Sem muito alarde, o governo do Estado de São Paulo tirou do papel o projeto que vai transformar uma faixa de 7,5 quilômetros numa região carente e violenta da capital paulista em um dos maiores parques lineares urbanos do mundo. Batizada de Parque da Integração, a faixa vai de Sapopemba a São Mateus, na zona leste. Iniciadas há um mês, as obras devem demorar um ano e meio.
Segundo a equipe da faculdade de arquitetura Escola da Cidade, que trabalhou no projeto, o Integração será o maior parque linear do País em área urbana. O Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, e o jardim da praia de Santos poderiam fazer frente a ele se não ficassem na orla marítima.
A arquiteta e urbanista Mara Calor, coordenadora do Parque da Integração, diz que o projeto nasceu na gestão Mário Covas, no início da década. “Na época, se discutia a questão de levar equipamento público de qualidade a áreas com registro alto de criminalidade, mais ou menos o que cidades colombianas fizeram, com bons resultados.”
De lá para cá, o projeto foi sendo levado em banho-maria. Logo ao assumir o governo, José Serra (PSDB) mandou tirar a idéia da prancheta. “O Parque da Integração significará muito para a cidade e, em especial, para a zona leste, que é uma região desprovida de áreas verdes e de lazer. Em experiência inédita, todo o projeto do parque foi concebido com a participação das comunidades de 20 bairros”, afirmou o governador, por meio de sua assessoria.
“Quando começamos a discutir com a população, ninguém sabia o que significava arquitetura e urbanismo. Depois de um tempo, só queriam falar disso”, diz Paulo Brazil, professor da Escola da Cidade, que trabalhou no projeto em parceria com os arquitetos Celso Pazzanese e José Guilherme Schutzer (paisagismo). O grupo usou recursos sui generis. Em determinado momento, líderes comunitários eram convidados a indicar equipamentos de lazer colando, num quadro de velcro no formato do terreno, a peça de uma quadra poliesportiva ou de um playground.
QuintalMas antes foi preciso vencer o que os técnicos chamaram de “quintalização” do terreno, invasões sistemáticas feitas por donos de imóveis com fundos para o futuro parque. A área pertence à Companhia de Saneamento Básico do Estado (Sabesp). É uma faixa de servidão, área reservada para a passagem de tubulações e redes de transmissão de energia elétrica, reservada para a Adutora Rio Claro, cuja rede se estende por 77 km, 22 deles na Grande São Paulo.
A faixa exígua de terreno tem largura que varia de 30 a 100 metros. Nos trechos mais largos, foram projetados campos de futebol, hortas e pistas de skate. Nas mais estreitas, os arquitetos garantiram pelo menos a continuação da pista de cooper e da ciclovia, além do paisagismo.
Segundo Mara, para liberar os 7,5 km de terreno, foi preciso, além de convencer a população a reduzir o quintal, retirar uma favela de 150 barracos onde viviam cerca de 500 pessoas. “A maioria foi transferida para unidades da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).” De acordo com estudos da Escola da Cidade, há 94 favelas no entorno do parque e quase 70% da população vizinha - cerca de 320 mil pessoas - ganha até 5 salários mínimos.
Pelo menos para garantir a colaboração das lideranças dos vários bairros, o processo foi rápido. “Ali ainda reside uma cultura deixada de lado pelo paulistano, subjugada pela classe média, que é a solidariedade entre vizinhos, a convivência”, conta Brazil.
“Antes de o governo chegar com esse projeto, construímos uma pista para caminhada, de 800 metros, plantamos árvores e floreiras, e percebemos rapidamente a mudança de comportamento das pessoas. A violência diminuiu”, conta Laura Kamisaki, líder comunitária em Sapopemba há mais de 20 anos. “Não há qualidade de vida em Sapopemba, área verde, árvore, nada. É uma luta nossa muito antiga.”
Com o início das obras, Laura só reclama da discrição do governo. “É preciso fazer um lançamento oficial do projeto. Há um burburinho muito grande. A população poderia estar muito mais envolvida do que está.”
(Por Sérgio Duran,
Agência Estado, 02/05/2007)