O mesmo gás que costuma matar pessoas desavisadas em garagens fechadas pode ser a esperança para salvar uma parte do milhão de vítimas que a malária causa por ano, especialmente entre crianças pequenas na África.
Estudo feito por 13 pesquisadores em Portugal e na Hungria, incluindo uma brasileira, mostra que o monóxido de carbono - aquele que sai do escapamento dos automóveis - pode diminuir os danos da malária cerebral, a forma mais letal da doença. A pesquisa, feita com camundongos, está publicada na revista científica "Nature Medicine" pelos grupos liderados por Miguel Soares, do Instituto Gulbenkian de Ciência, e Maria Mota, atualmente no Instituto de Medicina Molecular.
A equipe inclui a brasileira Sabrina Epiphanio, de São Paulo, pesquisadora dos dois institutos localizados em Lisboa. O parasita da malária, que pode chegar ao cérebro nos casos mais graves da doença, causa grande destruição dos glóbulos vermelhos sangüíneos. Parte do pigmento vermelho dessas células, a hemoglobina, liberada na corrente sangüínea, leva à formação da substância heme (ou hematina).
Essa molécula, vinculada à malária cerebral, é letal para as células. Tanto os roedores quanto os humanos costumam produzir uma enzima (a HO-1) para lidar com esse processo fatal. "O que nos levou ao monóxido de carbono foi mostrar que roedores que aumentam a expressão da heme-oxigenase-1 (HO-1) no cérebro durante uma infecção estão mais protegidos que roedores que não o fazem. A atividade da HO-1 leva à produção de monóxido de carbono e daí a ligação", disse à Folha de São Paulo a pesquisadora Maria Mota.
Resta saber se o letal gás das garagens frias poderá servir em terapias em seres humanos. "É difícil responder. Primeiro será preciso averiguar se o mesmo sistema funciona em infecções de malária em humanos, e como funciona. Só depois será possível pensar nessa possibilidade", diz a pesquisadora. Mas há bons indícios. Segundo Miguel Soares, "há uma empresa que está a fazer estudos nesse sentido. Portanto a mensagem é que é possível, mas ainda não foi feito".
(Por Ricardo Bonalume Neto, Folha Online, 15/05/2007)