Durante a audiência pública sobre a liberação de milho transgênico, realizada pela CTNBio em março em Brasília, levantei questões sobre o problema da contaminação das variedades locais e da provável inexistência de sementes não-transgênicas em um futuro próximo para abaster o mercado de milho não-transgênico, produzido em sistema convencional ou orgânico
Estudos realizados na Europa demonstram a dificuldade de evitar a contaminção. Isso é especialmente verdade aqui no Brasil, onde as lavouras de pequenos agricultores ocupam áreas pequenas e estão muito próximas umas das outras, muitas vezes fazendo limites com plantações do agronecócio (potenciais utilizadores de milho transgênico). Na ocasião, usei um mapa da distribuição do plantio de milho no Brasil, destacando que os municípios com maior densidade de área plantada sofrerão mais rápido as consequências da contaminação via polinização. Sem falar nas outras fontes de contaminação existentes via semente, mistura em armazéns, meios de transporte, ajuda alimentar, etc.
Santa Catarina está no topo da lista. Preocupante uma vez que o milho plantado no estado está diretamente ligado a agroindústria da avicultura, atividade de renda de milhares de famílias de pequenos agricultores e importante na pauta de exportações do país. Se os importadores reforçarem as normas sobre rastreabilidade da carne de frango, exigindo ração não-transgênica, o futuro da avicultura vai ficar complicado. Apenas para tocar um aspecto de mais fácil entendimento para aqueles que só têm cifrão no cérebro e não se preocupam com os impacto de transgênicos na saúde e no meio-ambiente.
No mês de abril, a pesquisadora da Embrapa, Dra. Eliana Fontes, publicou um artigo sobre estratégias para a coexistência entre cultivos transgênicos e não-transgênicos (ver trechos e link abaixo). No artigo ela trabalha argumentos que possam convencer o leitor da factibilidade de uma "mistura saudável" (título do seu artigo) entre transgênicos e não-transgênicos. Mas também mostra honestidade científica ao citar alguns limitantes da coexistência.
O que o artigo deixa claro é que o Brasil libera o milho transgênico sem qualquer plano de coexistência (veja trecho transcrito abaixo). Como ela afirma, um plano deste requer muito planejamento, coordenação e infraestrutura, e é improvável que aconteça no curto prazo. Tampouco está claro qual o órgão governamental que será responsável por definir e monitorar o sistema de coexistência.
Eu, pessoalmente, acredito que é impossível um plano de coexistência no Brasil. É pura matemática. Com algumas imagens de satélite, um conhecimento de biologia da reprodução de milho e uma calculadora chega-se a esta conclusão facilmente. Não precisa nem sujar o pé de barro para visitar as roças no interior. As características dos sistemas de produção de milho no país são muito mais complexas do que aquelas existentes na França, berço dos principais estudos de coexistência de milho que estão sendo feitos no momento. Copiar as regras Européias que resultarão destes estudos não funciona. A situação aqui é muito distinta.
E o Milho da Bayer é apenas o começo. É provável que a porteira tenha se aberto para liberar o Milho Bt. Este aí será ainda pior. Nos EUA e em outros países que se planta transgênicos tipo Bt (aquele que produz a toxina para matar as lagartas) é obrigatório o plantio de uma proporção da área com sementes não-transgências para retardar a velocidade de desenvolvimento de resistência das lagartas à toxina. Na Audiência Pública de março, perguntei a uma pesquisadora da Embrapa de Milho e Sorgo se já tinham definido qual a área de refúgio que deveria ser adotada nas diferentes regiões do Brasil. Ela disse que ainda não há estudos ou qualquer plano desta natureza. Ou seja, no Brasil estão discutindo a liberação do milho transgênico Bt e a Embrapa de Milho e Sorgo sequer tem resposta para essta questão.
Mais uma vez, a irresponsabilidade do Governo Lula em dizer sim, sim sim aos interesses das grandes empresas de sementes transgênicas, sacrifica a biossegurança e coloca nas mãos dos povos indígenas, populações tradicionais e camponeses, com apoio das suas organizações e ONGs, a difícil tarefa de salvar algumas variedades locais. Estão no mesmo barco os empresários do agronegócio que quiserem manter produção de milho convencional. Que tratem de garantir suas sementes, pois em breve estará tudo contaminado.
(Por
Angela Cordeiro, consultora em Biodiversidade, 23/05/2007)