O Ministério da Agricultura brasileiro já restringe algumas áreas cultiváveis no sul do país, as mais afetadas pelas alterações climáticas dos últimos anosSão Paulo, SP - O Brasil, uma das potências agrícolas mundiais, verá alterado seu mapa de cultivos mais característicos, como café e soja, pelo efeito do aquecimento global, indicam as últimas pesquisas. Inclusive os cenários mais otimistas dos estudos do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) prevêem que o termômetro continuará subindo e vai alterar o regime de chuvas em boa parte da América do Sul.
O pesquisador em agrometeorologia da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Moacir Antônio Berlato, afirma que vários estudos já demonstraram que o aquecimento afeta as práticas agrícolas em todo o sudeste sul-americano. “No Brasil ainda faltam experimentos de campo para conhecer melhor o problema”, lamenta. A Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) realizou simulações com dados do IPCC para estimar o impacto do aquecimento em cinco cultivos: soja, milho, café, arroz e feijão.
Os resultados de cenários com aumentos de temperatura entre 1,3 e 5,8 graus e proporções de 5%, 10% e 15% de aumento nas precipitações deixaram evidente a necessidade de um forte reordenamento geográfico da produção agrícola do país. Nas próximas décadas, os cultivos de grãos serão cada vez mais difíceis no sul brasileiro, enquanto plantações perenes como do café tenderão a preferir zonas com temperaturas máximas mais suaves, por isso o eixo dessa produção poderia mudar para regiões do sul, segundo o estudo da Embrapa.
O excessivo calor do verão condicionará o avanço de produções como as de arroz, feijão, milho e soja para a região centro-oeste. “O aquecimento já provoca no sul eventos extremos como verões mais intensos e chuvas mais fortes. Com menor intensidade, ocorre o mesmo no centro-oeste e sudeste”, disse em entrevista ao Terramérica o chefe de Informática Agropecuária da Embrapa, Eduardo Assad, responsável pelo modelo climático do estudo. Em função destas alterações, a Embrapa já trabalha na divulgação de ações para minimizar o aquecimento global, causado pelo acúmulo de gases causadores do efeito estufa liberados por diversas atividades humanas.
Assim, estão sendo fomentados a integração pecuária e agrícola, os sistemas agroflorestais, que combinam pastagens e florestas, e a melhoria da cultivo direto, uma forma de cultivo que não remove o solo, que, segundo Assad, pode capturar por hectare até 500 quilos anuais de carbono, o principal gás entre os que causam o efeito estufa. No Brasil, com uma superfície de 23 milhões de hectares de cultivo direto, isto poderia representar milhares de milhões de toneladas anuais de carbono retiradas da atmosfera.
“O agricultor deve se preocupar com o aquecimento e adotar práticas para reduzir as emissões de carbono em troca da remuneração destes serviços ambientais, como já ocorre no Estado norte-americano do Texas e também no Canadá, onde se paga aos produtores para que apliquem a semeadura direta”, afirma Assad. Outro enfoque da Embrapa são as medidas para adaptar a agricultura ao clima, melhorando geneticamente as variedades vegetais para torná-las capazes de resistir ao estresse hídrico e às altas temperaturas.
No final de junho, o Ministério da Agricultura divulgará o zoneamento agropecuário para a temporada 2007-2008 com restrições aos cultivos no Estado do Rio Grande do Sul. “Serão limitados os cultivos em 68 municípios na fronteira sul e leste, que têm solos de um teor argiloso entre 15% e 30%”, informa o funcionário responsável, Francisco Mitidieri. O Ministério não atribui estas restrições ao aquecimento global, mas leva em conta os registros climáticos históricos. Estes ajustes no extremo sul começaram em 2005, quando pela primeira vez limitou-se o plantio de soja em solos arenosos riograndenses, pois retêm menos água.
Além disso, o Ministério pretende oferecer novas opções de cultivos para os agricultores gaúchos, os mais afetados pela mudança climática. Pela primeira vez serão definidas na região áreas para plantio de girassol, rícino e frutas temperadas como ciruela, pêssego, nectarina e pera. As temperaturas mínimas diárias estão aumentando no sudeste da América do Sul, região que compreende a porção sul de Brasil, Uruguai, Paraguai e o nordeste da Argentina.
Registros climáticos entre 1960 e 2000 revelam um aumento significativo na proporção de noites quentes e uma tendência à redução das noites frias, sobretudo no verão, entre dezembro e fevereiro, e no outono, entre março e maio, com alterações mais notáveis no litoral. No Rio Grande do Sul já se constatou aumento de 1,4 grau na temperatura mínima anual. entre 1913 e 1998, descreveu Berlato em uma entrevista. Os dados indicam mais ondas de calor e noites quentes, e menos dias com severas geadas. As precipitações anuais aumentaram nos últimos anos a uma média anual de 6,2 milímetros para todo o Estado, acrescentou.
Diminuiu a quantidade de dias seguidos de chuva e aumentou a de jornadas com precipitações continuas em todas as estações, sobretudo no outono, o que desfavorece os grãos que nessa época do ano estão em fase de maturação e colheita. Por outro lado, isto “pode ser bom para a agropecuária”, diz Berlato. Além disso, a freqüência de chuvas intensas (mais de 20 milímetros) e muito intensas (mais de 50 milímetros) também está diminuindo. Há indícios firmes de alterações térmicas e pluviais no vizinho Estado de Santa Catarina.
A análise dos registros históricos, entre 40 e 70 anos, revela que não se trata de fenômenos temporários ou cíclicos de ordem natural, mas vinculados à exploração intensiva dos recursos naturais e dos combustíveis fósseis, além de alterações no uso do solo, segundo o Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia desse Estado.
Visite também:
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Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática, em inglês.
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Faculdade de Agronomia da Universidade Federal de Rio Grande do Sul, em português.
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Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina, em português.
(Por
Roberto Villar Belmonte*, IPS / Terramérica /
EcoAgência, 28/05/2007)
* Este artigo é parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável
produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e a IFEJ
(Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).