Na noite de 9 de novembro de 2006, ao ser preso na BR-101 transportando caixas de uísque e vinho trazidas ilegalmente do Uruguai, o vereador Juarez Silveira (sem partido) imaginou ter sido denunciado por algum adversário político. O parlamentar da Capital, que ganharia a liberdade dias depois, não desconfiava, mas já era alvo da Operação Moeda Verde da Polícia Federal (PF).
Nos rastros do homem apontado como chefe de ilegalidades em favor de grandes empreendimentos da Capital, a polícia documentou um influente articulador de “favores” e protagonista de uma vida de luxo. Interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça revelaram desconfianças de comportamento da figura pública e certos poderes que exerceria para beneficiar amigos. E o fato de Juarez falar muito ao telefone ajudou a PF.
Homem forte do prefeito Dário Berger, assumiu a condição de líder do governo e conseguiu emplacar o cunhado Renato Joceli na estratégica Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos (Susp).
O investigado da delegada Julia Vergara tem renda mensal declarada em depoimento de R$ 14 mil: R$ 6 mil do salário de vereador, R$ 7 mil como diretor da Codesc (Companhia de Desenvolvimento do Estado de SC) e R$ 1,1 mil que ganha como síndico do condomínio Century Plaza Beiramar, em Florianópolis.
Ao ser preso pela segunda vez, no dia 3, como suspeito de encabeçar um esquema de compra e venda de licenças ambientais, Silveira teve cinco veículos de luxo apreendidos cujos valores ultrapassam os R$ 400 mil. Uma Mercedes Benz modelo SLK 230 (ano 2006) de R$ 210 mil, um New Beetle (ano 2007) de R$ 63 mil, um Jeep Cherokee Sport (ano 2006) de R$ 160 mil, um Peugeot 307 (ano 2006) de R$ 50 mil e um Audi A3. Ele alegou que a Cherokee e o Peugeot eram emprestados.
Juarez Silveira, vindo de uma família humilde que, durante décadas, morou no Morro do Geraldo, é vereador pelo quinto mandato (desde 1988) na Capital e foi funcionário do Bescri, empresa de crédito imobiliário vinculada ao Besc. A PF apura os sinais de riqueza e tenta encontrar indícios de associação com as denúncias levantadas pela Moeda Verde. O apartamento em que mora, na Beira-mar, está avaliado por ele mesmo em R$ 440 mil. O juiz da Vara Federal Ambiental, Zenildo Bodnar, autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Juarez. “Estamos investigando a incompatibilidade da riqueza ostentada com os seus vencimentos”, confirma a delegada Vergara.
O parlamentar ainda enfrenta dor-de-cabeça por suspeitas de enriquecimento ilícito desde 2001. Responde na Justiça Federal a um processo relacionado à sonegação fiscal. A acusação diz respeito ao imposto de renda pessoa física ano de 2001. O Ministério Público Federal constatou que ele teve rendimentos superiores a R$ 480 mil no ano 2000 e declarou apenas R$ 89 mil. O mérito ainda não foi julgado.
O tradicional papo de futebol, previsão do tempo e política nas rodas de bar e em bancos de praças de Florianópolis deu lugar a um outro tema desde o dia 3, quando policiais federais desencadearam a Operação Moeda Verde. As prisões e suspeitas de práticas ilíticas por servidores públicos, empresários e políticos foram incluídas nas conversas do cotidiano.
No Mercado Público, tradicional ponto de encontro do centro da Capital, comerciantes garantem que elas motivaram as principais rodadas de chope. A poucas quadras dali, nas escadarias da Catedral, estudantes e sindicalistas usaram o local para pedir punição aos supostos responsáveis por irregularidades. A manifestação, quinta-feira à noite, reuniu 150 pessoas. “Ilha da magia, ela é do povo, não é da burguesia”, gritavam em coro os participantes. Teve quem aproveitou o momento como palanque: “Investigação e CPI são ilusões e tudo vai continuar na mesma. A mobilização dos trabalhadores é mais importante”, discursou Gilmar Salgado, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU).
Houve reações mais acaloradas na avenida Beira-mar, na frente da Superintendência da Polícia Federal. A todo momento motoristas passavam buzinando e fazendo referência aos fatos. O inquérito da PF apura suspeitas de crimes ambientais, formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva e ativa.
O advogado Rodrigo Roberto da Silva, responsável pela defesa do vereador Juarez, diz que o seu cliente nega todas as acusações da Polícia Federal e que não há nenhuma prova do seu envolvimento em atos ilegais.
Silva afirma que as informações bancárias e fiscais de Juarez mostrarão que ele não teve qualquer enriquecimento ilícito. Sobre os carros do político, afirmou que ele é dono de dois veículos (Audi e New Beetle) e que os comprou por meio de financiamentos. Silva questiona a operação Moeda Verde: “Foi algo pirotécnico. Não havia a necessidade de prisões. Poderiam intimar as pessoas e ouvi-las em depoimentos. Eu penso que os empresários deveriam até entrar com pedido de indenização contra a União”, argumenta.
A mulher de Juarez Silveira, que pediu para não ter o nome citado, o visitou quarta-feira na prisão. Disse acreditar na inocência do marido com quem é casada há dois anos, que está com muito medo do que aconteceu e preocupada com o estado de saúde de Juarez. AN tentou ouvi-lo durante a semana, mas o acesso não foi permitido.
O que a PF levantou no esquema de compra e venda de licenças ambientais e mudanças nas leis em favor de grandes empreendimentos
Após nove meses de investigação, a Polícia Federal deflagra a Operação Moeda Verde em Florianópolis e Porto Alegre. São expedidos 23 mandados de prisão temporária
e 30 de busca e apreensão.
Os suspeitos são empresários, políticos e servidores de órgãos públicos da Prefeitura da Capital (Fundação Municipal do Meio Ambiente/Floram), Secretaria Municipal de Urbanismo e Serviços Públicos (Susp) e do governo do Estado (Fatma).
Dezoito pessoas são presas em Florianópolis e duas em Porto Alegre. No mesmo dia, após depoimento, são liberados Aurélio Remor, Percy Haensch e Margarida Milani de Quadros.
O vereador Juarez Silveira é apontado pela PF como o chefe da suposta quadrilha. A arquiteta do shopping Iguatemi, Margarida de Quadros, confirma, em depoimento, o pagamento de propina no valor de R$ 20 mil pelo shopping a um funcionário da Susp. O objetivo era comprar a liberação do "habite-se". Cinco presos são transferidos para o Presídio Masculino de Florianópolis. Mais quatro são liberados pela Justiça: Fernando Marcondes de Mattos, Paulo Toniolo Júnior, Amilcar da Silveira e Gilson Junckes.
Manifestantes promovem ato de apoio à PF em frente à sede da superintendência. Mais oito presos são liberados: Aurélio Paladini, Rodrigo Bazzo, Hélio Chevarria, Péricles de Freitas Druck, Fernando Soledade, Itanoir Cláudio, Marcelo Vieira e Francisco Rzatki. O empresário Paulo Cézar da Silva, que ainda não havia sido localizado, se apresenta e é liberado após prestar depoimento.
O empresário Carlos Amastha, construtor do Floripa Shopping (que não está entre os empreendimentos investigados) depõe na PF.
Cinco suspeitos têm a prisão preventiva decretada pela Justiça. São eles: Juarez Silveira, André Luiz Dadam (ex-funcionário da Fatma), Renato Joceli de Souza (secretário afastado da Susp), Rubens Bazzo (servidor da Susp) e Marcílio Ávila (presidente da Santur). Os cinco tiveram quebra dos sigilos fiscal e bancário decretada, além de Francisco Rzatki e Marcelo Vieira.
Marcílio Ávila se apresenta à PF, presta depoimento de cinco horas e é liberado pela Justiça. À noite, em reunião com o governador Luiz Henrique, Ávila
é mantido no cargo.
O empresário Carlos Amastha leva mais denúncias à PF, fala em pedidos de propina, mas não cita nomes. A Câmara de Vereadores aprova a criação da CPI Moeda Verde.
A delegada Julia Vergara começa a analisar os 30 malotes de documentos apreendidos com os suspeitos, em escritórios e órgãos públicos.
PF terá 30 dias (desde o dia 9) para enviar relatório final do inquérito à Justiça Federal.
A delegada Júlia Vergara, que comanda as investigações, se dedica agora ao material apreendido na casa ou escritórios dos suspeitos e em órgãos públicos. Haverá também perícia nos computadores.
Após a análise, a PF deverá estudar se indicia ou não os suspeitos por crime contra o meio ambiente, formação de quadrilha e contra a administração pública.
Depois de receber o relatório, o juiz encaminha para o Ministério Público Federal, que decide se denuncia ou não os suspeitos e reencaminha o documento ao juiz.
Com base no parecer do MPF, o juiz decide se aceita ou não a denúncia contra os acusados. Se aceitar, eles são processados e viram réus.
(Por Diogo Vargas, A Notícia, 13/05/2007)