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2007-05-15
O pintor capixaba Kléber Galvêas continua insatisfeito com a falta de providências para minimizar a poluição gerada pelas companhias Vale do Rio Doce (CVRD) e Siderúrgica de Tubarão (CST). Através da internet, o artista está divulgando o texto "A cidade e o vento", onde critica o envolvimento do setor público com as grandes empresas e a concessão da licença para a expansão da CVRD.

"Seremos sempre vendidos no mercado livre dos interesses particulares. A melhoria das condições atmosféricas só acontecerá com uma reforma política que alcance o financiamento das campanhas eleitorais. Não é humano (racional) o governo que concede licença para expansão de uma indústria, que vem se mostrando incompetente para resolver os problemas que criou em área densamente povoada".

Segundo Kleber, a CVRD armazena e processa na Ponta de Tubarão quantidades fabulosas de ferro prejudicando a saúde e o bem-estar do capixaba, que já não pode, sequer, ficar nas varandas de suas casas, devido à grande quantidade de pó preto que impregna o chão, móveis e paredes.

A localização do empreendimento é impróprio e a expansão na região, segundo avaliam ambientalistas capixabas, é insistir em um erro. Para o artista, a região também é considerada inadequada, já que sofre influência direta dos ventos que levam para toda a Grande Vitória vestígios desta poluição.

"A cor, brilho, densidade e o teste do imã denunciam a contribuição da siderurgia á poeira atmosférica na Grande Vitória", diz o texto. Segundo Kleber, os capixabas vivem dentro de uma calota de ar saturado de partículas de ferro. Ele ressalta que é possível ver uma densa borda grande dessa calota, ao olhar para o horizonte sobre o mar.

Ainda assim, a CVRD irá se expandir. Com a expansão a empresa, aumentará em 45% sua produção e, consequentemente, aumentará a poluição gerada por ela. Ambientalistas alertam que, como a empresa nunca se empenhou em solucionar o problema, dificilmente se empenhará para impedir que a poluição cresça no ar da Grande Vitória.

A CVRD inaugurou sua primeira usina de pelotização em Tubarão em 1969. Desde então, o custo médio dos moradores da Grande Vitória para tratar das doenças provocadas pela empresa é R$ 65 milhões por ano, o que totalizou em 2006 R$ R$ 2.405.000.000,00.

No ano passado a CVRD teve lucro líquido de R$ 13,431 bilhões. A Vale é a principal poluidora da Grande Vitória: responde por 20-25% das 264 toneladas diárias (96.360 toneladas/ano) de poluentes lançados no ar da Grande Vitória.

Veja o texto de Kleber Galvêas na íntegra:
A CIDADE E O VENTO

Ouvindo falar em poluição atmosférica das cidades, pensamos em automóveis e na construção civil. É certo que estas são fontes poluidoras sempre presentes nestes ambientes. Entretanto a insistência nestes fatores, aqui no Espírito Santo, tem colocado uma cortina de fumaça em nossos olhos. Objetiva minimizar a substancial contribuição da atividade siderúrgica, impropriamente desenvolvida na Ponta de Tubarão, a sotavento da Grande Vitória.

Belo Horizonte e outras capitais têm mais automóveis circulando e maior atividade na construção civil do que Vitória. Entretanto se você circular por estas cidades, vai observar famílias reunidas nas varandas, muitas vezes comendo. Na nossa orla (menos vulnerável a automóveis e construções) não se observa, de ponta a ponta, a utilização das varandas abertas. Não adianta limpar; a poeira negra, densa e viscosa, emporcalha tudo em minutos. Anula este espaço privilegiado das casas e apartamentos.

A cor, brilho, densidade e o teste do imã denunciam a contribuição da siderurgia á poeira atmosférica na Grande Vitória. Belo Horizonte está localizada numa "cratera" de minério de ferro. Entretanto se esfregarmos um imã na poeira mineira, ela não dança no compasso dos seus movimentos.

Vivemos dentro de uma calota de ar saturado de partículas de ferro. Usando óculos com lentes avermelhadas (de camelô da esquina) podemos ver a densa borda desta grande calota, olhando para o horizonte sobre o mar. Encontramos ferro passando um imã na poeira, que chega a todo instante em nossas casas.

Nossa Constituição e o site do Ministério da Saúde têm a justificativa e o roteiro para resolver este problema. Falta aos nossos políticos, gestores do interesse social, motivação para trabalhar neste sentido.

Não haverá ação legal eficiente, enquanto os partidos dependerem da contribuição em dinheiro das grandes empresas, para darem mais brilho e menos conteúdo às suas campanhas eleitorais. Seremos sempre vendidos no mercado livre dos interesses particulares. A melhoria das condições atmosféricas só acontecerá com uma reforma política que alcance o financiamento das campanhas eleitorais.

Não é humano (racional) o governo que concede licença para expansão de uma indústria, que vem se mostrando incompetente para resolver os problemas que criou em área densamente povoada. Lutar, a beira mar, contra a força do vento nordeste capixaba; querer armazenar e processar ali, quantidades fabulosas de ferro: é temeridade quixotesca; ainda que esses quixotes modernos tenham recursos quase infinitos, inteligência, e apurada formação acadêmica. O desempenho deles na área financeira, elevando o preço do minério e multiplicando o patrimônio da empresa, é atestado de altíssima competência em gestão financeira. Talvez esteja neste retumbante sucesso empresarial a maior dificuldade para uma reflexão humana. Humildade é condição para se reconhecer o erro e arrumar as malas, se afastar de Tubarão. Dois ou três km para o interior, segundo Rusch e Bergman, minimizariam o problema com o vento.

Há mais de 2 mil anos, cidadãos fenícios conseguiram impedir que oficinas de tingir tecidos se instalassem a sotavento das grandes cidades. O pigmento purpúreo utilizado era obtido pela putrefação de moluscos apanhados no Mediterrâneo. O mau cheiro uniu os moradores, para esta conquista no primitivo Líbano. Nossos imigrantes libaneses nos ensinaram a arte do comércio, mas esqueceram da milenar lição ecológica. A Associação Comercial de Vitória, dos anos 60/70, defendendo sua praça, apoiou a instalação das indústrias em Tubarão. A convivência com elas (30 anos) e observação de seguidos fracassos para reduzirem a poluição, exigem reflexão e ação.

(Por Flávia Bernardes, Século Diário, 15/05/2007)
 
 

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