Esse artigo vem a propósito dos comentários feitos pelo engenheiro Luciano Pizzatto sobre a Instrução Normativa do IBAMA (IN 109/06), no jornal Ambiente Brasil, em 17 de abril passado, sob o título: "
Até matar mosquito passou a ser crime: erro ou brincadeira!".
Deixando de lado as questões "legais" e das possíveis interpretações que a leitura da IN 109/06 possa gerar - um excelente exercício para os estudantes de "direito" da Universidade de Arribanas Novas -, trato apenas da questão ética relativa a um de seus objetos: "Abelhas", que aparece encabeçando a lista de "artrópodes nocivos" (Art. 5º, § 1º, a), definidos como aqueles que... "impliquem em transtornos sociais, ambientais e econômicos significativos".
Supõe-se que quem redigiu este Artigo tinha como conceito de abelha a Apis mellifera - espécie social, com ninhos muito populosos, portadora de ferrão, e que pode reagir, em enxame, quando perturbada pelo homem ou outro animal, provocando, às vezes, acidentes graves. Mas classificar esse inseto como nocivo é, no mínimo, ignorância. Os produtos e serviços gerados por essa espécie de abelha, como o mel, cera, geléia real, polinização etc. são intensamente explorados pelo homem, praticamente em todo o mundo, desde tempos imemoriais, e geram bilhões de dólares anualmente.
Criar normas para tudo parece que se transformou em um fim em si mesmo. Lembra a época dos fatídicos "fiscais-do-Sarney", que incluíram na lista dos produtos com preços congelados, os preços do "toucinho com osso" e do "toucinho sem osso".
Os "fazedores-de-normas", obviamente, não têm conhecimento de que existem milhares de espécies de abelhas, todas, no mínimo, de grande significado como agentes polinizadores. Dentre elas, podemos destacar as espécies de abelhas sociais-sem-ferrão (Meliponini), nativas, produtoras de mel, como as "jaty", "mandaçaia", "uruçu" e muitas outras.
Algumas das que toleram o ambiente antrópico (aliás, se não tivessem essa tolerância estariam condenadas à extinção) e que nidificam em buracos em paredes, em túmulos em cemitérios, em ocos e galhos de árvores em parques e jardins (não em alguns jardins de Ribeirão Preto, onde as árvores ocadas estão sendo derrubadas), etc., defendem vigorosamente seus ninhos, como as abelhas "canudo" (Scaptotrigona spp), "xupé" (Trigona hyalinata), "irapuá" (Trigona spinipes), mordendo o intruso, mas sem causar maiores danos. Estariam elas, também classificadas como "artrópodes nocivos"? Atente-se para o paradoxo: o próprio Ministério do Meio Ambiente tem um programa para conservação dos polinizadores!
Agora o IBAMA está sendo desmantelado pela Medida Provisória 366/07, de 26/04/07 (mais uma!) preparada pelos fazedores-de-normas de um escalão um pouco superior (em que?!). O novo órgão, que tratará da "biodiversidade", e que certamente deverá baixar novas Instruções Normativas, Resoluções, Portarias, etc., foi batizado com o nome de um compadre da Ministra (que confunde a coisa pública com o compadrismo partidário). Esperem só para ver...
Só para lembrar, uma outra Instrução Normativa (IN 154/07, de 01/03/2007) estabelece, entre outras coisas, que os Professores de Zoologia deverão se cadastrar no SISBIO/IBAMA e submeter a ementa das disciplinas para as devidas autorizações... Nem o Mussolini foi tão imaginativo!
(Por João M. F. Camargo (*),
Ambiente Brasil, 10/05/2007)
* É docente do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo e pesquisador do CNPq. Trabalha com sistemática e biogeografia de abelhas, especialmente Meliponini (abelhas-sem-ferrão).