Contratada com um salário fixo de R$ 800 para trabalhar na colheita de batatas, a lavradora Maria Guia Pereira perdeu o sono depois que uma usina alagoana de açúcar e álcool, a Triunfo, foi instalada nos arredores do município de Santa Juliana, no Alto Paranaíba. A exemplo dos demais trabalhadores rurais da região, ela tem medo de perder o emprego. “O pessoal daqui de Minas não sabe cortar cana não, seu moço. Isso é trabalho para maranhense e alagoano. Meu marido, que ganha em torno de R$ 900, também não entende de cana. Então, vai começar a faltar emprego”, prevê Maria Guia.
O patrão da lavradora, o fazendeiro Antônio Ferreira Guimarães, também anda preocupado com a febre do álcool que passou a contagiar a região. Segundo ele, toda a riqueza do município, que tem batido recordes consecutivos na produção de batata, cenoura e alho, está ameaçada. Antônio lembra que a agricultura e a pecuária são responsáveis por 80% da arrecadação de Santa Juliana. “Saem daqui, por dia, 70 caminhões lotados de batata para São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Então, está claro que vai faltar alimento se houver só cana-de-açúcar”, afirma Guimarães.
Com uma população de cerca de 8 mil habitantes, Santa Juliana é uma típica cidade pacata do interior de Minas, que preserva as tradições folclóricas. Organizadas pelos moradores, com o objetivo de arrecadar recursos para a paróquia, as cavalgadas aos domingos são um exemplo do apego às raízes culturais. Depois de percorrer as principais fazendas de agricultura, cavaleiros se reúnem em festas em bares e praças.
Coordenador das cavalgadas, o técnico em informática Robson Lemos Ribeiro acredita que o clima de tranqüilidade do município estará ameaçado com a vinda desordenada de trabalhadores do Nordeste do país para trabalhar no corte de cana. Segundo ele, a cidade não tem estrutura para receber tanta gente. “Nosso medo é que Santa Juliana acabe sendo afetada como foi Delta, município para o qual os canaviais levaram todos os tipos de violência”, afirma.
O impacto da cana preocupa também os moradores de Iraí, outro pólo importante na produção de grãos em Minas. Vizinho de Nova Ponte, onde em breve será construída uma usina de açúcar e álcool, o município começa a ser tomado por canaviais. As plantações já chegaram ao perímetro urbano. Colonizado por agricultores gaúchos, que introduziram a soja no seu território na década de 1980, Iraí tem 27 mil hectares de soja, café e feijão. Segundo estudo da cooperativa agrícola local, em cinco anos cerca de 10 mil hectares da área hoje destinada à agricultura no município estarão tomados pelos canaviais. “Não podemos brecar o desenvolvimento, mas o surgimento dos problemas sociais será inevitável”, diz o vice-prefeito João Batista Píres.
Falta habitaçãoO impacto social da cana já pode ser percebido em alguns municípios das duas regiões, que começam a enfrentar o problema da falta de moradia. O preço dos imóveis dispararam em cidades nas quais foram instaladas usinas. O valor do aluguel de um barracão de dois cômodos pode chegar a R$ 300. Nesses pequenos espaços moram até sete bóias-frias nordestinos. “Não sobra dinheiro nem para comer direito. Por isso, divido esse casebre com os amigos”, conta o cortador de cana Geraldo Alves. Natural do Ceará, ele mora em um barraco de dois cômodos com sete companheiros, em Conceição das Alagoas, no Triângulo.
Problemas como esse são denunciados cada vez com mais freqüência aos procuradores do Trabalho. De acordo com o procrador Eliaquim Queiroz, de Uberlândia, no Triângulo, nos últimos dois meses foram registradas cerca de 10 queixas contra empreiteiros, acusados de explorar cortadores de cana. “Os problemas mais comuns são aliciamento de trabalhadores, falta de registro em carteira, preços abusivos cobrados dos lavradores nos armazéns e péssimas condições de moradia em locais nos quais falta até mesmo água potável”, revela.
(Por Amaury Ribeiro Jr.,
Estado de Minas, 15/05/2007)