De novo, estamos envolvidos em uma crise sobre nossa política ambiental, e o governo se vê paralisado frente à questão. Agora, como resultado do não licenciamento das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira. Juntas, produziriam 6.450 MW e equilibrariam a demanda doméstica no começo da próxima década.
Essa crise se combina com outra, que se desenrola há tempos no Ibama, envolvendo seus servidores e entidades sindicais e o governo, sobre as reformas necessárias no instituto e sobre suas políticas. As associações dos servidores do Ibama, em Brasília e em nível nacional, não aceitam a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que cuidará das 288 unidades de conservação, e a concentração do foco do Ibama no licenciamento ambiental, na fiscalização, na polícia ambiental e na autorização de recursos naturais.
A primeira crise, a do não licenciamento das hidrelétricas, é mais grave. Os dois maiores riscos de impacto ambiental das obras - a retenção de sedimentos nas barragens das usinas e a ameaça à transposição dos peixes - podem e devem ser evitados com medidas técnicas. Como, por exemplo, por meio de um canal lateral seminatural que permitiria a transposição dos peixes e, como disse um engenheiro de uma das empresas responsáveis pelo projeto, com alterações no projeto de engenharia que evitariam a sedimentação. Há tempo para a busca dessas soluções.
A decisão de não dar o licenciamento e nem apontar soluções para um Termo de Ajuste de Conduta revelam um comportamento recorrente dos técnicos do Ibama, sempre na linha de levar as questões à Justiça e os licenciamentos ambientais ao impasse. Tal prática impede a construção de novas hidrelétricas, já que toda obra tem impacto ambiental. A função do licenciamento ambiental é, justamente, fazer com que os projetos minimizem, ao máximo, esse impacto.
Há, na verdade, uma articulação entre Ministério Público, entidades conservacionistas e ambientalistas e os técnicos do Ibama que, ao levar os embates à Justiça, no lugar de buscar soluções técnicas para reduzir os impactos, acaba paralisando importantes obras no país. Articulação essa que ganha maior poder de fogo com o fato de os técnicos do Ibama responderem pelos danos ambientais das obras que autorizam. Ou seja, o funcionário público pode ser incriminado pelo Ministério Público, individualmente, mesmo tendo agido de boa fé e baseado sua decisão na melhor técnica. Essa impropriedade jurídica é agravada pela forma com que são realizados os estudos ambientais. Na legislação atual, são de responsabilidade das empresas. Um absurdo, pois a responsabilidade deveria ser do Ibama, o que evitaria todo processo de licenciamento ambiental.
Propostas para superar esses dois graves problemas foram apresentadas pelo diretor geral da Aneel, Jerson Kelman. Por isso, ele foi intimado pelo Ministério Publico Federal, que o acusa de apologia de crime contra o meio ambiente. O ofício, assinado por nove procuradores, é uma tentativa grosseira de intimidar - e não de intimar - o diretor geral da Aneel, e de censurar o debate e as propostas para mudar a legislação ambiental no Brasil. Mais uma vez, setores do Ministério Público, denunciado até por ministros do STF pelo abuso na proposição de ações de improbidade administrativa, excedem em sua função.
Em boa hora, o governo federal enviou ao Congresso Nacional, junto com as medidas do PAC, um projeto de lei complementar para regulamentar o artigo 23 da Constituição, que trata das competências dos entes federados na questão ambiental. Pelo projeto, a União passará a ter preferência no licenciamento ambiental em obras de caráter nacional e estratégico para o país. Defendo que o Congresso e a sociedade aproveitem essa oportunidade para debater e rever a legislação ambiental, começando por solucionar os dois graves desvios diagnosticados pelo diretor geral da Aneel, para que possamos equilibrar o desenvolvimento do Brasil com a preservação ambiental.
(Por José Dirceu, ex-ministro chefe da Casa Civil,
Jornal do Brasil, 03/05/2007)