam o bordo, o que é vetado pelas leis de navegação. É o caso da chata Odalisca, flagrada por ZH na tarde do dia 23 de maio navegando com as amuradas quase submersas. Conforme a Capitania dos Portos, este barco está proibido de navegar desde junho de 2006. O proprietário da Odalisca, Sérgio Moacir Labres, admite que carregou areia, sua única fonte de renda.

- Se eu ainda tivesse 10 barcos, mas só tenho esse...Não sei o que fazer - reclama.

Sonho de Seles foi corroído
Durante cinco anos, o ferreiro Seles Cardoso Gomes, 54 anos, economizou dinheiro para conseguir realizar o sonho de uma vida inteira: comprar 21 hectares na Ilha das Flores, um belo lugar no meio do Rio Jacuí, em São Jerônimo. No meio das árvores nativas centenárias, ele fez uma pequena roça e construiu um casebre onde amigos e familiares poderiam se divertir nos fins semana.

O sonhou acabou num belo fim de tarde de uma sexta-feira, no verão de 2000. Gomes caminhava pela ilha quando viu uma draga retirando areia próxima às margens. Gritou para os tripulantes do barco que ali era proibido dragar. Eles não responderam. Então, ele entrou em um barco e remou até a draga onde ouviu uma sugestão do comandante da embarcação:

- Vai te queixar para a polícia.

Ele foi fazer o que os extratores ilegais lhe sugeriram. Documentou o crime com foto e procurou o Batalhão Ambiental da Brigada Militar (BM), bateu à porta da Polícia Civil e finalmente entregou um dossiê de estragos causados pela dragagem na ilha na Polícia Federal (PF).

Os agentes federais estão apurando o caso. Gomes é uma voz quase isolada a reclamar que a dragagem provocou o desmoronamento de 50 metros de margens onde antes existiam árvores nativas.

Pontal da infância virou cratera
Para o universitário Lucas Teló Walter, 24 anos, só ficou a lembrança do pontal que existia na propriedade da família, a Fazenda Santa Tereza, área de 4 mil hectares à beira do Rio Jacuí, em Butiá. A praia sumiu porque as areias foram dragadas, quase sempre à noite. Também desapareceram do local uma estrada, uma casa de bomba e outras benfeitorias.

- No verão, a praia enchia de gente. Agora só existe uma cratera enorme no lugar - comenta Lucas.

Pelas contas dos proprietários, a dragagem foi responsável pelo sumiço de 50 hectares da fazenda - na região, o preço do hectare é de R$ 5 mil. E também pela criação de um processo de erosão das margens que avança diariamente. Lucas vai tentar ressarcimento pelos danos causados pelas dragas.

Zero Hora percorreu as margens da propriedade com o Rio Jacuí. O local parece que foi bombardeado. Os barracos estão caindo, árvores tombam e locais onde antes era possível caminhar até o meio do rio a pé hoje se transformaram em abismos. A pé, à beira de um barraco onde antes existia a praia, Lucas aponta o dedo para Sul e depois para no Norte e diz o seguinte:

- Nós não somos os únicos prejudicados pelos dragueiros. Podem sair aleatoriamente perguntando em qualquer dessas direções para encontrar outros prejudicados. É uma situação absurda.

A agonia do Jacuí
As irregularidades
- É proibido dragar à noite. Mas as dragas driblam a fiscalização e inclusive navegam à noite.
- Portarias da Fepam proíbem dragar a menos de 20 metros das margens. No caso do Jacuí, a Fepam proibiu a dragagem em alguns trechos a menos de 50 metros das margens.
- É vetado também dragar no canal principal do rio. A PF apreendeu uma barca em janeiro de 2006 sob suspeita de dragar a menos 20 metros da margem, em Triunfo.
- Normas da Capitania dos Portos impedem que chatas trafeguem com água próxima ao bordo. Mas algumas navegam com água acima da borda, como foi flagrado por ZH.

As marcas da destruição
- Desbarrancamento e tombamento de árvores
- Desaparecimento da mata ciliar
- Redução da fauna de peixes e conseqüente prejuízo para os pescadores
- Risco de desabastecimento de água por assoreamento dos rios
- Alargamento da calha do rio, o que pode levar a enchentes
- Diminuição da área para plantio de alimentos, como o arroz
- O furto de areia acaba com as praias e com o potencial turístico e cria buracos de dezenas de metros de profundidade, que favorecem afogamentos de banhistas
- Solapamento: quando a areia é retirada debaixo da água, junto ao barranco, o nível do rio sofre uma lacuna. Sem poder de sustentação, o barranco vem abaixo.
(Por Carlos Wagner e Humberto Trezzi, Zero Hora, 03/06/2007)


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