Pássaros silvestres que mudam de raça entre a origem e o destino; animais que somem ou aparecem do nada nas quantidades registradas em termos de recebimento; guias de transporte de espécies raras preenchidos com informaçőes incompletas; mortandade maciça de pássaros sob guarda do Ibama. Estes săo alguns dos indícios que podem levar a Polícia Federal a uma investigaçăo contundente sobre as atividades do órgăo na Bahia. Domingo à tarde (27/05), a ambientalista Telma Lobăo entregou cópias de mais de 80 documentos que podem, segundo ela, encobertar “lavagem” e tráfico de animais silvestres.
Um dos documentos aponta que o chefe do Ibama em Juazeiro, Juraci Meira de Lima, enviou 39 filhotes de periquitos para o Cetas de Salvador no dia 13 de fevereiro de 2007. A coordenadora do Cetas, Maria da Conceiçăo Pires, deu visto assinalando que recebeu năo 39, mas 40 periquitos. “Já devia ter um outro passarinho que precisava registrar e juntou aos que chegaram”, sugere a ambientalista Telma Lobăo.
Outro papel, datado de 4 de agosto de 2004, revela o saldo de uma operaçăo realizada pela Polícia Federal em Riachăo do Jacuípe. A PF entregou ao Ibama 644 pássaros. Em apenas um dia, morreram 433 (189 cardeais, 187 pássaros-pretos e 268 sofręs). “Nem deixando com fome e sede morreriam tantos assim de uma vez”, questiona a ambientalista, que acredita em comercializaçăo de animais silvestres por parte de funcionários do órgăo.
Em muitos documentos, faltam dados. Alguns termos de entrega de animais, por exemplo, estăo sem o nome de quem fez a apreensăo. Outros, referentes a serviços prestados ao Ibama pela Transportadora Săo Luiz (linha Sobradinho – Salvador), năo trazem o número da autorizaçăo de transporte ou a data do carregamento de animais. Certos registros apontam ainda que algumas aves fugiram. “As falhas săo gritantes, há modificaçăo de espécies e número de animais nos documentos, os desvios săo claros. O Cetas, na verdade, é um centro de “lavagem” de animais silvestres. As provas estăo aqui e nós queremos providęncias”, coloca Telma Lobăo, que entregou as cópias ŕ Polícia Federal.
Apreensăo - Há também documentos que năo săo internos do Ibama. Um deles, com data de 20 de março de 2006, é um ofício da Polícia Militar assinado pelo comandante da 6Ş CIPM, Robson Correia Pacheco, sobre uma apreensăo no município de Rio Real, a 203km de capital. O papel diz que a PM entregou 97 pássaros ao Centro de Triagem de Animais Silvestres de Salvador (Cetas), que recebeu o documento e alterou as informaçőes, ŕ caneta, abaixo da assinatura do comandante. Os 97 pássaros viraram 79 (71 aves, uma pomba doméstica e sete pombas do Pará).
Todos os registros foram conseguidos junto ŕ 1Ş Promotoria do Meio Ambiente, que solicitou ao Ibama a documentaçăo referente aos últimos dez anos de atividades de apreensăo, recebimento e soltura de animais silvestres no estado. O órgăo, segundo o promotor Luciano Santana, demonstrou “desorganizaçăo” e “omissăo” e demorou seis meses para conseguir enviar as informaçőes referentes apenas aos últimos tręs anos.
“Nem o próprio Ibama tem controle sobre tudo o que acontece lá dentro. Estamos encaminhando o material para análise pelos técnicos e vamos acionar também o Ministério Público Federal e o Juizado Especial Criminal, no intuito de detalhar as possíveis irregularidades e descobrir os autores”, informa o promotor Luciano Santana.
Superintendente defende equipeO superintendente regional do Ibama, Célio Costa Pinto, questionou a postura da Promotoria do Meio Ambiente. “Somos a primeira instância de apuraçăo, năo entendi porque o Ministério Público năo veio primeiro ao Ibama, em vez de entregar cópias de documentos internos nossos a ambientalista”, disse.
Sobre as denúncias, Costa Pinto mostrou-se bastante tranqüilo, inclusive, adiantando algumas explicaçőes. “A troca de nomes de espécies é corriqueira, porque muitas vezes a captura é feita por um agente de fiscalizaçăo que năo conhece a fundo a nomenclatura dos animais; o alto índice de mortalidade também é bastante comum e depende do nível de maus-tratos em que os animais săo encontrados”. Ele defendeu o Cetas e disse que tem total confiança em sua equipe. “Acredito que a nossa equipe, pela qual eu tenho muito zelo, terá respostas para qualquer questionamento”.
A investigaçăo por parte da Polícia Federal é de competęncia da Delemaph (Delegacia de Repressăo a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico), e deve ficar a cargo da delegada Suzana Jacobina.
(Por Ciro Brigham,
Correio da Bahia, 29/05/2007)