Acostumado com o rótulo de vilão, o El Niño pode ser, na verdade, um herói -- pelo menos quando o assunto é a intensidade dos furacões que atingem o Caribe e os Estados Unidos. Segundo um estudo divulgado nesta semana pela revista científica britânica "Nature", o aquecimento global pode não ser o principal culpado pela intensificação desses fênomenos observado na região nos últimos anos.
De acordo com o trabalho, quando o El Niño está forte, ele evita a formação de tempestades intensas no Atlântico Norte. Quando está fraco, ocorre o inverso, e os furacões se intensificam. Até agora, uma forte corrente entre os pesquisadores, descrita até no relatório de fevereiro do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, afirma que o aumento da temperatura nas águas do Atlântico causado pelo aquecimento global seria o principal responsável pelo fortalecimento dos furacões nos últimos anos. Segundo as previsões dos cientistas, essa tendência deveria piorar ainda mais conforme aumentassem as emissões de gases do efeito estufa.
O levantamento feito por Jeffrey Donnelly e Jonathan Woodruf, do Instituto Oceanográfico de Woods Hole, nos Estados Unidos, revela que as coisas podem não ser bem assim, e que a intensificação registrada nos últimos anos pode ser uma variação natural -- que não vai ter impacto em uma escala de centenas ou milhares de anos. Mesmo em épocas quando a temperatura dos oceanos estavam mais frias do que estão hoje, monções africanas fortes combinadas com El Niños fracos geravam temporadas de atividade intensa de furacões. Durante a última metade da Pequena Era do Gelo, entre os séculos XIV e XIX, por exemplo, foram registrados muitos estragos causados por furacões fortes no Atlântico Norte.
A explicação, segundo os cientistas, é que o aumento de temperatura das águas causado pelo El Niño atinge também o oceano Pacífico -- o que interrompe a formação de tempestades antes de elas ganharem força no Atlântico. “Ainda não se sabe o que causou essa variabilidade do El Niño e das monções africanas, mas ela parece ter um papel dominante no controle da atividade de furacões", afirmou Donnelly ao G1.
Tendências
Os pesquisadores estudaram a freqüência e a força dos furacões que atingiram o Caribe nos últimos 5.000 anos através de amostras de sedimentos de lagoas costeiras de Porto Rico. “Os registros da ilha de Vieques mostram períodos de tempo que duram muitos séculos onde o local foi atingido por furacões bastante freqüentemente. Inversamente, em outros períodos de tempo tão longos quanto não houve nenhum furacão”, afirma Donnelly.
“O mais fascinante disso é que outro estudo, feito mais ao norte, nos pântanos de Nova York e nos lagos costeiros do Golfo do México, trazem tendências bem parecidas”, diz ele. Para o pesquisador, isso indica que a tendência observada é bastante coerente, o que mostra que além das variações anuais e entre décadas na atividade de furacões, há ainda grandes flutuações em escalas de centenas e milhares de anos.
(Por Marília Juste, G1, 23/05/2007)