Até 2050, a desertificação e salinização afetarão 50% das terras agrícolas da América Latina e Caribe por causa das mudanças climáticas, o que trará bilhões de dólares de prejuízos para o agronegócio. Essa é uma das poucas constatações feitas com "alta confiança" por cientistas no capítulo sobre a região no segundo relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU. O documento foi aprovado semana passada em Bruxelas, mas só será divulgado em setembro.
Os desastres provocados pelas mudanças climáticas poderão custar US$ 300 bilhões por ano na América Latina se não forem tomadas ações para combater o problema, diz o documento, apoiando-se em estimativas da Swiss Re de 2002. Os detalhes sobre o impacto do aquecimento na região são tão alarmantes quanto no resto do mundo. Mas os autores do capítulo são os primeiros a chamar a atenção para constatações contraditórias, refletindo a fraqueza dos estudos sobre a mudança climática na região.
Eles têm "confiança média" de que a temperatura na América Latina no final do século pode variar de 1° a 6° C, dependendo do cenário, mas parece incontestável o aumento de eventos climáticos extremos futuros. Nesse cenário, consideram que o desmatamento de áreas tropicais será um dos principais desastres ambientais da região. A América Latina é responsável por 4,3% das emissões de gases de efeito-estufa, dos quais metade são resultado de desmatamento e mudanças no uso da terra.
Se a taxa de desmatamento de 2002-2003 (2,3 milhões de hectares) da Amazônia brasileira continuar, 100 milhões de hectares de floresta desaparecerão nos próximos 13 anos, produzindo milhões de toneladas de carbono. Nas tendências atuais, a expansão agrícola eliminará dois terços de floresta de cinco vertentes aquáticas, dez ecoregiões, e 40% de 164 espécies de mamíferos.
Apesar de grande variação nas projeções, o relatório do IPCC vê "comportamentos" consistentes para estimar que a área plantada de soja na América do Sul pode dobrar para 59 milhões de hectares até 2020, passando a fazer 57% da produção mundial. Cerca de 18 milhões de hectares adicionais da floresta amazônica seriam usados para pasto e expansão da produção bovina.
Segundo o relatório, o aquecimento poderá reduzir a produção de arroz a partir de 2010. E diminuir terras propícias para plantação de café no Brasil - algumas pestes poderão aumentar na área de café. Por sua vez, nos Pampas da Argentina e do Uruguai a pecuária pode elevar a produtividade em até 9%. Segundo o estudo, o aumento de chuvas já teve impacto positivo nos Pampas argentinos, elevando a produção de soja, milho, trigo e girassol. A produtividade pecuária teria subido 7% na Argentina e no Uruguai.
A repercussão dos relatórios do IPCC é enorme. A entidade quebrou sua regra e ontem aceitou a divulgação do capítulo sobre a Europa, para ilustrar os efeitos nos Alpes. Para o professor Martin Beniston, da Universidade de Genebra, o desafio é tão grande que mesmo o "revolucionário" projeto europeu de cortar em 20% suas emissões dos gases de efeito-estufa significa pouco. Para o especialista, só com redução de 50% é que se estabilizaria a situação.
Por sua vez, o Centro de Estratégia Internacional para Redução de Desastres, da ONU, alertou que as mudanças climáticas agravam uma situação que já é calamitosa. "O aquecimento alimenta outros problemas como degradação ambiental e rápida urbanização, que por sua vez criarão mais desastres", disse o secretário-geral do centro, Salvano Briceno.
Grandes cidades, como São Paulo, estão entre as mais vulneráveis. Hoje, metade da população mundial vive nas zonas urbanas. Em 2030, dois terços viverão nas cidades, sem infra-estrutura necessária. O cenário é de amplo desemprego, excesso de pessoas, propagação de doenças infecciosas. Os desastres naturais provocaram prejuízos estimados em US$ 730 bilhões em dez anos.
(Clic RBS, 13/04/2007)