Anteprojeto de Jerson Kelman, diretor da Aneel, propõe fim do licenciamento ambiental para projetos do setor energético. Movimentos sociais, especialistas e MPF consideram a proposta inconstitucional.
SÃO PAULO – Organizações e movimentos sociais reagiram contrariados ao anteprojeto de Lei proposto pelo diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman, de isentar hidrelétricas de avaliação de impactos ambientais. A proposta, enviada no último dia 13 aos deputados das comissões de Minas e Energia e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, propõe fim do licenciamento ambiental para projetos do setor energético considerados prioridades nacionais. Segundo o anteprojeto, o presidente da República se tornaria responsável por selecionar as obras, cuja geração de energia atenderiam às necessidades do país. A exigência de licenciamento ambiental deixaria de existir por meio de um decreto presidencial.
“Do ponto de vista estritamente jurídico, a proposta é flagrantemente inconstitucional, na medida em que o art. 225 da Carta de 1988 estabelece que o estudo prévio de impacto ambiental é obrigatório para todos e quaisquer empreendimentos, inclusive os hidrelétricos, que possam ameaçar o equilíbrio ecológico do ambiente”, afirma nota divulgada na última semana por 19 organizações sociais. “[O anteprojeto] é um total desmantelamento do sistema de licenciamentos ambientais, porque tem que ter uma instância que avalia a complexidade de um empreendimento, não só do ponto de vista da geração de energia”, avalia Wendell Fischer Teixeira de Assis, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da coordenação do Grupo de Trabalho de Energia do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms).
A proposta de Kelman diz que os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) dos empreendimentos seriam feitos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), que deixaria de ter o atual papel fiscalizador desses estudos. No anteprojeto também não há menção sobre as audiências públicas, que são o instrumento pelo qual as populações atingidas se informam do impacto da obra e o meio que utilizam para exporem os seus contrapontos.
Segundo o pesquisador da UFMG, há uma “distribuição desigual do desenvolvimento e dos impactos”. Para ele, são os segmentos da sociedade mais vulneráveis, como as populações ribeirinhas, quilombolas, indígenas, que arcam com o ônus de projetos como as usinas hidrelétricas. “O licenciamento ambiental é uma garantia para as populações [atingidas], mas ele é visto como um entrave à construção de um empreendimento e não como um processo necessário para a população discutir e participar”, explica Rogério Nunes, secretário-executivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Paraná.
“Há um esvaziamento da estratégia técnica e um sobrepujar da dimensão política para viabilizar determinados projetos que, do ponto de vista, socioambiental não se sustentam. Essa estratégia não condiz com a perspectiva de um governo que busca equalizar a distribuição de energia”, observa Wendell.
Para o coordenador da CPT-PR, os próprios povos tradicionais são vistos como “entraves aos grandes projetos”. “A compreensão do que significa o desenvolvimento do país desconsidera o acúmulo de conhecimento dos grupos tradicionais a respeito da convivência e da produção deles com os seus biomas”, afirma Nunes.
MPF
Por meio de um ofício, o Ministério Público Federal no Pará pediu, na última semana, uma cópia do anteprojeto ao diretor da Aneel, que será remetida e analisada pela Procuradoria Geral do Estado. Após a avaliação do procurador geral, a intenção do MPF é impedir que a proposta prossiga nas negociações. Marcelo Ribeiro de Oliveira, um dos oito procuradores da República responsáveis pelo ofício, afirma que o pedido de impugnação deve ser feito enquanto o anteprojeto ainda estiver tramitando na Câmara dos Deputados.
Segundo Oliveira, “o anteprojeto é inconstitucional, porque, ao suprimir o licenciamento ambiental, ele contraria o artigo 225 da Constituição, que determina a existência de estudo prévio para obras de impacto ambiental”, avalia. No ofício, os procuradores da República do Pará questionam o diretor da Aneel sobre como tornar a proposta do fim de licenciamento ambiental compatível com as determinações da Constituição. “A preocupação existe porque um projeto de lei nesse sentido, afigura-se, a priori, inconstitucional por afronta ao art. 225, IV da CF/88 (Constituição Federal de 1988) e mesmo uma Emenda à Constituição poderia assim ser considerada pela efetiva agressão ao postulado da dignidade humana e à concepção do direito a um meio ambiente equilibrado como um princípio fundamental”, avaliam os procuradores.
(Por Natalia Suzuki, Agência Carta Maior, 24/04/2007)