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2007-04-12

 

 

James Hansen, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos (Nasa), falou a "Der Spiegel" sobre as causas e conseqüências do aquecimento global - e disse por que restam apenas dez anos para que o mundo seja desviado da rota que nos leva a uma catástrofe climática.

 

Spiegel: Doutor Hansen, as temperaturas no Central Park, em Nova York, chegaram a 22 graus Celsius em janeiro, os Alpes tiveram pouca neve durante a estação. O inverno está sendo apagado pelo aquecimento global?

 

James Hansen: Condições atmosféricas e clima são duas coisas diferentes, que freqüentemente confundem as pessoas. A média atual de temperatura é 0,8ºC mais elevada do que no século passado, sendo que três quartos dessa elevação foram registrados nos últimos 30 anos. Mas, comparado às flutuações normais das condições atmosféricas, esse número é bem pequeno. É possível haver uma variação de dez graus de um dia para outro quando se fala em condições atmosféricas. Pode haver anomalias médias de vários degraus no decorrer de um mês, e mesmo assim não há motivos para preocupação. No entanto, isso não significa que podemos parar de pensar no seguinte problema: nós presenciamos o mês de janeiro mais quente dos 127 anos em que se faz o registro sistemático das temperaturas.

 

Spiegel: Mesmo assim, um aquecimento global de 0,8 graus Celsius no decorrer de cem anos não parece algo de muito drástico.

 

Hansen: Há ainda um aumento de meio grau Celsius vindo por aí devido aos gases que já estão na atmosfera, e mais uma elevação de pelo menos outro meio grau provocada pelas usinas termoelétricas que não fecharemos imediatamente. Mesmo se decidíssemos agora que temos que desacelerar esse tipo de atividade da forma mais rápida possível, ainda haveria emissões suficientes para nos jogar ao patamar mais quente já ocupado pela Terra em um período de milhões de anos. Isso é o que basta para nos colocar próximos, e possivelmente além, daquilo que eu diria ser um nível perigoso.

 

Spiegel: Como podemos ter certeza disso?

 

Hansen: Sabemos muito a respeito da história da Terra. Se quisermos manter o planeta com uma aparência próxima da atual, será melhor que não aceitemos um aumento de mais de um grau Celsius. Isso porque se a temperatura subir mais dois ou três graus Celsius, teremos uma temperatura equivalente àquela de meados do Plioceno, cerca de três milhões de anos atrás. Aquele era um planeta muito diferente. Não havia gelo marinho no Ártico nas estações quentes, e o nível do mar era cerca de 25 metros maior. Estaremos rumando para essa situação se continuarmos a proceder da mesma forma.

 

Spiegel: Quem ou o que é o responsável pelo aquecimento do nosso planeta?

 

Hansen: Eu diria que aproximadamente 102% do fenômeno é causado pelos humanos. Sabemos muito bem que o clima estaria esfriando se não fosse pelas emissões provocadas pela humanidade. Atualmente faz cerca de 12 mil anos que estamos em um período interglacial, e sabemos que o pico desse período ocorreu há 6.000 ou 8.000 anos. Estávamos seguindo lentamente rumo a um clima mais frio até que os humanos surgiram no cenário. E agora o homem fez com que a Terra tomasse uma direção completamente diferente.

 

Spiegel: Recentemente o Painel das Nações Unidas sobre Mudança Climática declarou que há 90% de certeza de que o aquecimento global é um fenômeno real. Será que não se chegou a tal conclusão um pouco tarde?

 

Hansen: Nós dissemos isso muito há muito tempo, mas tudo bem. O painel da ONU envolve mais de cem nações, incluindo a Arábia Saudita e outras. Tais países precisam ser arrastados gritando e esperneando para que aceitem esse tipo de conclusão. Aliás, o painel reluta bastante em falar qualquer coisa sobre a mudança do nível do mar, embora as evidências acumuladas nos últimos dois ou três anos sejam impressionantes.

 

Spiegel: O que tais evidências revelam?

 

Hansen: Contamos com dados fantásticos obtidos por um satélite medidor da gravidade. Esses dados explicam exatamente como a Groenlândia e o oeste da Antártica estão sofrendo modificações em suas massas, e a quantidade de massa que estão perdendo para o oceano. Contamos com outras observações de terremotos glaciais na Groenlândia e de correntes de gelo em aceleração. Além disso, presenciamos processos que ocorrem neste momento e que me deixam muito preocupado quanto à estabilidade das camadas de gelo.

 

Spiegel: O que exatamente você teme que aconteça?

 

Hansen: A desintegração das camadas de gelo será um processo não linear, e isso significa que tal processo pode mudar muito rapidamente. É possível haver mudanças relativamente lentas durante certo período, mas tão logo se atinja certa instabilidade, ocorre um colapso súbito e uma modificação muito grande. Sabemos muito bem, baseados na história da Terra, que quando as camadas de gelo se desintegraram no passado, essa desintegração ocorreu de forma muito rápida. Durante o último período de derretimento, o nível do mar aumentou 20 metros em 400 anos, o que significa um metro a cada 20 anos.

 

Spiegel: O que faz com que você tenha tanta convicção de que desta vez haverá um derretimento tão drástico? Outros cientistas alegam que esse processo pode demorar milhares de anos.

 

Hansen: Acredito que esta é uma suposição bastante perigosa. Eu ficaria muito surpreso se não presenciássemos uma grande alteração no decorrer deste século. Precisamos realizar um estudo deste problema e convocar os melhores cientistas para que se debrucem sobre ele. Temos que agir logo.

 

Spiegel: Você afirmou que nós só contamos com mais dez anos para prevenir as piores conseqüências do aquecimento global. Por quê?

 

Hansen: Vamos comparar dois cenários diferentes. Eu chamo o primeiro de deixar tudo como está, que é o cenário típico assumido pela ONU. Esse quadro é o de um aumento constante das emissões anuais de gás carbônico de cerca de 1% ou 2% por ano. Pensou-se em um cenário alternativo para manter o aquecimento global em cerca de um grau adicional ou menos. Isso exigiria que as emissões de gás carbônico diminuíssem em pelo menos uns poucos múltiplos de 10% até meados do século. Por volta do final do século, as coisas teriam que ser estabilizadas, o que significa que seria necessária uma redução de emissões de 60% a 80%.

 

Spiegel: O que aconteceria precisamente se prevalecesse o cenário de deixar tudo como está?

 

Hansen: Isso faria com que daqui a dez anos ultrapassássemos o nível de emissões registrado em 2000. Depois disso seria muito difícil conter o aquecimento global e retornar ao cenário alternativo.

 

Spiegel: O que isso significa? Quando Nova York será inundada?

 

Hansen: É difícil responder a essa pergunta porque trata-se de um processo não linear. Mas uma coisa está muito clara: o nível do mar, que até um século atrás era bastante estável, aumentou cerca de 15 centímetros no último século e atualmente está subindo cerca de 35 centímetros por século, ou 3,5 centímetros por década. Portanto, a taxa de elevação aumentou, e se ela aumentar um pouco mais, muito em breve estaremos falando sobre uma mudança realmente significativa.

 

Spiegel: Que outros efeitos você espera além desses?

 

Hansen: Estou realmente preocupado com o extermínio das espécies. Se as zonas climáticas se deslocam, animais e plantas precisam migrar. Os estudos revelaram que 1.700 espécies já se deslocaram em direção aos pólos a uma velocidade de seis quilômetros por década nas últimas décadas. Mas as zonas climáticas estão se movendo rumo aos pólos a uma velocidade maior, de cerca de 50 quilômetros por década. Deixando-se tudo como está essa velocidade chegará a cem quilômetros por década. Acrescente-se a isso o fato de várias espécies estarem confinadas a certas áreas porque os humanos ocuparam grande parte do planeta e fica evidente que para elas será muito difícil migrar. Portanto, é provável que uma grande parcelas das espécies da Terra seja extinta.

 

Spiegel: Que nação da Terra é a maior responsável pelo aquecimento global?

 

Hansen: Alguns políticos norte-americanos argumentam que a China em breve será a maior emissora de gases causadores do efeito estufa, e isso é verdade. Dentro de alguns anos eles superarão os Estados Unidos. Mas a mudança climática depende de emissões cumulativas com o passar do tempo já que grande parte do gás carbônico que emitimos em 1850 ainda está aqui e ainda provoca danos. Assim sendo, não se trata apenas das emissões atuais. Portanto, os Estados Unidos são responsáveis pelo triplo dos gases emitidos por qualquer outro país, seguidos da China e da Rússia e, depois, da Alemanha e do Reino Unido.

 

Spiegel: George W. Bush se recusou a assinar o protocolo de Kyoto desde o início da sua presidência, e declarou que não quer fazer nada que possa prejudicar a economia dos Estados Unidos.

 

Hansen: Quem arcará com a responsabilidade moral? Os políticos que hoje negam que há um problema não estarão mais ocupando os seus cargos quando os efeitos do aquecimento global se fizerem sentir. A parte frustrante disso é que as soluções na verdade fazem sentido por outras razões.

 

Spiegel: Pelo fato de que mudanças na forma como os Estados Unidos usam a energia venham a reduzir a dependência norte-americana do petróleo estrangeiro?

 

Hansen: Exatamente. O nosso desperdício de energia resultou em todos os tipos de problemas, incluindo os atuais no Oriente Médio.

 

Spiegel: O que precisa ser feito?

 

Hansen: Ainda estamos encarando um problema que pode ser resolvido. O petróleo e o gás estão se esgotando de qualquer forma e precisamos usar esses recursos de forma bastante conservadora. Os arquitetos e os engenheiros nos dizem que hoje em dia são capazes de construir prédios que usam apenas a metade dos combustíveis fósseis consumidos pelos edifícios atuais. Não melhoramos a eficiência dos nossos veículos desde aproximadamente 1980. Existe, portanto, bastante potencial para a economia de energia. Mas estamos desperdiçando esses recursos. Além do mais, em vez de fechar as usinas termoelétricas movidas a carvão existentes em todo o país, as corporações norte-americanas do setor de energia estão pretendendo construir outras cem.

 

Spiegel: O que as pessoas podem fazer no nível individual para ajudar a desacelerar a mudança climática?

 

Hansen: Quando um indivíduo se mobiliza e reduz as suas emissões, ele está dando um bom exemplo e mostrando que isso pode ser feito. Mas mesmo se muita gente proceder dessa maneira, qual será o resultado? A redução do preço dos combustíveis. E daí o combustível ficará tão barato que outras pessoas o queimarão.

 

Spiegel: O que você propõe, em vez disso?

 

Hansen: A coisa mais importante que as pessoas podem fazer é influenciar os governos. O elemento mais crítico no que se refere a políticas precisa ser um aumento gradual do preço das emissões de carbono. Mas tal aumento precisa ser rápido o suficiente para causar um impacto e afetar as indústrias nos seus investimentos e inovações. Mas tem que ser suficientemente lento para que haja tempo para o desenvolvimento de novas tecnologias, de maneira que os consumidores possam escolher e comprar tecnologias novas e mais eficientes. Deveríamos ter começado a fazer isso há muito tempo.

(Der Spiegel, 11/04/2007)

 


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