Na opinião de ambientalistas, a falta de regras para a expansão das lavouras de eucalipto e de cana-de-açúcar pode resultar em graves impactos ambientais e "empurrar" gado e soja para novas regiões da Amazônia e do Cerrado. Isso pode colocar o Brasil em uma encruzilhada quanto à evolução sustentável das produções de etanol e de celulose.
Desde a criação do Proalcool, em 1975, a área de cana-de-açúcar passou de 2 milhões de hectares para 7 milhões de hectares, concentrada nas regiões Sudeste e Nordeste. Mas a corrida por combustíveis mais limpos para frear mudanças do clima deve resultar em mais 4 milhões de hectares plantados nos próximos anos, inclusive no Centro-Oeste. As perspectivas são de maior uso de álcool veicular e de que o país responda por metade do abastecimento global de etanol até 2020.
No setor das chamadas florestas plantadas, as lavouras devem saltar de 5,6 milhões para 11 milhões de hectares, área maior que o Estado de Pernambuco. Até 2010, US$ 4 bilhões devem ser revertidos em plantios para abastecer indústrias de papel e celulose, moveleiras e siderúrgicas. Há testes com árvores geneticamente modificadas, que crescem mais rapidamente consumindo mais água. Mais US$ 8 bilhões servirão à expansão e construção de fábricas de celulose e papel na Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul.
Nas regiões vizinhas a essas lavouras multiplicam-se relatos de problemas decorrentes da queima de canaviais, desmatamento, contaminação e uso excessivo de mananciais. "Pequenos rios e córregos estão secos ou poluídos por pesticidas em municípios capixabas cobertos de eucaliptos como Aracruz, Conceição da Barra e São Mateus", afirma Marcelo Calazans, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional no Espírito Santo. Cerca de 3% do Estado é ocupado por eucaliptos e pinus, por volta de 140 mil hectares.
Questões semelhantes são verificadas no norte, oeste e principalmente sul baiano. Metade das terras agricultáveis da região estaria ocupada por árvores exóticas, segundo o Centro de Estudos e Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), de Eunápolis. "Governos e indústrias impuseram a atividade ao extremo sul. As melhores terras foram usadas, agora só restam áreas montanhosas e degradadas", diz Melquíades de Oliveira, do Cepedes. Entre 1970 e 1985, quando chegaram empresas de celulose e papel, o Estado teria perdido 70% de suas matas nativas.
No Rio Grande do Sul, indústrias estão em disputa com ambientalistas para o plantio de 300 mil hectares de eucaliptos. As empresas reclamam que o zoneamento ecológico-econômico estadual é restritivo e impedirá a construção de fábricas que produziriam um milhão de toneladas anuais de celulose. "Querem plantar eucaliptos no Pampa, sem estudos sobre impactos nos recursos hídricos. Temos a obrigação de aprender com os erros de outros Estados e agir com precaução", diz Káthia Vasconcelos, do Núcleo Amigos da Terra, de Porto Alegre (RS).
Segundo a Agência Internacional de Energia, com sede em Paris, um carro a etanol polui 80% menos do que um à gasolina. Mas se o álcool for de milho, essa redução fica em torno de 30%, apenas. Por isso, a cana é vista como melhor aliada no combate ao aquecimento planetário. Como maior produtor global, o Brasil precisa cuidar da da sustentabilidade de sua produção, ordenando seu crescimento e eliminando as queimadas. "A cana é vista como redenção em algumas regiões, mas não há controle algum sobre o avanço das lavouras. É um salve-se quem puder", afirma Mário Mantovani, da SOS Mata Atlântica, de São Paulo.
Mesmo que o replantio da cana absorva boa parte da poluição oriunda de sua queima, a fumaça e a fuligem provocam problemas de saúde e atrapalham até o trânsito de carros e aviões. Cidades do interior paulista como Ribeirão Preto e Piracicaba sofrem com o problema. No Estado já existe pressão para se eliminar a queima de canaviais antes de 2030, prazo fixado em lei. "Cerca de 20% dos canaviais brasileiros são colhidos mecanicamente. Em termos de colheita sem queima, tal percentual está em torno de 15%, o que também é um desperdício energético enorme", afirma Tomaz Ripoli, do Departamento de Engenharia Rural da Esalq/USP.
Sem regulação governamental sobre o crescimento das monoculturas de cana e de eucalipto, o mercado define suas políticas para o avanço das lavouras. Com uso crescente de maquinário, o alvo preferido são terras planas e agricultáveis. A ocupação cada vez maior de espaços por essas culturas e a retomada de preços da soja podem levar à ocupação de mais terras na Amazônia e no Cerrado. "Não há políticas ou estímulos econômicos para incentivar o uso de 70 milhões de hectares de terras abandonadas no país", diz Ilan Kruglianskas, coordenador do Programa de Agricultura e Meio Ambiente do WWF/Brasil.
Cana-de-açúcar e eucaliptos avançam no país com pesados investimentos privados, mas também com programas e recursos governamentais. Boa parte dos financiamentos vem do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com pelo menos R$ 6,6 bilhões previstos para elevar a produção de etanol.
O Banco Mundial ampliará em US$ 320 milhões seu fundo de US$ 2 bilhões para plantios de árvores exóticas. "É um grande momento para inserir critérios ambientais nos financiamentos, promover recuperação de florestas nativas e reduzir a dependência de municípios a uma única atividade econômica", lembrou Mantovani.
Essas preocupações chegaram ao Congresso, onde parlamentares estão mobilizados para avaliar a sustentabilidade econômica, social e ambiental dos biocombustíveis. Para o deputado Mendes Thame (PSDB-SP), o avanço bem ordenado da cana deve ocorrer em terras degradadas ou subutilizadas, com respeito à legislação ambiental e sem interferir na produção ou preços dos alimentos. "Se não fizermos isso, enfrentaremos futuras barreiras não-comerciais nas exportações, principalmente para compradores europeus", diz.
Uma alternativa apontada pelos ambientalistas para controlar o crescimento das lavouras de cana e de eucaliptos é definir zoneamentos ecológico-econômicos estaduais. Com isso, se evitaria o uso desregrado de terras agricultáveis, o entorno de parques e reservas ambientais e áreas prioritárias para conservação. "Também são necessários instrumentos econômicos para estimular práticas agrícolas sustentáveis. Os governos podem e devem fazer isso", diz Kuglianskas, do WWF/Brasil.
(Por Aldem Bourscheit, Valor Econômico, 21/05/2007)