O barulho das ondas incomoda o principal abade do templo budista de Khun Samutchine, uma aldeia de pescadores no golfo da Tailândia. É uma constante recordação do perigo que representa o mar que ameaça invadir o templo Wat Khun Samuttrawachine, construído em 1967. “Este templo sempre está sob ameaça do mar. Na época das monções é ainda pior”, explicou Phra Somnuk Atipabny com voz tranqüila. A paisagem inóspita desde a entrada do deteriorado templo confirma seus temores.
Filas de postes telefônicos e de eletricidade emergem das águas e desaparecem na distância ao longo da costa, como testemunhas de que alguma vez existiu ali um caminho que atravessou esta aldeia. O mar começou a dragá-la há mais de duas décadas. Para além dos postes de concreto, há outras relíquias de uma comunidade que outrora ocupou esse terreno plano. Entre elas, o tanque de água que abastecia uma escola primária com 300 crianças. Ali, agora as lanchas percorrem a área em busca de plâncton para prepara o “kapi”, popular pasta de camarões tradicional na Tailândia.
Nesta aldeia que fica ao sul de Bangcoc, a uma hora de automóvel desde a capital, o templo se converteu na última linha de defesa da guerra ambiental na qual o mar vem ganhando metro a metro. As casas de madeira dos pescadores, antes erguidas em cada lado do templo e em meio a escassos mangues, desapareceram. Pescadores como Prawit Inouam, de 37 anos, agora vivem mais de um quilômetro terra adentro. “Estamos vendo desaparecer nossa aldeia e nossa comunidade”, disse Prawit, que teve de se mudar em três ocasiões, cada vez mais distante do mar, para fugir da erosão. A primeira vez foi quando tinha 3 anos de idade. “Devemos proteger a área do impacto da erosão marinha”, disse.
O mesmo pensam as 105 famílias que continuam desafiando o mar e vivendo em khun Samutchine. Há duas décadas, a comunidade tinha cerca de 200 casas. Frear a perda de terras construindo uma barreira de pilares de concreto como quebra-ondas e uma muralha é uma perspectiva desanimadora. Também o é a esperança de pescadores como Suwan Buaphai, de restabelecer os mangues de proteção que antes cresciam por todo lado. “A erosão nesta área é a mais acelerada da Tailândia”, disse Tara Buakamsri, da filial do Greenpeace para o sudeste da Ásia. “São entre 25 e 30 metros por ano”, contou.
A luta contra o mar concentra a atenção da nova reunião do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) da Organização das Nações Unidas, que começou em Bangcoc no dia 30 de abril e termina hoje. Os especialistas examinaram a difícil situação que atravessam as comunidades costeiras baixas de todo o mundo, que correm o risco de serem submersas. Os 2.666 quilômetros de costa da Tailândia, no golfo de mesmo nome a leste e no mar de Andaman a oeste, tem 30 “pontos quentes”, disse Thanawat Jarupongsakul, professor do Departamento de Geologia da Universidade Chulalongkorn,de Bangcoc.
“Vinte e dois desses pontos ficam no golfo da Tailândia. Khun Samutchine é a área mais atingida”, afirmou o especialista. “Quase 600 quilômetros da costa da Tailândia, cerca de 21%, se perderam pelo avanço do mar. A mudança climática é uma razão, pois gerou ondas mais intensas e mares mais agitados no período de monções”, disse o professor à IPS. Na monção nordeste, que começa em novembro e acaba em fevereiro, a altura média das ondas era no passado entre um e 1,5 metro. Mas agora aumentou para dois a quatro metros”, afirmou.
As áreas mais afetadas pela erosão perdem 25 metros de terra a cada ano, segundo um estudo divulgado no ano passado por uma equipe de especialistas tailandeses, entre os quais Thanawat. A maioria destas faixas litorâneas fica ao longo da metade superior do golfo da Tailândia, perto da província de Samut Prakan, onde fica Khun Samutchine. O Departamento Meteorológico deste país do sudeste asiático divulgou na terça-feira um alerta às comunidades da costa do golfo, confirmando os padrões climáticos cada vez mais erráticos. Uma ativa área de baixa pressão ganhou força no golfo para desatar a tempestade mais forte em quatro décadas, disse o chefe do Departamento, Supareuk Tansiratanawong, ao jornal The Nation.
A luta desta aldeia para subsistir se agravou por outros fatores, como o corte dos densos mangues que protegiam a costa, com a finalidade de criar espaço para o cultivo de camarões, e à falta de areia que fluía do rio Chão Phraya para a costa devido às grandes represas construídas corrente acima, disse Thanawat. “As represas reduziram os sedimentos em 70%”, ressaltou.
Entretanto, os ambientalista acreditam que medidas amigáveis com o meio ambiente podem proteger está aldeia. Essas medidas são criadas para enfrentar as tempestades que surgem durante a monção, e incluem um sistema de drenagem e bombeamento para “administrar a faixa da terra para estabilizar a margem do mar”. O templo Wat Khun Samuttrawatchine está na primeira linha deste desafio. “Queremos que o templo permaneça aqui”, afirmou Phra Somnuk.
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IPS - Envolverde, 04/05/2007)