O Instituto Ethos realizou esta semana, em São Paulo, um seminário intitulado "Desafios para a Gestão Sustentável das Empresas de Comunicação". O evento faz parte do esforço da instituição, por intermédio da Rede Ethos de Jornalistas, para sensibilizar os editores e gestores da imprensa para o tema sustentabilidade. O resultado dos debates será encaminhado a uma sessão especial programada para 12 de junho, durante a "Conferência Internacional Empresas e a Responsabilidade Social 2007".
Dirigentes do Ethos e jornalistas vinculados à Rede Ethos têm dificuldade para entender a demora da grande imprensa em incorporar o tema ao dia-a-dia da cobertura jornalística, embora, nas últimas semanas, a questão ambiental – a parte da temática sobre sustentabilidade com maior vocação para produzir convergências – tenha freqüentado bastante o noticiário, basicamente em função dos recentes relatórios científicos e econômicos sobre mudanças climáticas. A questão que se apresenta, a partir desta semana, trata das razões pelas quais parece tão difícil inserir os paradigmas da sustentabilidade na gestão das empresas de mídia.
Não há muito o que especular a respeito. As empresas de comunicação vêm tentando, há quase duas décadas, alcançar o rabo da modernidade, e esta parece sempre mais lépida do que a qualidade de gestão das companhias, quase todas ainda geridas pelo modelo familiar. Desde que o antigo Jornal do Brasil, ainda na década de 1950, liderou uma verdadeira revolução, trocando o estilo doutrinário, baseado na adesão de correligionários, pelo uso intenso de reportagens enriquecidas pela análise, em raros momentos a imprensa conseguiu um desempenho que surpreendesse favoravelmente o leitor.
Jornalismo de serviçoOs jornais que sobreviveram ao golpe de 1964 – todos os que hoje formam a grande imprensa – demoraram quase dez anos para entender que vivíamos sob uma ditadura militar. Os dez anos seguintes foram de luta. Jornalistas de esquerda fizeram a diferença, muitas vezes à revelia das melhores práticas jornalísticas, ajudando a erigir lideranças comprometidas com a redemocratização e se equilibrando no estreito espaço de expressão para fazer passar as mensagens da mudança.
Após o reordenamento institucional do país, com a volta das eleições diretas, houve alguns bons casos, pontuais, como durante a preparação da Constituinte de 1988, quando os grandes jornais se empenhavam em uma competição que consideravam de morte – predominava, na época, a convicção de que haveria espaço para apenas um grande jornal em cada cidade importante do país. Ou no episódio da sucessão do presidente João Figueiredo, ampliado pela morte de Tancredo Neves, ocorrida oficialmente em 21 de abril de 1985.
Fora isso, o que houve foi o chamado "esforço de reportagem", quando bons resultados de cobertura e análise dependiam de talento ou dedicação pessoal. O Projeto Folha, e logo a seguir o Projeto Estadão, ambas iniciativas reproduzidas como ondas pelo Brasil afora, tiveram como produto mais visível a melhora do jornalismo de serviço, do qual grande parte das empresas jornalísticas ainda tira boas receitas, com os guias, rankings e cadernos temáticos onde floresceu um tipo de pauta que se equilibra perigosamente perto dos interesses da área comercial.
O leitor, esse ingratoNessas duas décadas, o avanço na qualidade da gestão das empresas de comunicação se deu sempre com grande atraso em relação a outros setores empresariais. Os programas de qualidade começaram, nos jornais e editoras de revistas, dez anos depois da indústria em geral, e os projetos de "reengenharia" se tornaram moda nas empresas jornalísticas quando os outros setores já tratavam de corrigir as distorções e perdas provocadas pela gestão obcecada por cortes de custos e controle em processos lineares.
Jornais e editoras de revistas enriqueceram as consultorias e dessa parceria surgiu o sonho de consumo de muitos gestores da época: o jornal sem jornalistas. Vem daí, dessa origem sem nobreza, o debate sobre a obrigatoriedade do diploma específico para o exercício do jornalismo.
Um editor do falecido Notícias Populares, se tivesse que fazer a manchete sobre essa associação entre consultores espertos e gestores oportunistas, teria tascado: "Pacto de sangue entre anormais". O modelo provou que, sim, pode-se fazer jornal sem o jornalista típico, aquele chato que desconfia da pauta, questiona as premissas do chefe e não aceita tomar "furo". As redações encolheram, os profissionais foram empurrados para o córner, tendo que escolher entre abdicar de direitos ou ser nocauteados pelo desemprego.
Os jornais ficaram mais levezinhos, cheios de figuras, com um texto mais digestivo. Mas o leitor, esse ingrato, sumiu. Confrontada com o crescimento populacional e o grau médio de educação dos brasileiros, a circulação dos diários perdeu mais de um milhão de leitores nos últimos dez anos. Por que será?
Tarefa para abnegadosA rigor, as empresas de comunicação nunca andaram de mãos dadas com o melhor da gestão. Fábricas de salsicha – como a Sadia – ou indústrias de cosméticos – como a Natura – trabalham de forma muito mais inteligente seu patrimônio de conhecimento do que a imprensa – que alguns românticos ainda chamam de "indústria do conhecimento". Jornais, revistas e outras empresas de mídia não primam pela melhor gestão de seus recursos humanos. Não cultivam o gosto pela inovação. São essencialmente empresas conservadoras.
A julgar pelas informações do seu site, o Comitê de Gestão da Associação Nacional de Jornais não tem um evento sequer sobre sustentabilidade programado para o ano de 2007. Em São Paulo, segundo o Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentável (Cebds), mais de 60% de todos os eventos empresariais deste ano são dedicados ao tema.
A III Conferência Ibero-Latinoamericana de Revistas – o mais importante acontecimento do setor no continente – desenrolou-se em novembro do ano passado, em São Paulo, tendo como tema central os "desafios e oportunidades" que "estão surgindo com a mídia digital". Ora, a mídia digital está aí há mais de dez anos, pronta para virar sua versão 3.0. Enquanto isso, o resto do mundo discute as possibilidades de um sistema econômico sustentável. Falar de sustentabilidade num ambiente como esse é tarefa para abnegados. Jornalistas costumavam ser abnegados.
(Por Luciano Martins Costa,
Envolverde/Observatório da Imprensa, 15/05/2007)