Ao mesmo tempo em que colocou na ordem do dia os bastidores da liberação de alvarás para obras em Florianópolis, a Operação Moeda Verde, deflagrada pela Justiça, Ministério Público e Polícia Federal, no dia 3 de maio, trouxe a público a discussão dos rumos do planejamento da cidade. Isto aconteceu no momento em que a sociedade debate a elaboração do novo Plano Diretor da Capital.
Moradores de uma cidade que viveu um crescimento espetacular nos últimos 10 anos, os florianopolitanos também assistiram, nesse período, ao surgimento de problemas característicos de grandes metrópoles. Exemplos são o trânsito, caótico em determinadas horas do dia em diferentes pontos da cidade; a construção ilegal em áreas de preservação; e a poluição de manguezais e mananciais.
O Diário Catarinense reuniu representantes de oito entidades envolvidas no tema para debater quais os rumos a cidade deve seguir para continuar a crescer e a se desenvolver, de maneira ordenada e sustentável. O encontro, mediado na sede do DC pelo jornalista da CBN/Diário e TVCOM Renato Igor, ocorreu na última terça-feira, coincidentemente no dia em que a Capital enfrentava mais uma paralisação do transporte coletivo, e, mais uma vez, Florianópolis foi transformada refém da sua própria falta de estrutura.
Entre os participantes, foi consenso que a cidade pode e deve seguir crescendo. É preciso, no entanto, definir como e para onde Florianópolis vai.
O representante do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Ecologia e Desenho Urbano da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Francisco Ferreira, lembrou que o crescimento de Florianópolis é discutido desde os anos 1980. Para ele, o primeiro passo deve ser decidir para onde a cidade quer crescer e estabelecer limites para isto.
- O desenvolvimento não pode mais ser um eixo destrutivo da natureza - alertou.
Já para a presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em Santa Catarina, Cristina Piazza, mais importante, neste momento, do que discutir para onde Florianópolis deve crescer, é como deve se dar este crescimento para que o mesmo seja positivo para toda a coletividade.
Transporte marítimo, trem de superfície, teleférico, ciclovias ou construção de uma quarta ponte ligando a Ilha ao Continente. Todas as alternativas foram apresentadas pelos convidados como sugestões para desafogar o trânsito da Capital, um dos principais problemas urbanos do município. Estudos já são desenvolvidos pelos órgãos ligados à área. Mas o único consenso até agora, no entanto, é de que algo deve ser feito com urgência.
O presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Santa Catarina (Crea), Raul Zucatto, lembrou que o grupo técnico da entidade, por exemplo, já desenvolveu um projeto para a construção da quarta ponte e de toda a infra-estrutura viária ao seu entorno, mas que esta é apenas uma das alternativas possíveis.
A construção da quarta ponte deverá estar incluída no Plano Diretor, salientou o presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf), Ildo Rosa. Mas ele advertiu que, antes disso, é necessário encontrar outras alternativas, a curto prazo, para desafogar o trânsito nas áreas mais centrais da cidade e nas duas pontes.
O tema do crescimento de Florianópolis é polêmico, admitiu o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado (Sinduscon), Helio Bairros, ao comentar que há interesses muito diferentes envolvidos na questão. Barros ainda criticou a excessiva burocracia, que, de acordo com ele, atravanca o progresso da cidade.
- Florianópolis é um manicômio administrativo - definiu.
O representante do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Alcides Abreu, chegou a trazer para o debate o seu plano de 91 dias para mudar a Capital.
- Esta é a Florianópolis que eu faria - disse o professor, mostrando o estudo.
Na opinião dele, o novo Plano Diretor, elaborado com a participação da sociedade, será uma maneira de democratizar as oportunidades e definir para onde vai a cidade.
- O plano vai delimitar as áreas urbanas e apontar para onde a Capital deve crescer - previu Alcides Abreu.
O novo Plano Diretor de Florianópolis
O presidente do Ipuf, Ildo Rosa, disse que o grande desafio, neste momento, é contemplar todas as demandas no novo Plano Diretor, que começa a ser delineado com a participação popular, através de encontros com os representantes de distritos e da sede de Florianópolis.
– A realidade é muito complexa. Em um ano à frente do Ipuf tive a real comprovação da importância de se planejar urgentemente a cidade que queremos. O atual Plano Diretor de Florianópolis tem 22 anos de idade e mais de 300 remendos. É uma verdadeira colcha de retalhos – destacou Rosa.
Operação Moeda Verde
O assunto mais polêmico do debate foi a Operação Moeda Verde e seus desdobramentos.
O procurador-chefe do Ministério Público Federal em Santa Catarina, Walmor Alves Moreira, disse que tratou-se de um momento histórico para o Ministério Público Federal.
- A Operação Moeda Verde não se esgotou com os processos e prisões já efetuados. Ainda há muito o que fazer. Apenas abrimos uma janela e deixamos a luz entrar. Todos que forem considerados culpados terão que pagar pelo que fizeram - adiantou o procurador.
Para ele, a certeza da impunidade é a maior desgraça do país.
- Temos um problema histórico no Brasil, que é a certeza da impunidade. O povo brasileiro não é acostumado a cumprir a lei. E por quê? Por saber que não será punido por isso. A Operação Moeda Verde vai provar que estamos mudando esta realidade - prometeu.
O presidente da Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma), Carlos Kreuz, admitiu que a Operação Moeda Verde o levou a fazer uma reflexão muito profunda.
As denúncias comprovaram que existem fragilidades no órgão que dirige, especialmente quanto a licenciamento ambiental.
- Como órgão expedidor de licenças ambientais no Estado preciso concordar que temos culpa no cartório - disse Kreuz.
Ele lembrou, entretanto, que a Fatma possui problemas operacionais sérios, com estrutura pequena e grande demanda de trabalho.
- Mas isto não nos livra de culpa. Não podemos admitir o que aconteceu - ressaltou.
Sistema Viário e transporte urbano
"O sistema viário e o transporte urbano da Capital vivem uma morte anunciada que se arrasta há muito tempo. Paralisações como a de hoje (terça-feira, dia do debate) ocorrem toda a vez que trabalhadores do setor se aproximam da data-base. O meio precisa ser redimensionado. Ao mesmo tempo, convivemos com um sistema viário comprometido, que se agrava em uma cidade complexa com as características da Capital: centro histórico preservado e tombado que dificulta qualquer intervenção na área central da cidade. Temos uma realidade histórica que a curto prazo precisa ser enfrentada. E existe um planejamento de médio e longo prazo a ser feito. A quarta ponte está prevista no atual Plano Diretor. Mas entendo que a curto prazo tem que se pensar em outras alternativas, afinal as pessoas nunca compraram tantos carros quanto agora. A questão cicloviária sempre foi muito maltratada. Somente agora trabalhamos com parcerias internacionais que apontam para uma política que engloba as ciclovias. Não resolverá o problema, mas um conjunto de ações deve ser tomado para mudar a cultura existente." (Ildo Rosa, presidente do Ipuf)
"Quanto vale a Ilha de Santa Catarina? Temos uma riqueza disponível, mas que não sabemos aproveitar. Muito se fala em transporte marítimo, metrô sobre as águas, teleféricos. Por que não se faz os projetos? Acho necessário se perguntar: que cidade eu fiz? Que cidade eu faria? Mas a questão do transporte, como ponte ou sistema marítimo, só será feita quando for rentável para alguém." (Alcides Abreu, representante do Instituto Histórico e Geográfico de SC)
"Como ambientalista, sinto algumas questões muitas caras colocadas para nós desde a década de 1970. A pergunta para nós é: nós queremos crescer para a Ilha ou para o Continente? A questão insere os limites de crescimento da cidade. Esta pergunta ainda está sem resposta. O modelo de desenvolvimento não pode ser centrado no eixo destrutivo, associado meramente à transformação da natureza. Este modelo não apresenta mecanismos de adaptação a esta natureza, que é o grande recurso que precisamos usar. A Ilha é um espaço limitado. Precisamos redimensionar o crescimento para o Continente. As áreas de manguezais, por exemplo, não podem mais continuar sendo destruídas a cada surto de crescimento. Recentemente, tivemos um embate sobre a implantação de dois shoppings no entorno destas áreas, importantes berçários para os ecossistemas naturais. Mudar o eixo significa melhorar a qualidade de vida das pessoas e da cidade e ampliação da justiça social. O binômio ambiente e desenvolvimento social está articulado." (Francisco Ferreira, representante da UFSC)
"A cidade está refém do transporte individual, e não do coletivo. O coletivo se amplia por conta da individualidade no encaminhamento da questão. Não vejo a construção de uma quarta ponte como a única solução. A idéia pode ser substituída por outras formas de transporte. Temos que rever todo o sistema viário, pois o sistema não suporta mais os gargalos que se criaram. Existem alternativas, como o sistema de transporte marítimo, de superfície e as ciclovias. É preciso reorganizar a cidade de uma outra maneira. Não se pode mais pensar no indivíduo como um só, e sim na coletividade. Mas focar só no transporte não basta, é preciso pensar em outras questões."(Cristina Piazza, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil de SC)
"O Crea lançou uma alternativa, que não está fechada, que é a construção de uma nova ponte. Queremos provocar uma discussão capaz de desafogar a cidade. Não queremos esperar por 2020, quando Florianópolis será um caos. Em termos de transporte, não existem dúvidas que o modelo precisa ser repensado. O Crea apresentou a proposta de uma Via Expressa duplicada, com quatro pistas de cada lado, um elevado, quarta ponte, elevado indo até o Túnel Antonieta de Barros, variantes para escoamento. Tem ainda a proposta de metrô de superfície e transporte marítimo. Estamos abertos para discutir, e com profissionais que respondem por áreas técnicas à disposição, pois o Crea não pode ficar na função meramente legal. Propusemos um grupo técnico que discuta a questão, e não teremos constrangimento de encampar a melhor proposta para a cidade. Somos favoráveis à humanização do transporte urbano, com um projeto de desenvolvimento sustentável e integrado." (Raul Zucatto, presidente do Crea SC)
"Em Florianópolis, diferente do que ocorre nas cidades de Joinville e em Blumenau, não existe a cultura de andar de bicicleta. Ainda que traga alguma interferência, não significará um impacto sobre a questão do transporte urbano da cidade. (Helio Bairros, presidente do Sinduscon)
Opiniões a respeito da Operação Moeda Verde
"A Operação Moeda Verde não se esgota em prisões, processos, condenações. Vai muito além. Foi pensada, concebida e planejada há muito tempo para ir além disso. A Operação foi executada pela Polícia Federal, mas a constatação do problema e do esquema foi feita há muito tempo pelo Ministério Público Federal. Os problemas apresentados não são desta ou da administração anterior - é uma situação histórica da cidade. Não só de Florianópolis, mas do país. Se formos buscar as causas históricas, vamos compreender o motivo. O Brasil, por uma herança portuguesa, não aprendeu a fazer cidades. Quando fomos descobertos e no período colonial não existiam regras para se fazer cidades. Alie-se a isso a pergunta: quem define o interesse público? O Ipuf? A Fatma? O sindicato? O Crea? A imprensa? Não, quem define o interesse público é a lei. E nós não somos acostumados a cumprir a lei. Damos jeitinhos, tem lei que não pega. Nossas cidades são doentes, sem planejamento. E cerca de 80% da população brasileira mora na área urbana. Durante todo o período da Moeda Verde eu ouvi gente dizendo que é um problema de competência: Ibama, Fatma, Floram. Nada disso. A questão é de cumprimento da lei. A lei federal tem mais de 30 anos. Quantos anos têm a Constituição Federal? Nós não cumprimos por termos certeza da impunidade. O Ministério Público Federal não vai perseguir pessoas, não quer humilhar e/ou execrar a vida pública de ninguém. Vai, sim, apurar responsabilidades e cobrar. Estas pessoas terão que pagar. Vamos ter que mudar as estruturas de poder e a legislação na cidade. Precisamos de um Plano Diretor que contemple todas as correntes. Não adianta ter lei e não ser executada. Não é um vereador, um empresário, um líder político, o Ministério Público que deve cobrar? Não, todos nós temos que cobrar efetivamente o cumprimento da lei. Temos que definir o interesse público e é na lei que isso está definido. Hoje se pode dizer que a lei em vigor em Florianópolis não está de acordo com a Constituição Federal. São mais de 700 inquéritos na Vara Federal, mais de 500 ações civis públicas. Em toda praia desta Ilha há uma ação judicial. Isso só na esfera federal. Temos que enfrentar isso. Afinal, não trata-se de um problema tópico. Temos uma infecção generalizada na cidade. E precisamos curá-la." (Walmor Alves Moreira, procurador da República)
"Toda a Operação Moeda Verde leva nós, da Fatma, a uma reflexão muito grande. Ela expôs nossas fragilidades. Analisando a situação, vemos que, enquanto instituição, nós temos culpa no cartório. Enquanto órgão licenciador do Estado, por exemplo, a Fatma não dispõe de um sistema de auditoria interna. Estamos trabalhando para melhorar questões como esta. Dá até para entender, pois, por causa da complexidade e demanda, a estrutura é pequena. Vamos instalar um sistema de auditoria interna onde poderemos conferir situações futuras. Hoje, o técnico emite a licença e fica por isso mesmo. Em alguns lugares, o sistema ainda é manual, temos que pensar na digitalização. Só quando alguém, como o Ministério Público, se manifesta, é que se olha de novo o processo. Falta monitoramento e controle interno. A Fatma tem, até por competência, de estar acima de qualquer suspeita. O que aconteceu (suposto envolvimento de um funcionário no escândalo das licenças ambientais), não é aceitável. Hoje, não tenho como afirmar se servidores da Fatma prestam consultoria para empresas que buscam licenciamento ambiental. Isso fere nosso princípio ético. Se detectado, nós vamos agir para que isso seja proibido. Mas não posso dizer que isso não exista." (Carlos Kreuz, presidente da Fatma)
"A Fatma tem que dar um corte e mudar a sua própria imagem, que está muito comprometida. É necessário fazer um resgate e repensar a sua estrutura, que se mostra omissa em algumas cidades do Estado. Caso contrário, ela não tem razão de existir. É uma visão de quem está de fora, mas que, muitas vezes, bate lá no nosso conselho. Se não avançarmos na linha do que for decidido na lei, do que prega o Ministério Público, verdadeiramente em cima do laudo, nós vamos continuar com novas operações Moeda Verde. O Estado tem que repensar a Fatma." (Raul Zucatto, presidente do Crea)
"Hoje, percebe-se empreendimentos em locais errados, como mostrou a Operação Moeda Verde. Deve haver a conscientização por parte dos empresários e dos órgãos públicos. Muito se discute para onde a cidade deve crescer. Sul? Norte? Ilha? Continente? A ocupação de locais caros para a cidade, como a comunidade do Siri, nos Ingleses, Norte da Ilha, retrata a situação. Outra área é a do Maciço do Morro da Cruz. Vamos assumir isso como responsabilidade, mas vamos também dar a oportunidade para novos empreendimentos que valorizem a cidade. O problema não é se a cidade vai crescer, mas como Florianópolis vai crescer. É fácil discutir o "para onde", como se pegasse o problema de um lado e jogasse para outro. Temos que pensar no "como". Afinal, que futuro queremos?" (Cristina Piazza, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil/SC)
"A corrupção é filha da burocracia. Os empresários da construção civil residencial não concordam com a transgressão da lei e com as acusações de que são os empresários os responsáveis pela destruição da cidade. O artigo 30 da Constituição Federal diz que a competência para legislar no território do município é da Câmara e da prefeitura. Lei existe, mas não é fiscalizada. Não temos fiscais na prefeitura para controlar as obras. Cerca de 60% das edificações são irregulares. O fiscal da prefeitura tem o poder de polícia, cabe a ele fazer o seu papel. O nosso construtor faz uma via-crúcis nos vários órgãos (Floram, Ipuf, Susp) para ter suas respostas. Em Florianópolis, são mais de 20 órgãos governamentais legislando sobre o mesmo fato. Isso é um manicômio administrativo. Além disso, a lei não faz diferenças entre rico e pobre. Mas a cidade é irregular por todos os lados. E não são os servidores de carreira os responsáveis, mas o cargos de gerência. Porém, existe incoerência quando se condena um sistema que está imposto, e o outro lado da cidade irregular destrói o meio ambiente." (Helio Bairros. presidente do Sinduscon)
(Diário Catarinense, 27/05/2007)