Pela primeira vez o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU incluiu o transporte público em seu relatório, dando à questão o status de problema ambiental. A decisão, tomada durante a última reunião do grupo, na semana passada, em Bangcoc (Tailândia), foi comemorada nesta terça-feira (08/05) pela professora Suzana da Kahn, que está entre os três pesquisadores da COPPE/UFRJ que participaram da redação do documento. O setor de transporte é o segundo maior responsável pelo aumento da emissão de gases do efeito estufa (GEE) - que provocam o aquecimento global - e é também o que mais cresce no mundo, podendo superar a produção de energia, hoje a atividade que gera maior quantidade de emissões.
- Pela primeira vez apareceram no relatório do IPCC a vantagem e a importância do investimento em transporte público. Passaram a constar o planejamento urbano e o transporte não motorizado como alternativa complementar ao transporte convencional. Mas é claro que ninguém vai ter que andar longas distâncias a pé ou de bicicleta - explicou a professora, que
criticiou a pequena participação do Brasil no painel.
Segundo o relatório, se nada for feito, as emissões relacionadas ao transporte serão 80% maiores em 2030. Com as medidas tecnológicas já disponíveis, como investimento na eficiência dos veículos e difusão dos biocombustíveis, é possível cortar 50% das emissões até 2030. Mas há também mudanças de comportamento que permitiriam uma redução de 5% a 20% no mesmo período.
A importância das alterações de hábitos e comportamentos individuais é grande, já que os veículos leves usados no transporte particular são responsáveis por 44% das emissões relacionadas ao setor. Estimular essas mudanças é o objetivo de medidas já adotadas no Brasil, como o rodízio de veículos estabelecido em São Paulo e a inspeção de carros, que podem ser tirados de circulação se estiverem poluindo demais. Mas embora o potencial de redução de emissões do steor seja grande, o professor da COPPE/UFRJ Roberto Schaeffer, que também é autor do relatório, alerta que o setor enfrenta uma grande barreira cultural.
É difícil convencer alguém a largar o conforto do seu carro para pegar um ônibus
Não há um problema técnico, mas é difícil convencer alguém a largar o conforto do seu carro para pegar um ônibus - diz Schaeffer.
Suzana reconhece que medidas como essas não costumam ser bem recebidas, mas acredita que com a difusão de informações é possível contornar as dificuldades.
- Para dar um exemplo de como as pessoas não tem noção, no caso do carro flex fuel, mesmo nas vezes em que é mais vantajoso usar o álcool que a gasolina, as pessoas optam por usar a gasolina por uma questão de conservadorismo, hábito e falta de conscientização.
De acordo com a professora, a solução para as grandes cidades brasileiras é, "sem dúvida", investir em trens e linhas de metrô. A ampliação da oferta de transporte público deve ser associada a medidas menores, como a manutenção de rodovias. Segundo Suzana, em estradas precárias o consumo é muito maior, já que os veículos não podem manter a velocidade média adequada ao melhor desempenho.
Desmatamento é o ponto crítico do país
O ponto crítico do país, porém, é o desmatamento. No mundo, três quartos das emissões são conseqüência da produção de energia, e apenas um quarto tem origem no uso da terra. No Brasil, a proporção é inversa, em parte devido à grande quantidade de emissões nas queimadas usadas para desmatar florestas.
Ainda não há consenso, porém, sobre a melhor forma de combater o desmatamento. O assunto deu origem a divergências entre o professor Roberto Schaeffer e o professor Emílio La Rovere, o terceiro brasileiro envolvido na produção do relatório do IPCC. Enquanto Shaeffer defende o estabelecimento de metas para a redução do desmatamento, La Rovere argumenta que a prática deve ser extinta.
- Os níveis de desmatamento são tão altos que sem uma meta não há métrica para medi-los. Estabelecer meta não significa que o país tenha que cumpri-la sozinho, pode pedir ajuda para isso. Há a proposta de criar um fundo internacional para países que reduzam taxas de desmatamento. Seria um mecanismo de compensação para aqueles que conseguirem ficar abaixo da sua média histórica - sugere Schaeffer.
Para La Rovere, é inaceitável que o Brasil ainda conviva com o desmatamento.
- A meta aceitável é zero. Agente sabe das dificuldades do estado brasileiro se fazer presente em uma área como a Amazônia. Então é muito complicado levar alguma meta para negociações internacionais. Isso é uma questão interna. Mas podemos, sim, ter transferência de recursos estrangeiros. Até porque a Amazônia presta um serviço ambiental para o mundo inteiro.
(Por Luída Guedes, O Globo, 08/05/2007)
http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2007/05/08/295674803.asp