Por mais preocupantes que as previsões oficiais do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) possam parecer, as verdadeiras expectativas dos cientistas sobre as conseqüências do aquecimento global podem ser ainda piores. "A maioria dos cientistas que conheço é mais pessimista do que gosta de admitir em público", afirma John Holdren, diretor do Programa de Ciência, Tecnologia e Políticas Públicas da Universidade de Harvard e ex-presidente da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS).
Ele diz que pesquisadores costumam ser cautelosos com o que dizem, para não parecerem demasiadamente alarmistas. A idéia é mostrar claramente a seriedade do problema, mas sem causar falsa impressão de exagero nem assustar as pessoas de tal maneira que elas se sintam impotentes para fazer algo a respeito. Um dos maiores especialistas do mundo em mudanças climáticas, porém, Holdren não se inibiu ao falar sobre o assunto durante um encontro na John F. Kennedy School of Government de Harvard, no fim de semana - um dia após a divulgação do terceiro relatório do IPCC.
Para ele, a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera já ultrapassou o limite do "perigoso", como diz a terminologia do Protocolo de Kyoto, e está se aproximando do "catastrófico". "Estamos dirigindo um carro na neblina, com freios ruins, em direção a um abismo", disse. "Não tenho certeza de que vamos conseguir frear antes de cair."
O carro, segundo a analogia, representa as emissões humanas de dióxido de carbono e outros gases do efeito estufa, que se acumulam na atmosfera e fazem a temperatura do planeta subir. A neblina e os freios defeituosos referem-se às inúmeras incertezas - climáticas, políticas e econômicas - que dificultam a compreensão do problema e nossa capacidade de reagir a ele. O abismo seria o chamado "ponto sem volta", a partir do qual as emissões de gases do efeito estufa e o aquecimento que eles causam formarão um círculo vicioso (mais aquecimento causando mais emissões e assim por diante), que dificilmente poderá ser interrompido.
Entre as principais ameaças estão o derretimento da tundra, no norte da Rússia, e das geleiras da Groenlândia e da Antártida Ocidental. A primeira contém o equivalente em carbono a 80 anos de emissões por combustíveis fósseis armazenado em seu solo congelado, enquanto o desaparecimento das duas geleiras elevaria o nível global dos oceanos em até 12 metros.
Apesar do consenso esmagador entre os cientistas de que atividades humanas são a causa do aquecimento global, principalmente queima de combustíveis fósseis e desmatamento de florestas, ninguém ainda sabe dizer onde fica o tal "ponto sem volta". Ou seja, quão distantes ainda estamos do abismo. "Há muitos pontos sem volta. Não sabemos exatamente onde eles estão, mas acho que qualquer sociedade prudente concordaria que é preciso começar a pisar no freio", afirmou Holdren.
Ainda assim, vários palestrantes no encontro, intitulado A Crise Eminente - Podemos Agir a Tempo?, mostraram-se otimistas com relação ao aumento da conscientização pública e política nos Estados Unidos. Apesar da discordância do presidente George W. Bush, muitos Estados e, principalmente, empresas americanas estão agindo para reduzir sua influência sobre o aquecimento global. "O maior sinal de mudança é que as empresas estão mudando", disse o diretor do Centro para o Meio Ambiente de Harvard, Dan Schrag. "Estão começando a prestar atenção nas mudanças climáticas."
As razões podem ser tanto ambientais quanto econômicas. Vários palestrantes, incluindo o ex-presidente americano Bill Clinton, chamaram atenção para as imensas oportunidades de negócios e criação de empregos que podem ser desenvolvidas dentro de uma estratégia de combate ao aquecimento global. Por exemplo, com o desenvolvimento de indústrias relacionadas à produção de energia solar, captação de CO2, e até mesmo na construção civil, para combater os efeitos de furacões e da elevação do nível do mar em áreas costeiras.
"Estou otimista de que vamos resolver esse problema", disse Schrag. Segundo ele, quando a situação ficar realmente "assustadora", as pessoas começarão a agir. "A pergunta é: será que já vai ser tarde demais?".
(AE, 06/05/2007)