O Brasil enviou a territórios africanos uma "tropa de elite". A missão: combater e eliminar o ácaro vermelho do tomateiro (Tetranychus evansi) que vem atacando plantações no Quênia e no Zimbabwe. "O tomate é uma das principais hortaliças naqueles países, sendo de grande importância para a população local", afirma o professor Gilberto José de Moraes, do Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP) de Piracicaba.
Os nossos "combatentes" também são ácaros, mas predadores e da espécie Phytoseiulus longipes. O professor, que é o responsável por este projeto de estudos na Esalq, conta que estes pequenos organismos de pouco menos de 0,5 milímetros (mm) de comprimento - menor que uma pulga e pouco visível a olho nu - foram encontrados somente na cidade de Uruguaiana, no Rio Grande Sul, após cerca de seis anos de estudos intensos, envolvendo diversos alunos de pós-graduação, pesquisadores e outros profissionais.
"O interessante é que foram localizados somente na área urbana do município. Ainda estamos estudando essa população", conta. Segundo ele, os testes realizados em laboratório até o momento comprovam que nosso "ácaro predador" é capaz de eliminar o ácaro vermelho do tomateiro. "Mas somente lá pelo final deste ano é que saberemos se eles foram eficientes também no campo", avalia Moraes, lembrando que nossos "predadores" já foram enviados há mais de um ano, mas que só nos últimos dias foi autorizada a liberação no campo.
No Quênia, as autoridades fizeram uma avaliação de impacto ambiental antes da liberação do organismo. "Esta avaliação leva em conta, em primeiro lugar, o conhecimento científico disponível, principalmente em relação a aspectos biológicos e ecológicos, sobre o organismo que sera introduzido", conta o pesquisador. Como neste caso o ácaro a ser introduzido (Phytoseiulus longipes) alimenta-se especificamente de ácaros que causam danos a plantas, sua introdução foi autorizada.
Viajante
O ácaro vermelho do tomateiro que atualmente prejudica plantações na África é encontrado também no Brasil, do Nordeste ao Sul. Moraes conta que ele foi encontrado aqui há cerca de 50 anos. Quatro anos mais tarde, a mesma espécie foi encontrada nas Ilhas Maurício, no Oceano Índico. "Há pouco mais de 30 anos ele também foi observado no Sul dos EUA, na Califórnia, Texas e na Flórida", descreve o pesquisador. No final da década de 1970, quando começou-se a plantar tomates em grandes quantidades na região de Petrolina, em Pernambuco, ele passou a ser um problema naquela região.
Foi nesta época que Moraes partiu em busca de inimigos naturais para combater o ácaro vermelho. "Inclusive na África", lembra. Porém, no final da década de 1980, como num passe de mágica, o Tetranychus evansi deixou de ser um problema nas plantações de Petrolina. "Não podemos afirmar ao certo o que teria ocorrido. Uma espécie de fungo, o Neozygites, pode ter sido a responsável pela eliminação do ácaro, mas nada foi comprovado", diz.
Já na década de 1990, o ácaro vermelho passou a ser encontrado no Quênia e no Zimbabwe, causando grandes problemas. "Foi quando iniciamos um projeto de controle em terras africanas. Lá, ele atacava principalmente plantas da família Solanaceae, como tomateiros, beringela, fumo e batata. Em 2000, o projeto recebeu financiamento pelo BMZ (German Federal Ministry for Economic Cooperation and Development), da Alemanha, por intermédio de um Centro Internacional de Pesquisa. Desde então, participam estudantes de mestrado e doutorado brasileiros, africanos e franceses. "Temos também um estudante de mestrado do Peru", conta o professor.
As buscas por um inimigo natural contra o ácaro vermelho prosseguiram também no Brasil, quando em diversas partes do País foi encontrado o fungo Neozygites. Ao mesmo tempo, os pesquisadores também descobriram o ácaro predador Phytoseiulus longipes, que por razão de segurança foi o escolhido para remessa imediata à África para liberação em campo.
Esse nosso eficiente "combatente" do ácaro vermelho também desperta interesse em países da Europa, como Portugal, Espanha, França e Itália. "Talvez até mesmo em países além do Mediterrâneo o ácaro vermelho já esteja causando estragos em tomateiros", avalia Moraes. Além disso, já há muito mais tempo se conhece na Europa uma outra espécie de ácaro daninho, o rajado, que também ataca tomateiros. Até mesmo essa outra praga, o nosso ácaro predador é capaz de combater, como foram comprovados em testes até agora realizados.
(Por Antônio Carlos Quinto,
USP online, 11/04/2007)