Segundo o coordenador-geral do projeto, Rômulo Macedo Vieira, caberá aos planos estaduais de recursos hídricos decidir o destino final da água que chegar às regiões beneficiadas pela transposição
SÃO PAULO – O controverso debate em torno da transposição das águas do rio São Francisco – ou Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF), nos termos do governo federal – corre há vários anos na sociedade brasileira. Na semana prevista para o Exército iniciar as obras do projeto, com o início dos trabalhos de construção dos canais de aproximação dos eixos Leste e Norte – e os movimentos sociais contrários à transposição prometendo resistir –, Carta Maior publica entrevista exclusiva com o coordenador-geral do projeto, Rômulo Macedo Vieira, do ministério da Integração Nacional.
Ao explicar as propostas centrais do projeto, Vieira registra que o governo federal pretende “proporcionar à região [beneficiada] o recurso natural mais indispensável para a sustentabilidade da vida, que é a água”, acrescentando a expectativa de que “a região possa se desenvolver e ter uma melhor qualidade de vida”.
Na entrevista, ao afirmar que, após as águas do São Francisco chegarem às barragens das regiões receptoras, “os quatro Estados da região vão usar essa água em conformidade com seus planos de recursos hídricos”, o coordenador do projeto demonstra que, em última análise, o governo federal não terá como garantir que a água – ou ao menos boa parte dela – será utilizada para os objetivos centrais desenhados para o Semi-Árido pelo governo Lula.
Leia abaixo os principais trechos...Carta Maior – O que o governo Lula espera gerar de melhor para o Semi-Árido com o projeto?
Rômulo Macedo Vieira – A região beneficiada pelo projeto, o Semi-Árido do Nordeste Setentrional, é hoje a região do Brasil com maior déficit hídrico. A oferta hídrica da região é insuficiente para as demandas. Em algumas regiões já não atende mais, e outras estão em vias de entrar em colapso de atendimento em termos de abastecimento de água. Então, é uma região que se caracteriza pela escassez de recursos hídricos. E por ter a falta de garantia de oferta de recursos hídricos para o atendimento das demandas mais prioritárias. O governo espera, ao fazer essa obra, proporcionar à região o recurso natural mais indispensável para a sustentabilidade da vida, que é a água. E, espera que a região possa se desenvolver e ter uma melhor qualidade de vida. E como todo processo estruturante, sempre é indutor de um processo de desenvolvimento.
CM – De acordo com o veículo de mídia que aborda o tema, em alguns momentos a transposição é destacada como um projeto que vai se destinar a acabar com a sede de milhões de pessoas no Semi-Árido. Em outros, se fala que ela poderá incentivar projetos importantes de irrigação, de agricultura, projetos para exportação e até industriais. Como o senhor resumiria essa questão do uso para abastecimento humano, para acabar com a sede, e esse uso como insumo econômico?
Vieira – É para tudo isso que você falou. Recebemos uma autorização da ANA [Agência Nacional das Águas] para tirar 26 m3/s do rio São Francisco permanentemente, para garantir abastecimento de água a 12 milhões de pessoas que vivem na região. Ao fazer isso, estamos cumprindo a lei, pois a água tem que ser prioritariamente para consumo humano. Agora, quando o São Francisco estiver com excedente de água, ou seja, quando a água estiver vertendo na barragem de Sobradinho – uma água que vai estar se perdendo para o mar sem sequer gerar energia –, poderemos retirar esse excedente, uma parte dele, e levar para os reservatórios que existem na região, como o Castanhão (CE), Armando Ribeiro Gonçalves (RN) e Boqueirão (PB), para melhorar a gestão dos recursos hídricos nessa região; para aumentar a oferta e melhorar o aproveitamento da água que existe na região. Com esse excedente que chegará nas barragens, os quatro Estados da região usarão essa água em conformidade com seus planos estaduais de recursos hídricos: se é pra irrigação vai pra irrigação, se vai pra indústria é pra indústria, de acordo com seus usuários locais.
CM – Há parcelas da população da região e movimentos que questionam o projeto, defendendo a necessidade de políticas publicas regidas pela lógica de ‘convivência com o Semi-Árido’, bastante distinta à existente na transposição. O senhor concorda com essa avaliação, de que existem duas concepções de projetos para a região?
Vieira – De maneira nenhuma, de maneira nenhuma. A convivência com o Semi-Árido é ofertar água... A seca é sempre entendida como um diferencial negativo, mas no fundo ela é um diferencial positivo. Por quê? Porque produzir em regiões secas é muito mais interessante do ponto de vista econômico do que em regiões úmidas. Quando se proporciona água para uma região seca, isso se torna um diferencial muito positivo. E é uma forma de conviver com a região, com a região, com o Semi-Árido, com a semi-aridez. Nenhuma região semi-árida do planeta passou de uma condição de atraso para o desenvolvimento sem pensar no uso da água. Pelo contrário, todas as regiões semi-áridas do planeta que hoje são desenvolvidas, elas passaram a se desenvolver a partir de projetos de transposição, a partir de projetos estruturantes na área de ofertas de recursos hídricos. O Brasil até financia projetos de transposição em outras regiões e países, para que possam conviver melhor com sua aridez. Então, por que não pode financiar aqui para a gente mesmo? Acho que essa questão de dizer ‘ah, é pros grandes produtores’, essas coisas todas... Isso não é mal, porque gera emprego, gera riqueza. E isso é importante na região, essa geração de emprego e riqueza na região semi-árida. A água não está direcionada para ninguém, a água vai ser direcionada para os reservatórios, e a partir daí a gestão da água vai ser feita de conformidade com as suas companhias estaduais de gestão de recursos hídricos.
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Agência Carta Maior, 30/05/2007)