“O projeto de transposição do Rio São Francisco não vai resolver 1% da seca nos quatro Estados que serão beneficiados”. Essa é avaliação do professor e coordenador do Laboratório de Eficiência Hidráulica e Energética da UFPB, Heber Pimentel Gomes, ao afirmar que o projeto erra no custo-benefício para implementar a irrigação, como também o abastecimento de água. “Será muito caro trazer água da Bacia do São Francisco (mais de 300 km de distância) para apenas irrigar faixas de terras áridas nos Estados do Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará sem qualquer retorno ou viabilidade econômica”, afirma Heber se referindo ao volume de recursos que serão investidos no projeto (R$ 6 bilhões).
Segundo o professor, os quatro Estados que serão beneficiados possuem reservas hídricas suficientes para o abastecimento humano, o que está faltando é o melhor gerenciamento e distribuição dos recursos hídricos para minimizar os efeitos da seca. “Evidentemente há problemas de escassez de água nesses estados, mas a transposição não vai ‘fazer chover’ ou acabar com os carros-pipa como alguns defensores do projeto querem nos fazer acreditar, tampouco resolver o problema da seca. Uma boa política de recursos hídricos ajudaria a minimizar os efeitos da seca. Para implementar a agricultura irrigada não requer apenas água e solo, mas planejamento adequado, pessoal capacitado e mercado consumidor o que no caso não é discutido pelo projeto atual”, frisou.
Na opinião do coordenador do Laboratório de Eficiência Hidráulica e Energética da UFPB essa é a principal falha do projeto de transposição. “Penso que o impacto ambiental ou o volume de água que será destinado ao projeto sejam os problemas centrais, mas sim o custo final do projeto (R$ 6 bilhões) para irrigar e abastecer esses estados. Tive a oportunidade de conhecer várias transposições na Espanha e todas apresentaram um mercado promissor e rentabilidade alta para a agricultura irrigada o que não é o nosso caso com a transposição do São Francisco”, alerta.
Heber Pimentel chega a supor que se houver uma irrigação bem sucedida e a produção de hortifrutis triplicar pergunta: “para aonde será escoada essa produção? Já temos uma demanda reprimida e o mercado atual não comporta maior produção porque a tendência é o preço dos produtos despencarem”, desconfia.
Outro ponto frisado pelo professor é a característica do solo paraibano. “Temos um solo raso, rochoso e limitado para a agricultura, com exceção de alguns pontos de várzeas e regiões ribeirinhas. Diferentemente das margens do Rio São Francisco como em Petrolina e Juazeiro que tem um solo profundo e mais fácil de cultivar. É claro que o solo paraibano pode ser corrigido, mas será mais oneroso e aí entra a viabilidade econômica do projeto”, reitera.
Apesar de promessas do governo federal de tirar do papel o projeto da transposição a partir do próximo mês com a liberação da licença do Ibama em março, o professor Heber Gomes diz que a obra não terá a mesma prioridade da duplicação da BR 101. “Particularmente, duvido que o governo federal leve adiante a liberação do orçamento da transposição nos próximo quatro anos até porque existem demandas em andamento como a duplicação da BR-101 que começou e não está acelerada e é uma obra muito importante para o desenvolvimento do turismo na Região, além disso tem retorno econômico. Inicialmente, o governo federal vai atender os pleitos políticos, mas os recursos prioritários serão para a duplicação”, avalia.
Aesa descarta prejuízo com a transposiçãoDefensores do projeto dizem que água vai minimizar o sofrimento no Semi-Ãrido paraibano o diretor técnico da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa), Laudísio Diniz, disse que o projeto de transposição do Rio São Francisco tem como foco principal o abastecimento d’água das regiões mais pobres do Estado. Segundo o diretor, o projeto vai beneficiar 86 municípios paraibanos e cobrir uma população estimada em torno de 1,8 milhão de pessoas. “O projeto vai levar água para as zonas urbana e rural das regiões mais castigadas pela seca do Estado como o Curimataú e Cariri, além do Brejo que já sofre com abastecimento d’água”, frisou.
Diniz rebateu as críticas do professor Heber Gomes sobre o gerenciamento dos recursos hídricos ao afirmar que o Estado tem um Plano Estadual de Recursos Hídricos. “Atualmente, a Paraíba dispõe de 37 metros cúbicos por segundo para abastecer as diversas regiões, mas a demanda cresceu nos últimos anos e já acumula um déficit de 10 metros cúbicos por segundo.
Se o Estado não for buscar água de fora para suprir o déficit estaremos operando em dificuldades”. Ele citou que a política constante de racionamento que o Estado enfrenta é devido à pressão por mais água e não por falta de gerenciamento dos recursos hídricos. “O projeto da Transposição vem para matar a sede da população, gerar qualidade de vida e aliviar os mananciais. Não temos mais como construir barragens no Estado e o número de açudes já ultrapassa os dez mil. Ou seja, chegamos ao limite, por isso a importância do projeto de transposição”, ressaltou.
Ele acrescentou que a questão da irrigação nas regiões será decorrente do abastecimento, mas a prioridade é para o abastecimento, principalmente da zona rural. “Município como Cabaceira que detém um dos menores índices pluviométrico País será diretamente beneficiada com a transposição. Outro efeito positivo será resguardar os mananciais do Estado. Já a questão da irrigação virá a conseqüência do aumento dos recursos hídricos com a sinergia”, comentou.
Segundo Diniz, as águas do Velho Chico deverão percorrer quase 1.400 quilômetros em canais, açudes e adutoras e leitos no Estado da Paraíba. “Do total de R$ 6 bilhões que o projeto está avaliado, a Paraíba deverá consumir entre R$ 800 a R$ 1 bilhão até o final da construção.
Os eixos de obras de integração de bacias planejados são: o Eixo Leste, que integrará o lago da Barragem de Itaparica, no rio São Francisco, com os rios Paraíba (PB) e Ipojuca (PE), beneficiando regiões populosas e com baixa disponibilidade hídrica; e o Eixo Norte, que sairá do rio São Francisco, próximo à cidade de Cabrobó (PE), e levará água até as bacias dos rios Jaguaribe (CE), Piranhas-Açu (PB/RN) e Apodi (RN). A Paraíba será beneficiada pelos dois eixos, mas o Leste terá prioridade devido à falta de contestação e de prerrogativas. Serão 4,2 metros cúbicos por segundo do Eixo Leste e outros 5,8 metros cúbicos por segundo, mas a previsão do Diretor da Aesa, Laudísio Diniz, é que as águas devem chegar em 2012 no Estado.
Apesar da liberação da licença prévia (quatro anos) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o projeto de transposição do São Francisco também pode esbarrar novamente na Justiça. O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da licença ambiental para a obra a cassação da licença prévia concedida pelo Ibama.
De acordo com a Procuradoria Geral da República, o procurador-geral faz outros pedidos, como a exigência de que as populações indígenas da região e o Congresso Nacional sejam consultadas. O procurador afirma que são várias as violações das normas sobre o licenciamento e o uso dos recursos hídricos. Do outro lado, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, diz que o ministério precisa deixar claro “que esse projeto não prejudica ninguém. Nosso grande desafio é mostrar que o projeto ajuda”.
Segundo Vieira, o Velho Chico detém cerca de 75% de toda a água do Nordeste, e sabe-se que a vida humana só é sustentável quando há a disponibilidade mínima de 1.500 m3 de água por habitante por ano. Como na região a ser beneficiada pelo projeto, essa disponibilidade é, de maneira geral, inferior a 500 m3/hab/ano, a triste realidade é que há menos de um terço do mínimo necessário.
O ministro Geddel Vieira Lima deverá vir à Paraíba esse mês para debater sobre o projeto de transposição de águas do rio São Francisco, durante sessão especial a ser realizada na Assembléia Legislativa do Estado. Segundo o ministro, as obras da transposição não vão começar antes de outubro, por causa da lentidão do processo de licitação. ”Tenho certeza de que o povo, sempre generoso, saberá partilhar de maneira humanitária um bem tão precioso à vida, como a água de beber, com seus irmãos que não têm sequer o mínimo indispensável. Esse é um ditame ético e, conhecendo o Brasil profundo, sei o quanto o nosso povo é nobre”.
Já ambientalistas e ongs defendem que o governo coloque em prática projetos de revitalização do rio. A sugestão do movimento é que sejam feitas 530 obras espalhadas por mais de mil municípios. Esse projeto, sugerido pela Agência Nacional de Águas, órgão do próprio governo federal, atenderia mais pessoas e custaria cerca R$ 3,5 bilhões – metade do que está previsto para a transposição.
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Jornal da Paraíba, 21/05/2007)