Agricultores atingidos pela barragem de Campos Novos estão insatisfeitos com a inauguração da obra, que deve ocorrer nas próximas semanas. A construção da barragem, localizada na fronteira do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, foi marcada por acidentes que colocaram em risco a população local. Em junho do ano passado, um dos túneis de desvio do rio rompeu, esvaziando o reservatório de 1,47 bilhões de metros cúbicos de água. Neudir Borba da Silva, liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) da região, conta que a organização já havia denunciado, em outubro de 2005, a existência de uma rachadura na obra. Mas o governo federal não deu ouvidos.
"A gente não tem nada a comemorar com a construção dessa barragem. Primeiro que essa barragem nem é do povo brasileiro. Ela está nas nossas terras, mas é do Bradesco, da Votorantim e da CBA, que são grupos brasileiros com recursos multinacionais e o lucro fica nas mãos de poucos. Em segundo, é que vai ter a barragem aqui, mas a região paga a quinta tarifa mais cara do mundo. A gente paga R$ 0,42 pelo quilowatt, enquanto as grandes empresas pagam somente R$ 0,07".
Até hoje os agricultores exigem do consórcio Enercan a indenização de todas as famílias atingidas pela barragem. De acordo com relatório do FATMA, órgão ambiental de Santa Catarina, 750 famílias teriam que ser ressarcidas. No entanto, os empresários não reconheceram 237, que estão sem receber indenização.
Na época, os agricultores e o MAB fizeram diversos protestos reivindicando seus direitos e foram duramente reprimidos pela polícia. A violência foi denunciada à Organização dos Estados Americanos (OEA). "Aqui, dez companheiros foram presos, sem motivo nenhum. Até uma criança de seis anos foi levada junto para a delegacia", diz.
Neudir avalia que o episódio da barragem de Campos Novos é mais um entre tantos casos que marcam a negligência das construtoras e o descaso dos governos. A usina de Barra Grande, que está ligada à suspeita de fraude nos estudos de impacto ambiental da empresa Engevix, e a de Foz do Chapecó, são alguns exemplos. A empreiteira Camargo Corrêa, uma das responsáveis por Campos Novos, também era construtora da linha de metrô que desabou em São Paulo.
Para desespero das organizações sociais e ambientalistas, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) propõe a construção de mais 41 usinas, a fim de evitar o "apagão" na energia elétrica. Argumento que, para Neudir, é contrário às informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
"Hoje, o Brasil tem capacidade de produzir 97 terawatts de energia e só gasta 47 terawatts em um ano. Se a gente seguir crescendo 5% ao ano, em 10 anos gastaríamos 57 terawatts de energia. Significa que por uns 10, 20 anos, não precisaríamos fazer barragem. Na verdade, o que está por trás não é o apagão, mas sim o interesse dos grupos multinacionais e o governo é condizente com isso", afirma.
A Usina de Campos Novos custou mais de R$ 2,5 bilhões e foi financiada com dinheiro público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
(Por Raquel Casiraghi,
Agência Chasque, 08/05/2007)