Combustível ou alimentos? Na busca por fontes alternativas e renováveis de energia, a discussão ganha força em todo o mundo. No Brasil, a preocupação tem sido em torno da rápida expansão dos plantios de cana-de-açúcar, base da produção de etanol. Especialistas avaliam que o crescimento não vai prejudicar a produção de alimentos no País. Ao contrário, justificam, 'pode até elevar a produção de grãos, especialmente soja e milho, culturas usadas no sistema de rotação nas épocas de renovação dos canaviais'.
A cana-de-açúcar ocupa hoje 6,1 milhões de hectares no Brasil, conforme levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) da safra 2006/2007. São Paulo continua sendo o maior produtor, com mais da metade desta área. Dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) mostram que a área de cana (para indústria) no Estado cresceu 30% nos últimos cinco anos, de 2,5 milhões de hectares em 2001 para 3,4 milhões/hectares em 2006. Os pastos, principal fornecedor de área para este avanço, ocupa em torno de 8 milhões de hectares, quase três vezes mais.
Na região oeste de São Paulo, para onde mais avançam os canaviais, a cana representa cerca de 15% da área agricultável. Em 2010, quando 30 novas usinas devem começar a funcionar, o cana ocupará 29%. 'Os números não mostram monocultura de cana', avalia o presidente da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP), Antônio Salibe.
'E mesmo que o Brasil tenha que abastecer seu mercado e ainda atender toda a demanda norte-americana de etanol, por exemplo, a cultura ocuparia apenas 8% da área agricultável (incluindo pecuária) do País', afirma Salibe, com base em um levantamento da UDOP, feito com números do Ministério da Agricultura (Mapa). Isso significa cobrir com cana mais de 29 milhões de hectares, dos 366 milhões/hectares de área agricultável. O Mapa considera que o País tem ainda 90 milhões de hectares de fronteira agrícola (terras desmatadas, mas ainda sem uso). Desta área, em cerca de 20 milhões/ha seria possível cultivar cana.
De acordo com dados da Food and Agriculture Organization (FAO), órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação, o Brasil produz 40% mais alimentos do que o necessário para abastecer sua população. 'Ainda temos problemas com a fome, porém por razões de acesso e má distribuição, não por falta de produção', avalia o representante regional da FAO para América Latina e Caribe, José Graziano. 'Vemos a cana como uma alternativa de renda. E ter uma opção de cultura rentável, que ajuda a melhorar o poder aquisitivo dos produtores e da comunidade onde as usinas se instalam, é extremamente positivo.'
PotencialPara o analista Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), a longo prazo alguns países podem até enfrentar problemas. 'Mas o Brasil não corre este risco, pois tem terras disponíveis e clima favorável para expandir o plantio da cana sem prejudicar a produção de alimentos', diz. 'Esta rápida expansão de área é um fenômeno momentâneo. Não vai muito longe em termos geográficos, mesmo porque a cana precisa de logística.'
A próxima etapa será de crescimento vertical. Como a cana teve poucos investimentos em melhoramento, se comparada ao milho, por exemplo, ainda há muito o que crescer. 'Teremos variedades mais produtivas. Poderemos crescer em volume sem precisar expandir área.' Além disso, aposta Jank, haverá novos avanços.'Produziremos álcool com o bagaço da cana.' Já existem tecnologias neste sentido sendo testadas, com resultados animadores.
Um estudo feito pela FAO em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), mostra que o Brasil é o país que tem as melhores possibilidades no mundo para expandir a produção de agroenergia sem comprometer a segurança alimentar. 'Primeiro, porque é um dos poucos países que possuem lei de segurança alimentar, com programas voltados ao combate à fome', destaca Graziano. Segundo, diz ele, porque a área destinada à produção de álcool é mínima.
De acordo com dados do IBGE, em 2005 o Brasil tinha 340 milhões de hectares aráveis e a cana representava apenas 1,8% destas terras. 'São Paulo é o grande exemplo. Usa cerca de 3 milhões de hectares para produzir cana. Mesmo que esta área triplique, está longe de pressionar áreas de alimento', diz Graziano.
(Por Niza Souza,
Estado de S. Paulo, 23/05/2007)