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2001-11-05
São muitos os casos registrados na literatura científica, em crônicas e em relatos orais de índios, dando conta da contaminação deliberada, criminosa, que dizimou um número incontável de povos indígenas no Brasil, pelo menos até os anos 1960. Depois dos ataques de 11 de setembro, que derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e danificaram o Pentágono, em Washington, aumentam os temores, em todo o mundo, do terrorismo bacteriológico. Para os índios no Brasil, esse tipo de estratégia de extermínio não é novidade. Ao longo da história do contato com os brancos, além dos relatos de doenças transmitidas por eles, contra as quais os índios não tinham defesas imunológicas e por isso acabavam morrendo, juntam-se histórias que apontam para a contaminação criminosa, embora não tenham sido cientificamente comprovadas. Um relatório produzido em 1967 pelo então Procurador Geral da República Jader Figueiredo, foi divulgado em março de 1968, pelo ministro do Interior, Albuquerque Lima. Durante entrevista coletiva, o general Lima tornou público não só casos de corrupção no extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), como também massacres de tribos inteiras a dinamite, metralhadoras e envenenamento por açúcar misturado com arsênico. Na época, foi um escândalo que ultrapassou as fronteiras brasileiras e ganhou espaço nas páginas de jornais como o francês Le Monde, o britânico The Sunday Times e o americano The New York Times. Este último, em 21 de março de 1968, dava chamada de capa e reproduzia trechos do Relatório Figueiredo na matéria assinada por Paul L. Montgomery, Killing of Indians Charged in Brazil. Shelton Davis, antropólogo americano, no livro Vítimas do Milagre - O desenvolvimento e os índios no Brasil, (Zahar Editores, 1978), também cita informações do relatório: (...) continham provas que confirmavam as denúncias de que agentes do SPI e latifundiários haviam usado armas biológicas e convencionais para exterminar tribos indígenas. Indicavam a introdução deliberada de varíola, gripe, tuberculose e sarampo entre tribos da região do Mato Grosso, entre 1957 e 1963. Além disso, os arquivos do Ministério do Interior sugeriam ter havido a introdução consciente de tuberculose entre as tribos do Norte da Bacia Amazônica entre 1964 e 1965. Dez anos depois, o antropólogo Mércio Pereira Gomes, em seu livro Os índios e o Brasil, (Editora Vozes, 1988) escrevia: Quando foi descoberta a etiologia das epidemias e sua contaminação, os portugueses e brasileiros não sentiram nenhum escrúpulo em utilizar-se desse conhecimento para promover o extermínio de povos indígenas que estavam no seu caminho. Essa mistura mais cruel de guerra e epidemia é que se chama hoje de guerra bacteriológica. O antropólogo prossegue contando que a primeira utilização conhecida no Brasil aconteceu em Caxias, no Maranhão, em 1815. Estava ocorrendo uma epidemia de varíola quando índios Canelas Finas estiveram por lá em visita. - As autoridades lhes distribuíram brindes e roupas previamente contaminadas por doentes. Os índios pegaram a doença, e, dando-se conta do caráter do contágio, fugiram para os matos. Os sobreviventes contaminaram outros mais, e meses depois essa epidemia alcançava os índios já em Goiás. Mércio relata ainda que no fim do século XIX, - os bugreiros de Santa Catarina e Paraná, financiados por companhias de imigração, deixavam em pontos determinados de troca de presentes com índios (Xokleng e Kaingang), cobertores infectados com sarampo e varíola. Lançar mão da guerra bacteriológica parece ter sido prática comum na América do Sul, por parte de autoridades. No livro Viagens pelos rios Amazonas e Negro (Edusp/Editora Itatiaia, 1979) - publicado pela primeira vez em 1853 - Alfred Russel Wallace, naturalista inglês, conta que certa vez, quando se dirigia ao povoado de Pedreira, no Rio Negro, encontrou um padre que ele já conhecia e que percorria a região em viagens pastorais e de negócios. - (...) passamos a falar da epidemia de varíola que então assolava o Pará. Aproveitando o ensejo, ele relatou-me um caso ocorrido consigo próprio e relacionado com o assunto, parecendo bastante orgulhoso de ter sabido utilizar-e diplomaticamente dessa terrível doença. E prosseguiu dizendo que aconselhara o presidente da Bolívia a combater algumas tribos de índios belicosas, instaladas no caminho de Santa Cruz, utilizando-se de uma epidemia de varíola que assolava a cidade. Em vez de queimar as roupas dos doentes que morriam para evitar a disseminação da moléstia, o frei José (era esse seu nome) sugeriu colocá-las em locais que os índios pudessem pegá-las. E prosseguiu: - (...) o presidente seguiu meu conselho e foi dito e feito. Em poucos meses, ninguém mais ouviu falar das atrocidades dos índios. Quatro ou cinco tribos foram inteiramente dizimadas! A bexiga faz o diabo entre os índios! Wallace escreve: - Foi com dificuldade que contive um estremecimento ao ouvir a narrativa daquele massacre a sangue-frio, contada de maneira tão tranqüila e indiferente. Os exemplos mais recentes desse extermínio deliberado no Brasil estão contidos no Relatório Figueiredo, que com mais de cinco mil páginas e 20 volumes, foi dado como desaparecido tempos depois de sua divulgação. A repercussão do relatório na imprensa internacional resultou, entre outras coisas, na criação da organização britânica Survival International, em 1969. No ano passado, a ONG publicou o livro Deserdados - Índios do Brasil, que faz referência ao relatório. - Havia relatos de que grupos de Pataxó foram propositadamente infectados com varíola; que os Tapayúna (Beiços de Pau) foram envenenados com arsênico e veneno de formiga; que os fazendeiros embriagaram os Maxacali, e foram baleados por seus jagunços que os mataram a tiros, aproveitando-se do fato de estarem bêbados. Outras atrocidades, cometidas contra os índios Xavante à época do contato, foram mencionadas por artigo publicado na Folha de São Paulo, em 20 de abril de 1980. Nele, Jaime Klintowitz informava que os índios Xavante foram massacrados de 1951 a 1956. E que nesse ano, a tribo estava praticamente dizimada por uma epidemia de sarampo provocada por roupas lançadas de aviões sobre as aldeias (...), conforme relatos orais dos Xavante. - Esse é um assunto que merece ser melhor pesquisado, tanto nas fontes históricas, como na memória oral de índios ainda vivos, avalia Carlos Alberto Ricardo, antropólogo do ISA. O Instituto Socioambiental está empenhado em reunir informações sobre o assunto. Colaborações podem ser enviadas por e-mail para: ines@socioambiental.org (Amazônia.org)

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