O eucalipto tornou-se uma importante categoria política no Rio Grande do Sul. As empresas de celulose vêm aumentando progressivamente sua capacidade de influência no Estado, desempenhando um papel fundamental na definição de políticas na área ambiental. Nas últimas semanas esse processo adquiriu uma inédita visibilidade. Representantes de grandes empresas do setor reclamaram à governadora Yeda Crusius (PSDB) dos entraves ambientais para a execução de seus projetos. Ganharam de presente a substituição dos funcionários responsáveis pelos órgãos ambientais no Estado. O lobby das empresas Aracruz, Stora Enso e Votorantim, que já era forte durante o governo de Germano Rigotto (PMDB) ficou ainda maior. A governadora Yeda Crusius disse a interlocutores que não queria em seu currículo a saída de uma grande empresa do Estado.
Para tanto, não titubeou e cortou a cabeça de aliados. Demitiu a secretária do Meio Ambiente, Vera Callegaro, uma amiga de longa data, e o presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Irineu Schneider, um político do PSDB. As empresas haviam reclamado da demora na emissão de licenças ambientais para a expansão do plantio de eucalipto no Estado. Foram prontamente atendidas. Após as demissões, as licenças ambientais começaram a ser emitidas rapidamente.
Cada vez mais forte, o eucalipto avança pelo pampa gaúcho, repetindo movimento que ocorre também no Uruguai. O poder de influência do setor de celulose apóia-se em duas pernas: a política e a midiática. As verbas publicitárias aplicadas nos principais veículos de comunicação do Estado garantem uma cobertura simpática e, não raras vezes, militante em defesa dos projetos de expansão do plantio de eucalipto e pinus e de construção de fábricas de celulose no território gaúcho.
Conquistando corações e mentesA estratégia de conquista de corações e mentes nem chega a ser dissimulada. Em um artigo publicado no site da Aracruz, Luiz Fernando Brandão, gerente de Comunicação Corporativa da empresa, afirma que “a inteligência empresarial considera estratégica e sensato aproximar-se dos jornalistas e tratar a comunicação, nas suas múltiplas vertentes, como um diferencial fundamental”. As empresas de celulose trabalham com essa regra de modo cotidiano. Em novembro de 2006, a Stora Enso convidou um grupo de jornalistas gaúchos para visitar a sede da empresa na Finlândia. Integraram a comitiva, entre outros, os jornalistas José Barrionuevo, Políbio Braga, Diego Casagrande, Rogério Mendelski, Ana Amélia Lemos, Lucia Ritzel e Afonso Ritter. Um dos mais entusiasmados com o trabalho das empresas de celulose, Diego Casagrande escreveu em seu blog: “Os investimentos que mudarão a face econômica da empobrecida metade sul têm sido bombardeados por ONGs e pela esquerda em geral, que falam a torto e a direito na criação de desertos verdes. São mentiras e bobagens que, repetidas, podem virar verdade na cabeça de muita gente”.
Esse trabalho regular e sistemático de persuasão midiática é acompanhado pela pressão política pura e simples. No dia 1° de março deste ano, executivos da Stora Enso tiveram uma audiência no Palácio Piratini com a governadora Yeda Crusius, repetindo roteiro feito pelas outras grandes empresas do setor. Apresentaram seus planos de negócios e reclamaram das restrições impostas pelo plano de zoneamento ambiental para o plantio de silvicultura, elaborado no final de 2006 pela Fepam. Presente na reunião, a então secretária do Meio Ambiente, Vera Callegaro, explicou qual era a determinação da governadora: “o governo do Estado deve proporcionar condições para que os empreendimentos de base florestal se desenvolvam no Rio Grande do Sul”. Para tanto, foi criado um grupo de trabalho cuja missão era revisar os termos do zoneamento ambiental. Supostamente, esse grupo de trabalho deveria reunir também entidades da sociedade civil. Para preencher esse requisito,o governo do Estado convidou, entre outros, representantes da Federação das Indústrias, da Associação Gaúcha de Empresas de Florestamento e do Sindicato das Madereiras. Nenhuma entidade do movimento ambientalista foi chamada para participar do referido grupo de trabalho.
A força da “sociedade civil”O resultado desse esforço junto à “sociedade civil” favoreceu às empresas de celulose. No dia 3 de maio, foi firmado um acordo entre o governo do Estado e o Ministério Público flexibilizando as regras elaboradas por técnicos da Fepam. A determinação de Yeda Crusius havia sido atendida. Para a governadora gaúcha, o projeto de zoneamento “impedia qualquer coisa que não fosse a proteção do meio ambiente”. Os técnicos responsáveis pela elaboração do projeto contestaram essa avaliação e disseram que o problema todo era que as empresas haviam comprado grandes extensões de terra na metade Sul do Estado, antes que o zoneamento fosse elaborado. Como este apresentou restrições de plantio para algumas áreas, a reação das empresas foi imediata e eficaz. Mesmo concordando com o pensamento da governadora, a secretária do Meio Ambiente e o presidente da Fepam acabaram demitidos. Demoraram demais a resolver o problema. “Faltou pulso firme”, resumiu Yeda.
No dia 14 de maio, a governadora anunciou os novos titulares das duas pastas. Para a secretaria do Meio Ambiente, foi nomeado o procurador de Justiça Otaviano Brenner. Para a Fepam, a ex-diretora-geral da Secretaria de Segurança Pública, Ana Pellini. A indicação de Brenner chegou a causar uma crise no Ministério Público Estadual. Houve quem achasse que o convite da governadora a um membro do MP era uma tentativa de influenciar as decisões do órgão em problemas ambientais. Brenner ofendeu-se com a insinuação e comprou uma briga interna. Acabou ganhando a queda de braço. Ao ter seu nome confirmado, resumiu qual será a sua política: “Buscarei o equilíbrio entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico que viabiliza a sobrevivência da sociedade. Espero que o trabalho seja facilitado pela colaboração dos servidores”.
Em busca das terras de fronteiraConquistada a flexibilização do zoneamento ambiental, as empresas partem para uma nova batalha: garantir o plantio de eucalipto em terras de fronteira. O problema diz respeito a uma empresa, especificamente, a Stora Enso. No dia 14 de maio, o jornal Zero Hora afirmou, em matéria de uma página, que a empresa finlandesa estava congelando investimentos de US$ 100 milhões no Estado “por conta de mais um entrave no cronograma das empresas florestais”. Qual o entrave? A legislação brasileira determina que investimentos com capital estrangeiro só podem se instalar em faixas de fronteira (150 quilômetros) com autorização do Conselho de Defesa Nacional, ligado à presidência da República. Na verdade, a empresa já teria resolvido esse problema, através da constituição de uma nova empresa, a Azenglever Agropecuária Ltda., com capital social em nome de brasileiros, que passou a adquirir as terras localizadas na faixa de fronteira.
Assim, as empresas do setor vêm superando um a um, os “entraves legais e ambientais” para a expansão de seus negócios no Estado. Com os ingressos, na Secretaria Estadual do Meio Ambiente e na Fepam, de pessoas com “pulso firme”, como definiu a governadora Yeda Crusius, seu posicionamento político fica ainda mais fortalecido.
(Por Marco Aurélio Weissheimer,
Agência Carta Maior, 15/05/2007)