Faz vinte anos que foi publicado o Relatório Brundtland, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, por iniciativa da ONU e sob coordenação da então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Sob o título "Nosso Futuro Comum", o documento definiu o desenvolvimento sustentável como o sistema que "atende as necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras terem atendidas suas necessidades".
Faz 15 anos que se realizou, no Rio de Janeiro, a Eco-92, ou Rio-92, oficialmente denominada Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que reuniu legisladores, cientistas, militantes de ONGs e um punhado de oportunistas, sob a curiosidade de uma multidão de jornalistas de todo o mundo. Na ocasião, tropas federais cuidaram da segurança, sitiando a chamada cidade maravilhosa, então tomada por tiroteios, balas perdidas, arrastões e outras manifestações de violência.
Faz dez anos que foi negociado o Protocolo de Kyoto, no Japão, cujo teor trata basicamente de um compromisso intergovernamental pela redução da emissão de gases que produzem o efeito estufa. No mês que vem, em 5 de junho, o Dia Mundial do Meio Ambiente vai completar 35 anos – foi criado em 1972 pela ONU para marcar a abertura da Conferência de Estocolmo sobre Ambiente Humano, talvez o primeiro grande passo da comunidade internacional no sentido de reverter o processo de uso abusivo dos recursos naturais do planeta.
Tecnologias limpasA imprensa cobriu todos esses eventos históricos. Com exceção da Rio-92, transformada em espetáculo da mídia e tratada com favores de uma Copa do Mundo, porém, o tom das reportagens indicava certo distanciamento, como se as preocupações com o nosso destino comum fossem tema exclusivo de cientistas e ambientalistas – esses chatos que vivem buscando pêlo em ovo e levantando suas barricadas contra o progresso.
Mais ou menos com essas palavras, alguns articulistas alertavam, nesse período, para o "risco" de os países em desenvolvimento caírem na "armadilha" do ambientalismo, visto até bem pouco tempo em alguns setores da sociedade como "coisa de veado" – como definiu com chocante sinceridade o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente licenciado da Força Sindical. Na verdade, os sindicalistas sempre se colocaram contra as organizações sociais que defendiam o meio ambiente, temendo que a exigência de investimentos em sistemas de prevenção da poluição, por parte das indústrias, reduzisse os recursos destinados aos reajustes de salários.
Afora a miopia do movimento sindical, cuja obtusidade manteve essa força política na retaguarda da questão da sustentabilidade durante todos esses anos, convém observar também que a imprensa, finalmente, como o deputado Paulinho da Força, começa a desconfiar que a defesa do meio ambiente interessa a outras espécies além daquela que no Brasil é citada como sinônimo de homossexualismo. O "machões" do sindicalismo e os jornalistas estão descobrindo, 35 anos depois do fato comprovado, que não há futuro para a humanidade sem uma mudança radical nos sistemas de produção, transporte, habitação e organização urbana.
O Relatório Brundtland, aliás, já recomendava, em 1987, que os países de todo o mundo começassem a adotar medidas como a limitação do crescimento populacional, a garantia dos recursos básicos como água, alimento e energia para o longo prazo, a preservação da biodiversidade, o desenvolvimento de tecnologias de energia alternativas e renováveis, com a redução do consumo energético, expansão da produção industrial nos países não-industrializados com base em tecnologias limpas, controle da urbanização e investimentos maciços em educação, saúde e moradia para as populações pobres.
Fundamento ideológicoEm vinte anos, teria sido possível reverter o quadro que agora atemoriza a humanidade, após os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática terem sido divulgados. Nesse período, nenhuma instituição governamental ou de negócios realizou um esforço real que resultasse em alguma ação efetiva. A imprensa não fez sua parte.
Mas o quadro muda rapidamente. No Brasil, praticamente todos os grandes jornais, revistas e emissoras de rádio e TV estão dedicando mais espaço ao problema ambiental. Curiosamente, um dos artigos mais contundentes e abrangentes publicados recentemente sobre o tema tem como autor o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf. Na mesma semana, alguns jornais deram várias vezes o assunto como manchete. Deve haver uma relação entre uma coisa e a outra.
Aleluia! Demorou apenas um terço de século para que a preocupação com o meio ambiente deixasse de ser coisa de "veado". Não demora para que algum gênio do marketing apareça com a idéia de um jornal feito inteirinho com papel reciclado, mas isso seria apenas parte do folclore que acompanha as unanimidades e o fenômeno da moda. Alguns editores até associam a preservação do meio ambiente a problemas sociais!
A indústria já ocupou seu lugar na romaria dos convertidos, e a prédica do "desenvolvimento sustentável" se consolida rapidamente como mantra sagrado por toda parte. Meno male. Mas, com perdão do trocadilho, a abordagem ainda está meio verde. Quem sabe ainda chegaremos a ver, em algumas décadas, a imprensa avançando um pouco mais, e colocando em debate o fundamento ideológico daquilo que está por trás do desastre ambiental e da tragédia das desigualdades sociais: o sistema econômico.
(Por Luciano Martins Costa,
Envolverde/Observatório da Imprensa, 09/05/2007)