O embate interno do governo sobre fornecimento de energia levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a pedir estudos a respeito de tecnologia nuclear. Em recente exposição, ele ouviu o seguinte de técnicos da Marinha e do Ministério da Ciência e Tecnologia: a produção de energia elétrica a partir de energia nuclear é muito mais segura hoje do que há 20 anos, além de ser a única fonte que poderia atender à crescente demanda mundial sem aumentar o efeito estufa.
Isso significa que Lula passará a construir várias usinas nucleares ainda em seu mandato? Dificilmente, apesar de Angra 3 integrar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O presidente pediu mais estudos para que essa fonte de energia seja adotada de forma crescente no longo prazo. Não é pouco. É uma decisão estratégica. Caberá à sociedade discutir sua correção e conveniência.
Os técnicos disseram a Lula que após o acidente de Chernobyl (Ucrânia), em abril de 1986, a segurança de usinas nucleares melhorou bastante. Na França, a maior parte da energia elétrica vem desse tipo de fonte. O lixo atômico continua a ser um problema, mas em menor escala, dizem os técnicos. Há tecnologia para sua estocagem e redução de potencial de dano em caso de acidente.
A grande maioria dos ambientalistas vê com reserva esse tipo de fonte de energia, mas a realidade planetária pede uma discussão mais ponderada e livre dos preconceitos que o próprio presidente admitiu que tinha.
Agosto é o limiteO debate sobre o fornecimento de energia é o tema mais polêmico do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Lula tomou partido dos ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e Silas Rondeau (Minas e Energia) na disputa com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a respeito de duas usinas hidrelétricas do rio Madeira (RO). Elas são Jirau e Santo Antônio. Juntas, produzirão 6.450 MW --a maior obra de energia do PAC.
O estudo que fez a cabeça de Lula se chama "Análise das Condições de Atendimento do Sistema Interligado Nacional 2007-2016". Foi apresentado por Silas Rondeau a Lula, Dilma e Marina.
Após a reunião, o presidente refletiu e cobrou de Marina as licenças ambientais para a construção das usinas do rio Madeira. A ministra está fazendo aquele discurso de quem sai de uma briga derrotada e ainda precisa ficar esbravejando, para não pegar mal.
Para que as usinas estejam prontas até 2012, o prazo-limite, na opinião do governo, para o início das obras deve ser agosto deste ano. Silas falou em maio para colocar mais pressão sobre Marina. O jogo já está combinado, apesar do discurso oficial.
Uma das principais preocupações do empresariado para investir é a garantia de fornecimento de energia. No estudo apresentado por Silas, estima-se uma média de 4,9% de crescimento anual do PIB (Produto Interno Bruto) entre 2006 e 2016. Se os empresários avaliarem que faltará energia, poderão segurar investimentos, e o PIB poderá crescer menos.
Lula comprou o diagnóstico da dupla Dilma-Silas. Segundo os dois, sem as usinas do rio Madeira, o Brasil teria de recorrer a tecnologias de produção de energia elétrica mais caras e mais poluentes.
Nó ambientalAtualmente, o Brasil joga na atmosfera por ano 40 milhões de toneladas de CO2. Segundo o estudo de Silas, com as usinas do Madeira, o Brasil passará a jogar 106 milhões de toneladas por ano em 2016, porque, mesmo assim, o país terá de recorrer a fontes poluentes para suprir a sua demanda (termelétricas, por exemplo, que serão construídas).
Sem essas duas usinas, diz o governo, o número subiria para 180 milhões de toneladas/ano. Se houver interrupção de construção de novas hidrelétricas ou de modernização dessas usinas, a emissão anual passaria para 283 milhões de toneladas de CO2. Obviamente, são cenários que vão de preocupantes a insustentáveis.
Fontes AlternativasDe acordo com estudos do governo, o Brasil tem, no médio prazo, um potencial de produção de 180 mil MWs a partir de hidrelétricas. O custo médio do MWh sai por R$ 125. A chamada biomassa tem um potencial de 9MWs (R$ 135 de custo médio por MWh). O potencial da eólica é de 140 mil MWs, mas o custo, hoje, é alto: cerca de R$ 200 por MWh. Em energia nuclear, os dados são 20 mil MWs a R$ 140. Em carvão mineral, 28 mil MWs e R$ 140. Ou seja, o barato é também poluente. O não-poluente, como a fonte eólica, é caro.
É importante investir em tecnologia para baratear o custo de alternativas não-poluentes ou menos poluentes. Mas o resultado só deverá ser obtido no longo prazo. Até lá, o Brasil, que deseja crescer a taxas mais vigorosas, tem um problema de fornecimento a sanar.
(Por Kennedy Alencar,
Folha online, 30/04/2007)