A Amazônia é apontada como o berço da matriz energética que garantirá o abastecimento futuro do Brasil. Dados recém-divulgados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) revelam que mais de 70% do potencial hidrelétrico ainda não explorado está na região. E olha que, atualmente, o Brasil só utiliza 25% da energia que pode ser gerada a partir da força motriz das águas dos rios.
De acordo com as Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), os rios brasileiros possuem capacidade de energia elétrica a ser gerada pelos recursos hídricos de 260 Gigawatts.
Ainda que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha afirmado publicamente que não haverá risco de apagão até 2011, o governo federal divulga que, após esse prazo, o fornecimento de energia estará garantido pelas obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entretanto, as principais obras de hidrelétricas previstas no PAC – as usinas do Rio Madeira (Jirau e Santo Antônio) e a do Rio Xingu (Belo Monte) - ainda não obtiveram a licença ambiental necessária para a execução.
Em entrevista exclusiva a O LIBERAL, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, Nilson Pinto (PSDB), admite que é impossível fazer obras com impacto zero no meio ambiente.
O Brasil já tem as hidrelétricas como principal matriz energética há muitos anos, e mesmo assim tivemos o apagão de 2001, no momento que as chuvas não contribuíram. Não corremos o risco de ficarmos muito dependentes de São Pedro com essa matriz energética?
O nosso potencial hidrelétrico ainda a ser aproveitado é muito grande. Nós temos mega usinas a ser implantadas, que certamente evitarão problemas de apagão no futuro. O que nós aproveitamos até hoje foi uma pequena parte desse potencial. Eu não estou dizendo com isso, que o país deva investir única e prontamente na energia hidrelétrica, existe espaço para outras formas de energia renováveis: energia solar, energia eólica, energia de biomassa. Mas esse espaço é hoje limitado, em alguns casos pela situação local, por exemplo, a energia eólica, só onde tem ventos. Em outros casos a limitação é tecnológica, a energia solar. Existe certamente um espaço enorme no futuro para aplicação de energia solar, mas hoje essa captação se dar por um preço altíssimo, não competitivo com a energia hidrelétrica. A energia da biomassa também requer cuidados do ponto de vista ambiental.
Nós temos os dois principais projetos incluídos no PAC, que são Belo Monte e as usinas do rio Madeira, cujo embargo ambiental seria colocado como o principal entrave. Como o senhor analisa isso?
No caso das hidrelétricas do rio Madeira, os documentos que foram encaminhados para a análise pelo próprio órgão executor da obra eram contraditórios. Esses documentos apontavam divergências que tornavam a concessão de licença ambiental algo muito arriscado. Já sobre Belo Monte, que todos os estudos feitos até agora indicam que é uma usina de baixo impacto ambiental, a discussão é o esclarecimento da população, que deve facilitar o trabalho de aprovação e implantação da usina. Há, no entanto, um outro lado, que é um aspecto fundamentalista, como alguns grupos ambientalistas na questão dos recursos hídricos no Brasil e particularmente na Amazônia. Eu costumo dizer que alguns grupos ambientalistas têm uma posição que eu classifico com hidrofóbica. São contra a utilização de recursos hídricos na Amazônia para a geração de energia, por puro fundamentalismo. Não há explicação técnica que justifique uma posição desse tipo.
A partir da premissa de que todo empreendimento gera um impacto ambiental, estaríamos vivendo o embate de ou cuidar do meio ambiente, com toda a cautela na elaboração de projetos, ou implementar em curto prazo novas hidrelétricas para que não tenhamos um outro colapso no fornecimento de energia?
Nós fizemos recentemente na Câmara dos Deputados um seminário sobre energia renovável e chamamos especialistas do Brasil inteiro, discutimos com autoridades e concluímos que está faltando realmente uma legislação que facilite a utilização das energias renováveis no país, que oriente. Nós hoje vivemos sob o signo da sustentabilidade, nós não podemos pensar em recursos não renováveis e recursos poluidores. Nós temos que pensar em recursos que se renovem continuamente e que polua o mínimo possível. Chegamos à conclusão que precisamos da normatização sobre as energias renováveis no País. Do outro lado, nós precisamos também desburocratizar, ordenar melhor a legislação ambiental ao que se refere aos grandes empreendimentos dos construtores.
De que forma governo e sociedade podem trabalhar na construção de uma política para esse setor?
Primeiro a sociedade tem que entender que o licenciamento ambiental é um instrumento de defesa da sociedade, ele não é uma imposição ditada pela chatice dos ambientalistas. É um instrumento importante para evitar que, na pressa das obras, o governo faça besteira. Ninguém deve condenar o licenciamento achando que ele é inconveniente. O governo tem que aprender que a melhor forma de tratar essa questão é dotar os órgãos que fazem a gestão ambiental e dê condições de operar com qualidade.
Nós vamos ter condições de conciliar todo esse desenvolvimento mantendo a qualidade de vida das populações locais?
A grosso modo, se formos a uma direção teremos o risco da devastação desse patrimônio e num prazo curto a degradação total que é um prejuízo para todo mundo e para a população que mora na região. Por um outro lado temos o risco que é a da manutenção como um santuário em nome da limpeza do ar que se respira no mundo. Quem vive na Amazônia está confrontado com esse desafio, querendo ou não tem ou não um interesse na discussão, quem vive na Amazônia está no meio dessa polêmica. A própria população da Amazônia está discutindo a questão de forma desfocada, ou seja, a nossa pauta tem sido feita de fora para dentro da região. Nós discutimos aquilo que os outros pautam para a gente. Eu, como paraense, honestamente, apesar de reconhecer a importância de uma usina hidrelérica com Belo Monte para suprir a região Nordeste e Sudeste de energia, eu estou muito mais preocupado em fazer com que a energia que nós dispomos em grande quantidade chegue à margem esquerda do rio Amazonas.
Corre o risco de as populações locais pagarem pelo desenvolvimento do restante do País?
Corre o risco. Quando nós construímos Tucuruí, muitos municípios próximos a Tucuruí tinham apenas o privilégio de ver o linhão passar por cima em direção a Barcarena e a energia não chegava aos municípios. Então, eu quero defender a população do Pará, energia para os paraenses. Tem de sobra para levar ao resto do Brasil, mas Belo Monte é um projeto pensado não para o Pará, e sim, para o restante do Brasil. O Pará já é um grande produtor de energia que é levado na sua maior parte para fora do Estado. Com a construção de Belo Monte de novo isso se reforça, a gente não ganha nada desta energia, porque o ICMS da energia é cobrado no consumo e não na origem. Para que o estado pudesse ter de fato um benefício dessa sua contribuição enorme para o Brasil, isso teria que entrar em pauta.
(
O Liberal, 28/05/2007)