Justiça social, defesa da vida, da família e do casamento indissolúvel, opção preferencial pelos pobres, acompanhamento dos migrantes e solidariedade com os indígenas e com os afro-americanos serão algumas das prioridades da Igreja nos próximos anos, de acordo com o documento final, a ser votado nesta quarta-feira, 30, pela 5.ª Conferência-Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe (Celam), que se encerra na quinta-feira (31/05) em Aparecida.
Discutido nos últimos 18 dias pelos 267 participantes da reunião - cardeais, bispos, convidados , observadores e peritos - o texto tinha, até esta terça-feira, 106 páginas e 657 artigos, que até a última hora, receberam emendas no plenário. A versão oficial, ampliada de oito para 11 capítulos, será entregue ao papa Bento XVI e só será divulgada após sua aprovação. Os bispos divulgarão, no entanto, uma mensagem com o resumo das conclusões.
Algumas questões, como as Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) e a Amazônia, só entraram no documento depois de muito vai-e-volta. Os participantes mais conservadores queriam que se falasse de pequenas comunidades, em vez de comunidades eclesiais de base, como fez o papa em seus discursos em São Paulo e Aparecida. Seria uma maneira de reforçar os movimentos apostólicos, valorizados por João Paulo II, que também mereceram destaque. Para o arcebispo de Cartagena, Colômbia, d. Jorge Jiménez, presidente da comissão da mensagem final, que comentou na terça-feira a questão, pequenas comunidades e Cebs são coisas equivalentes, dependendo do país.
A inclusão da Amazônia no capítulo que trata de biodiversidade e ecologia foi uma vitória dos bispos brasileiros diante da resistência de representantes dos episcopados de outros países, entre os quais a Colômbia - cujo território se estende à região amazônica - que não viam motivos para tratar da questão. No capítulo 8 da versão enviada ao plenário, que enumera as prioridades, a Amazônia entra no item “cuidado do meio ambiente”.
O cardeal d. Cláudio Hummes, prefeito da Congregação para o Clero e membro da comissão de redação responsável pela forma definitiva do documento, disse, na semana passada, que o texto deverá ser aprovado por Bento XVI sem grandes alterações. A versão final chegará ao Vaticano com a chancela dos principais membros da Cúria Romana.
Além de d. Cláudio e do cardeal Giovanni Battista Ré, prefeito da Congregação para os Bispos e um dos três presidentes da Conferência de Aparecida, também o prefeito da Congregação para a Defesa da Fé, cardeal William Levada, acompanhou a elaboração do texto. Levada se ausentou por alguns dias para visitar uma irmã doente, que acabou morrendo, nos Estados Unidos, mas voltou no domingo para Aparecida.
Delegados, convidados e peritos vararam madrugadas para chegar à versão submetida ao plenário. Divididos em sete comissões e 16 subcomissões, eles perderam o controle do texto na reta final, segundo um teólogo que assessora bispos brasileiros, porque se decidiu, por votação, que a aceitação de emendas ficaria a critério da comissão de redação. Pelas regras anteriores, elas voltariam às comissões de discussão, em caso de rejeição, para apresentação de recurso.
Os debates seguiram linhas básicas, segundo o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), d. Geraldo Lyrio Rocha, um dos 22 delegados brasileiros. “A primeira orientação foi manter as conclusões das conferências de Medellín, Puebla e Santo Domingo; a segunda foi tomar como referência o discurso do papa na abertura da reunião de Aparecida, e a terceira foi seguir o roteiro da Síntese das contribuições recebidas dos episcopados latino-americano e caribenho”, disse d. Geraldo.
Contribuição femininaNem todas as sugestões foram aceitas. Ficou de fora, por exemplo, um apelo da CNBB para que os bispos refletissem sobre o ministério ordenado (ordenação sacerdotal) das mulheres, tema que está fora de discussão para o Vaticano. A contribuição feminina aparece no item “A dignidade e participação das mulheres”, ao lado de “A responsabilidade do homem e pai de família”.
Também não se discutiu a ordenação de homens casados, que reforçariam o clero para a administração da eucaristia. Cerca de 70 mil comunidades no País argumentam defensores dessa solução, não celebram missas nem podem comungar por falta de padres. A vocação sacerdotal, a paróquia e as comunidades, associações leigas e movimentos eclesiais constam do Capítulo 7, que trata ainda das Conferências Episcopais e da renovação missionária.
Todo o documento gira em torno do tema da Conferência de Aparecida - "Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida". Esse tema inspirou também a "Mensagem aos Povos da América Latina e do Caribe", que será divulgado na quinta-feira, 31. Seu texto, de quatro páginas e meia, ao qual o Estado teve acesso na terça-feira de manhã, convoca os católicos a se engajarem numa Grande Missão Continental, em busca de novos fiéis ou da reconquista daqueles que se afastaram da Igreja.
O último parágrafo, uma reafirmação de Medellín e Puebla, apresenta 15 prioridades que também constam do Documento de Aparecida. Algumas delas: “Manter com renovado esforço nossa opção preferencial e evangélica pelos pobres"; “Formar comunidades vivas que alimentem a fé e impulsionem a ação missionária”, “Valorizar, respeitar e aprender com os nossos povos indígenas e afro-americanos”; “Impulsionar a participação ativa da mulher na sociedade e na Igreja", e "Avançar no diálogo ecumênico e inter-religioso para que todos sejam um”. A mensagem também passou pelo crivo de cardeais da Cúria Romana.
(Por José Maria Mayrink,
Estadão Online, 30/05/2007)