O mundo tem a tecnologia e o dinheiro necessários para frear as mudanças climáticas perigosas, mas precisa do compromisso político entre os governos para evitar uma catástrofe. Essa é uma das principais mensagens do próximo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), sobre estratégias para lidar com a crise ambiental e que começa a ser debatido hoje em Bangcoc, na Tailândia.
Depois de dois relatórios sombrios sobre o futuro da Terra, divulgados em fevereiro e em abril, o próximo documento trará um plano para reduzir as emissões de gases-estufa e indicará quem deve pagar por ele, a fim de evitar uma catástrofe. O caminho mais factível é a sociedade moderna deixar a dependência dos combustíveis fósseis em prol de estratégias de eficiência energética, promoção da energia renovável e nuclear, além de aplicação de novos padrões na agricultura, construção civil e coleta de lixo.
O Estado obteve, na sede da ONU em Genebra, extratos do documento preliminar do IPCC que será revisto por cientistas e diplomatas em Bangcoc. Eles mostram que as tecnologias existentes, ou aquelas já em desenvolvimento, reduziriam em 26 bilhões de toneladas as emissões dos gases que geram o efeito estufa até 2030. Isso seria suficiente para evitar que o aumento de temperatura no século ultrapasse 2°C.
A estratégia deixa clara a importância do biocombustível e especula sobre a possibilidade de que economias ricas financiem o Brasil e outros países tropicais para evitar o desmatamento. A floresta em pé tira carbono do ar, enquanto o corte não apenas impede esse processo físico como promove a liberação do carbono estocado na mata para a atmosfera.
CONTA
Implementar a estratégia custaria menos de 3% do PIB mundial nas próximas duas décadas, ou seja, US$ 1,47 trilhões. Apesar de isso representar quase US$ 60 bilhões de dólares ao ano, é um custo inferior ao pago por danos previstos pelas mudanças climáticas, que chegaria a 20% do PIB, segundo um relatório encomendado pelo governo britânico. “É técnica e economicamente viável estabilizar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera”, afirma o documento.
Segundo o relatório, uma estratégia mais modesta custaria apenas 0,2% do PIB mundial. O problema é que não haveria qualquer garantia de resultados. Um dos principais debates esperados para Bangcoc será sobre quem pagará a conta. Segundo fontes do Programa das Nações Unidas para Prevenção de Desastres Naturais revelaram ao Estado, o governo americano contestará os números do IPCC, alegando que as estimativas reais do custo de “limpar o planeta” são bem maiores. Washington ainda defenderá que a conta não poderá ser paga apenas pelos países ricos.
SOLUÇÃO
Debate econômico à parte, o caminho para evitar as mudanças climáticas perigosas é estabilizar o consumo de energia, com a aplicação de métodos mais eficientes, e permitir que, ao longo dos anos, fontes renováveis substituam o petróleo e o carvão. Para isso, os governos devem deixar de subsidiar combustíveis sujos. “Um portfólio de tecnologias está disponível hoje e outras devem ser comercializadas nas próximas décadas, desde que os incentivos apropriados existam”, diz o documento.
Uma das propostas que mais prometem gerar polêmica é a inclusão de usinas nucleares no escaninho de soluções. Outra é a captação e o estoque de dióxido de carbono em subsolos ou dissolvido no mar. O IPCC acredita que essa tecnologia pode se tornar economicamente viável nos próximos anos, então inclui a captação direta das usinas em suas projeções. O problema é que, atualmente, apenas três usinas modestas contam com a tecnologia, enquanto centenas serão inauguradas na China nos próximos anos sem ela.
No setor de transportes, as recomendações apontam para os carros híbridos, elétricos e movidos a hidrogênio ou etanol como alternativas. Os biocombustíveis serão fundamentais para permitir que os níveis de emissões sejam estabilizados, principalmente diante do aumento da frota de carros no mundo. Esse aumento não conseguirá ser freado com impostos mais altos.
No caso do etanol, o IPCC pede investimentos numa segunda geração do combustível. O temor é que o modelo baseado em grãos, como o milho, afete o preço dos alimentos e a disponibilidade de terras. Para evitar o problema, a solução passaria pelo desenvolvimento do etanol com base na celulose, mais eficiente e economicamente viável.
FLORESTAS
O painel considera a proteção das florestas tropicais, assim como o reflorestamento, uma peça-chave para compensar a emissão de gases-estufa. Uma das possíveis soluções seria um financiamento concedido a países tropicais, entre eles o Brasil, para pagar aos governos que mantenham a mata em pé. Segundo diplomatas em Genebra, a possibilidade fará parte tanto dos debates na Tailândia como no que ocorre entre os países ricos no G-8 + 5, que acontece em junho, na Alemanha.
Outra sugestão que teria impacto no País é a recomendação para que práticas agrícolas mudem, com a aplicação efetiva de fertilizantes mais eficientes e manejo diferente da terra. O objetivo é diminuir as emissões de metano e óxido de nitrogênio, que também causam o efeito estufa.
Diplomatas na ONU em Genebra esperam que o relatório sofra duros ataques nos próximos dias. Segundo um diplomata europeu, as negociações políticas serão intensas, já que se trata da estratégia que governos terão de adotar para suas economias e sociedades nos próximos anos.
Prova disso é que mais de mil sugestões de emendas no texto já foram enviadas por cem governos. Bruxelas admite que os países ricos temem a pressão para que paguem pelas reformas devido à sua responsabilidade histórica no problema. Pressão também deve cair sobre a China, que em breve vai se tornar o maior emissor de carbono no mundo. Para o IPCC, está claro que deve haver um compromisso político para que as estratégias funcionem.
(Por Jamil Chade, Estadão, 30/04/2007)