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2007-05-10

A disputa dentro do governo Lula para a liberação da licença ambiental prévia das usinas hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia, colocou mais do que simplesmente os bagres amazônicos na ordem do dia. Depois que o parecer negativo do Ibama sobre os empreendimentos se tornou público, ficou claro que além dos peixes, há dúvidas sobre a retenção de sedimentos nas barragens Santo Antônio e Jirau. Entretanto, tão logo os questionamentos sobre a carga de sedimentos no Madeira entraram em jogo, os ministros de Minas e Energia, Silas Rondeau, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, declararam a jornalistas que a preocupação era injustificada, pois o consultor internacional Sultan Alam apontou em um parecer que tal problema não afeta as hidrelétricas.

Paquistanês radicado na França, Alam é considerado um dos principais consultores da área de sedimentologia em todo mundo por pessoas do setor. Seu parecer foi encomendado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em dezembro passado e concluído em fevereiro deste ano, abrangendo apenas Santo Antônio. O Eco obteve com exclusividade o relatório completo de Alam e o submeteu à análise de técnicos no tema. Eles apontaram que, de fato, o consultor mostra um impacto menor do que o esperado dos sedimentos na operação das barragens. Segundo Alam, o estudo de impacto ambiental elaborado por Furnas e Odebrecht superestima a sedimentação nos reservatórios.

“Nós achamos que esta conclusão é muito conservadora uma vez que as velocidades de fluxo nas áreas de aproximação da casa de força e vertedouro durante a cheia anual de 40.000 m³/s, por um período de um mês e meio ou dois meses, devem ser altas suficientemente para remover as areias acumuladas durante os períodos de baixa vazão”, diz o relatório sobre a estimativa do estudo de impacto ambiental (EIA) de que, em 50 anos, o nível de sedimentos acumulados chegará a 61,63 metros.

Na quinta-feira passada , dia 3 de maio, durante audiência pública na Câmara dos Deputados sobre os empreendimentos no rio Madeira, muitos parlamentares quiseram saber do presidente interino do Ibama e chefe de gabinete de Marina Silva, Bazileu Margarido, por que o relatório de Sultan não havia sido considerado no parecer dos técnicos do licenciamento que negava a viabilidade das usinas. Margarido explicou que apenas recentemente uma cópia traduzida fora entregue ao órgão e que, a partir de agora, ela será considerada no processo de licenciamento.

No entanto, o Ibama levantou uma dúvida importante sobre as opiniões de Sultan Alam. Um técnico que participou como consultor do licenciamento, e prefere não se identificar, resume a celeuma. “Se está tudo tão certo como diz a Dilma, por que o Sultan propõe mudanças na configuração dos projetos em seu relatório?” Quem lê o documento entregue pelo consultor internacional pode comprovar que na página 41 ele enumera uma série de mudanças que considera essenciais no projeto de Furnas e Odebrecht, entre elas a diminuição da superfície do reservatório em 1000 metros. Além disso, o relatório foi feito apenas com base em estudos entre os dias 15 e 17 de dezembro na barragem de Santo Antônio. A de Jirau não foi pesquisada.

As dúvidas também rondam os gabinetes da diretoria de licenciamento do Ibama. No mesmo dia em que deputados questionavam o presidente interino do órgão na audiência na Câmara, o diretor de licenciamento Valter Muchagata encaminhou ao Ministério de Minas e Energia um ofício em que pede esclarecimentos sobre o que exatamente significam as mudanças propostas por Sultan. “Solicito informação (...) quanto à proposição de forte recomendação de alterações importantes no conceito e layout do projeto que permitiriam a melhoria do conceito de projeto, economia de custo e redução do tempo de construção podendo diminuir em 1 (um) Km a largura total da barragem, uma vez que mudanças no arranjo das usinas podem trazer reflexos ambientais”, diz o documento do Ibama.

O responsável pelo Programa Segurança e Saúde do Trabalho e Meio Ambiente da Odebrecht, Sérgio França Leão, garante que “sugestões” para a otimização das barragens são comuns neste ponto do empreendimento. Quando forem definidos os projetos básicos das obras muitas mudanças poderão ser feitas, diz. De toda forma, Leão não acredita que as recomendações de Sultan serão atendidas integralmente por quem ganhar o leilão para construir Santo Antônio e Jirau. “O projeto que foi aprovado na Aneel leva em consideração todos os aspectos econômicos e sociais da área. Não creio que o Sultan tenha tido tempo de observar todas estas variáveis”, pondera.

O Eco ouviu um técnico do governo ligado ao setor hídrico que tem opinião semelhante a de Leão. Ao analisar as mudanças propostas no relatório de Sultan, ele as considerou como algo normal e que não atestam que o EIA de Furnas e Odebrechet esteja errado. Procurado para esclarecer qual a real dimensão dos problemas que encontrou no projeto das hidrelétricas, Sultan Alam disse de seu escritório em Paris que não se sentia confortável para falar “diretamente com jornalistas” e que deveríamos procurar o Ministério de Minas e Energia, que encomendou o parecer.

Acima dos pareceres
Confiante, o secretário-executivo do Ministério de Minas Energia Nelson Hubner aguarda para breve uma solução quanto às usinas no Rio Madeira, orçadas entre R$ 25 bilhões e R$ 28 bilhões. Tratam-se dos primeiros empreendimentos a serem licenciados naquele afluente do Amazonas. Ele avisa que consultores como Sultan Alam e outros que avaliaram questões como acúmulo de sedimentos, novas turbinas e parâmetros das barragens não foram contratados para emperrar ou esclarecer o problema do licenciamento. "Queremos apenas que os empreendimentos tenham viabilidade técnica para que possam ser leiloados pelo menor preço", diz.

Hubner também minimiza a importância das alterações propostas por Sultam à barragem de Santo Antônio. "Se um empreendendor ganhar o leilão e entender como válidas as sugestões do Sultan, deverá submeter essas alterações ao Ibama", afirma.

Para ele o que mais preocupa é o perigo do país se voltar a fontes mais poluentes como carvão e gás se não licitar as hidrelétricas. Nem a energia nuclear Hubner descartou e lembrou que países desenvolvidos já aproveitam quase a totalidade de suas fontes hidrelétricas, enquanto o Brasil poderia avançar muito nessa área. Expandir essa fonte só utilizando a Amazônia, onde as maiores áreas de aproveitamento hidroelétrico estão próximas a dezenas de unidades de conservação e terras indígenas.

O que falta responder
Carlos Eduardo Tucci, pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidraúlicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, analisou o relatório de Sultan Alam e alerta que se tratam de conclusões preliminares. A maior lacuna até agora na discussão sobre os sedimentos é sobre quais serão os impactos a jusante das barragens, diz. Não há nem no EIA de Furnas e Odebrecht, nem no relatório encomendado pelo MME, qualquer menção sobre como a retenção de sedimentos afetará a qualidade da água e mesmo a navegação nas regiões abaixo dos reservatórios. “É preciso de uma consolidação de todos os dados técnicos antes de se concluir o licenciamento ambiental”, observa.

Tucci atuou como consultor do Ibama na análise dos EIA das usinas do rio Madeira. Além de sua preocupação com os impactos à jusante, seu relatório demonstra que os estudos para Santo Antônio e Jirau não trazem informações sobre como serão afetados territórios bolivianos próximos à fronteira com o Brasil. Outro ponto é sobre o ângulo da parede das barragens, que de acordo com Tucci, não favorecem o escoamento de sedimentos pelas turbinas. “Isto tem implicações para jusante dos empreendimentos quando da abertura de comportas dos vertedores que se encontram em cotas baixas, transportando sedimentos e água de menor qualidade”, afirma o relatório.

Emaranhado nas dúvidas, o Ibama tornou público as perguntas encaminhadas aos empreendedores sobre a deposição de sedimentos. A diretoria de Licenciamento do órgão recomenda a Furnas e Odebrechet que formem um painel de pelo menos três especialistas internacionais na área de sedimentologia que discutam, no mínimo 16 horas, questões que vão da influência dos Andes na sedimentação nas barragens até como a carga acumulada irá alterar o desenho dos reservatórios propostos. Ao todo são 40 perguntas.

Dentro do governo Lula há quem defenda que todos os questionamentos sejam respondidos após a concessão da licença prévia. O relatório de Sultan Alam, afinal, seria a resposta de que os problemas não são tão grandes. De toda forma, Sérgio Leão, da Odebrecht, afirma que a empresa está trabalhando para responder aos questionamentos do Ibama, embora julgue que muitos já teriam sido esclarecidos em rodadas anteriores. “Quem decide se eles serão respondidos na fase da licença prévia ou de instalação é orgão licenciador, nós só cumprimos.”

Tucci, da UFRGS, acha que deixar as dúvidas para a próxima etapa pode ser um precedente perigoso. “Isso vai enfraquecer a licença prévia, as empresas não vão gastar para fazer bons estudos até que tenham certeza que o projeto vai ser aprovado”, conclui.

Por Gustavo Faleiros e Aldem Bourscheit, O Eco, 08/05/2007)

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