Subjetividade precisa ser trabalhada para o desenvolvimento do cuidado com a natureza, diz professor
ecologia profunda / concreta
André do Eirado Silva
ambientalistas
2007-05-28
A Ecologia Profunda pode ser vista a partir da origem e evolução dos conceitos relacionados à subjetividade. Na avaliação do professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) André do Eirado Silva, psicólogo, mestre e doutor em Filosofia, a reconversão de uma subjetividade isolada e materializada para uma outra, conectada à natureza, é essencial para que a chamada deep ecology seja realmente praticável. “A subjetividade deve ser trabalhada para que se possa ter um real avanço nas relações ecológicas”, afirmou o professor, que compôs a mesa do painel sobre Ecologia Profunda ao lado do Lama Santem (professor Alfredo Aveline), dentro da programação da Semana Nacional da Mata Atlântica, na última quarta-feira (23/05).
De acordo com Silva, a subjetividade atual, marcada pelo individualismo e pela falta de capacidade da compreensão do outro – e, portanto, da natureza – tem origens no século 17, quando se desenvolve a idéia de um mundo externo estranho às experiências internas do sujeito. “A filosofia do cogito de Descartes tende a fazer a certeza a respeito do conhecimento recair unicamente sobre a certeza do sujeito. Em relação a uma tradição mais antiga – na qual a filosofia está vinculada à idéia de ser e na qual o mundo e o sujeito perfazem uma unidade –, a filosofia do cogito isola o sujeito do mundo de uma maneira muito específica, não atribuindo valor existencial objetivo, ou seja, valor de verdade ou validade à experiência”, atesta o professor.
Esse processo, diz Silva, é o início de um pensamento voltado à individualização do sujeito. As experiências subjetivas ficam desvinculadas do mundo. O discurso válido é o racional e o experimental. “Por exemplo, uma árvore existe para a subjetividade, mas para o pensamento objetivo, existe apenas o vegetal, as folhas, as raízes, o funcionamento do sistema biológico. Isso cria um distanciamento, os componentes sensoriais e afetivos são separados da própria realidade existencial”, explica. A natureza, dentro da visão cartesiana, é apenas um meio de produção de bens de consumo. “Como a experiência é rejeitada enquanto verdade, ela não dá o ser, mas o indivíduo é que precisa construir os bens que vai consumir”, afirma.
Estratégias ecológicas
A ecologia profunda, segundo o psicólogo, nunca deixou de existir, “pelo menos não no sentido fundamental de que a experiência e o conhecimento do mundo são a mesma coisa”. Silva refere-se a estratégias ecológicas como uma “medicina do espírito”, como uma forma de resgatar a ligação íntima, intrínseca do indivíduo com o meio natural. Para ele, a ecologia, antes de ter um estatuto científico, de ser concebida dentro do utilitarismo da engenharia, deveria ser a ciência do cuidado. “Haveria mais efetividade nas nossas ações se a ecologia atuasse na relação homem-natureza no sentido afetivo, e não apenas na relação disciplinar”, propõe.
Compulsão
O processo de individualização da consciência iniciado com o cartesianismo, diz o professor, acelerou-se após a Segunda Guerra Mundial, levando as pessoas ao narcisismo e à compulsão. Esse perfil compulsivo tem relação com uma série de doenças. “Não pensamos antes de responder a estímulos, desenvolvemos uma grande adição, relacionada ao mesmo caso dos drogados. Somos adictos do consumo, ele virou um vício para nós”, argumenta. “Esse consumo é o resultado a configurações da nossa natureza, como o isolamento. Como não há uma natureza com valor em si, também não há outro humano. A violência faz parte deste desastre ecológico”, nota.
Um dos sintomas do isolamento e da falta de valorização do conhecimento intuitivo, subjetivo, está num fato cultural. “As pessoas, hoje, compram livros e revistas para aprender como decorar a casa, como criar os filhos, como se alimentar. Isso mostra o quanto o saber da experiência está deixando de ser validado”, comenta Silva, acrescentando que “os saberes que se constituem são muito esotéricos, e não educativos, pois propõem apenas a remendar, a pôr curativo, ao invés de atacar as causas dos problemas”.
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 25/05/2007)