Organizações pedem explicações sobre a relação do Banco Mundial com o Ministério de Minas e EnergiaEm carta enviada na última sexta-feira (18/05) a representante do Banco Mundial, organizações ambientais pedem explicações sobre a sonegação de informações a respeito dos estudos que vêm sendo realizados em parceria com o Ministério de Minas e Energia (MME) sobre a viabilidade de grandes obras de infra-estrutura no país. Segundo afirmam as entidades, o Banco Mundial vem traindo sua própria premissa de transparência uma vez que não disponibiliza para o público os estudos sobre as usinas do Rio Madeira e outros - comentados por representantes da Casa Civil nos últimos meses. De acordo com a carta, nem mesmo os objetivos dessa relação direta com o Ministério de Minas e Energia ficam claros para a sociedade civil, de maneira a imaginar-se que a relação entre os dois vem sendo manipulada.
Leia a íntegra da carta enviada ao Banco Mundial:Prezado Sr. Briscoe:
É por meio desta que exigimos imediata transparência no que diz respeito aos acordos de cooperação técnica entre o Banco Mundial e o Ministério de Minas e Energia. Esta cooperação vem ocorrendo sem nenhuma transparência; documentos produzidos através deste acordo não estão sendo divulgados ao público, enquanto resultados parciais e incompletos estão sendo mau interpretados pela imprensa e também por representantes do Governo.
Desde o início desse processo o público vem sendo negado qualquer acesso à informação qualificada ou aos documentos e estudos sendo preparados no âmbito do Projeto de Assistência Técnica no Setor Energético (ESTAL, sigla em inglês). De acordo com as informações no site do Banco Mundial, esse projeto tem como principais objetivos:
1) O desenvolvimento de mercados e regulação;
2) benefícios para os pobres - aumentar o acesso e a disponibilidade da eletricidade, gás natural e GLP;
3) manejo ambiental - fortalecer a estrutura ambiental do setor, seu gerenciamento, capacidade e procedimentos de licenciamento;
4) planejamento de expansão - desenvolver uma estratégia e metodologias para atender a demandas futuras, integrar fontes múltiplas de energia, assim como possibilidades de demanda e oferta; e
5) fortalecimento institucional - aumentar a capacidade do governo para desenvolver políticas, implementar reformas, coordenar iniciativas múltiplas e monitorar progresso.
É significante que, "a pedido do Ministério das Minas e Energia, o ESTAL também financiará estudos de viabilidade econômica, a serem contratados externamente pelo Governo brasileiro, sobre um possível complexo hidrelétrico no rio Madeira".
Apesar da afirmação do Banco que "os resultados desses estudos não implicam em uma posição ou avaliação do projeto do Rio Madeira pelo Banco Mundial" é evidente que a relação entre o Ministério de Minas e Energia e o Banco Mundial está sendo manipulada. Como exemplo podemos citar o estudo realizado pelo Dr. Sultan Alam, contratado pelo Banco Mundial através do ESTAL, para analisar os impactos da sedimentação na hidrelétrica de Santo Antônio, parte do complexo hidrelétrico do rio Madeira. No dia 24 de abril deste ano, a Ministra da Casa Civil, Sra. Dilma Rousseff foi citada em vários meios de comunicação por ter declarado que: "Um primeiro problema relativo aos sedimentos foi descartado, uma vez que foi contratado pelo Ministério de Minas e Energia, via Banco Mundial, o doutor Sultan Ali (SIC), um dos maiores sedimentologistas...Esse sedimentologista considerou o projeto bastante adequado, dizendo que não tinha a menor hipótese de haver erosão ou sedimentação que comprometesse, do ponto de vista ambiental, as duas usinas. Pelo contrário, ele as elogiou bastante".
No mesmo dia a Rede Brasil solicitou uma cópia deste estudo ao escritório do Banco Mundial em Brasília e recebeu a resposta de que era necessário fazer a solicitação ao Ministério de Minas e Energia. O Ministério negou esse acesso. Somente duas semanas depois foi que a Rede Brasil obteve uma cópia do estudo através de meios não oficiais (desde então a versão em inglês do documento foi publicado no site do IBAMA; mas não em português).
O fato de que a sociedade brasileira foi negada acesso a um documento público de grande relevância para o debate em torno de um projeto de R$ 43 bilhões como o complexo hidrelétrico do rio Madeira é ilegal e por si só muito grave. No entanto, mais grave ainda foi o fato de que os comentários da Ministra Dilma Rousseff não apresentaram o estudo do Dr. Sultam Alam, muito menos seus resultados, de forma correta.
Ao contrário do que declarou a Ministra, o estudo do Dr. Alam teve como objetivo analisar se a engenharia da hidrelétrica de Santo Antônio (parte do complexo do rio Madeira) possibilita uma gestão adequada dos sedimentos, e caso contrário, como pode ser melhorada. Como objetivo secundário, o estudo tentou avaliar o impacto dos sedimentos nas curvas de remanso no reservatório Santo Antônio.
Como os principais impactos ambientais sendo debatidos no âmbito do licenciamento do completo hidrelétrico envolve não a hidrelétrica de Santo Antônio mas a hidrelétrica Jirau - localizada rio acima - que sequer é considerada pelo estudo financiado pelo Banco Mundial, a declaração da Ministra de que "…não tinha a menor hipótese de haver erosão ou sedimentação que comprometesse, do ponto de vista ambiental, as duas usinas…" é simplesmente falsa. Além disso, o fato que o Dr. Alam sugere mudanças na engenharia do projeto nos parece indicar que suas conclusões só podem ser consideradas como "elogios" por alguém que insiste em enganar a sociedade, e aparentemente com o consentimento do Banco Mundial.
Outro grave problema se refere ao fato que outro estudo do Banco Mundial - ainda não finalizado o que nos leva a supor que está sendo analisado e revisado - foi divulgado por motivos políticos. Neste caso do estudo sobre licenciamento ambiental, no dia 11 de maio deste ano, o Secretário Executivo do Ministério de Minas e Energia, Nelson Hubner "apresentou dados de um levantamento ainda não divulgado, realizado pelo Banco Mundial, sobre o licenciamento ambiental no Brasil. Embora não tenha apresentado as conclusões gerais do estudo, o secretário executivo do MME divulgou um dos trechos do trabalho, no qual foram analisados os processos de licenciamento de 63 usinas hidrelétricas entre 1997 e 2006. Nesses casos, a emissão da licença prévia - hoje obrigatória para a realização dos leilões de energia elétrica - levou, em média, 1.188 dias. A legislação ambiental prevê o prazo máximo de um ano, três vezes menor do que acontece na prática".
A Rede Brasil solicitou a cópia deste estudo também e foi informada pelo escritório do Banco Mundial de Brasília, que "Não existe um estudo finalizado. Este é um trabalho em preparação. E é política do Banco só disseminar documentos finalizados, depois de informar o cliente". É extremamente não profissional e um sinal de desrespeito pelo direito da sociedade a informação, que o Banco permite uma divulgação seletiva de partes do estudo ainda não finalizado mas nega qualquer acesso à sociedade civil.
Assim sendo, exigimos:- A imediata publicação de todos os documentos produzidos pelo convênio MME/BM;
- A realização de uma consulta ampla entre o Banco Mundial e organizações da sociedade civil sobre a política energética nacional e o complexo do Rio Madeira;
- A realização de uma consulta do Banco Mundial com especialistas independentes sobre o projeto do rio Madeira.
- Finalmente, esperamos que o Banco Mundial melhore sua atuação e transparência na sua cooperação técnica com o governo Brasileiro já que o processo acima citado viola a própria "política de divulgação de informação" do Banco Mundial.
- Vale ressaltar que qualquer projeto de desenvolvimento precisa passar por uma discussão aberta e democrática e não ser objeto de decisões secretas ou referencias precipitadas resultantes de uma associação entre o setor elétrico e o Banco Mundial. Isso é ainda mais válido para um projeto de alto valor financeiro e potenciais impactos socioambientais como o complexo hidrelétrico do rio Madeira.
Aguardamos uma pronta resposta com sugestões de como o Banco Mundial planeja lidar com as preocupações e exigências aqui citadas. Para isso seria importante contar com a realização de uma reunião entre as Redes abaixo e o Sr, John Briscoe;
Atenciosamente,
Rede Brasil sobre Instituições Financeiras MultilateraisMembros do GT Energia do FBOMS: Instituto Madeira Vivo, Fórum Independente Popular do Madeira, 4 Cantos do Mundo, Greenpeace, International River Network.
(Por Mariane Gusan,
Amazonia.org.br, 18/05/2007)