Até meados do século 21, a Amazônia Oriental poderá ter que encarar um cenário de gradual substituição da floresta tropical por savana. A conclusão é baseada em dezenas de estudos sobre a maior floresta tropical do mundo e está na segunda parte do 4º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês).
O relatório, divulgado na última sexta-feira (06/04), em Bruxelas, na Bélgica, está dividido em capítulos temáticos, reunindo áreas como saúde, ecossistemas, alimentos, cidades e água, e capítulos regionais, como zonas polares e costeiras, América Latina, América do Norte, Europa, Ásia, Oceania, Nova Zelândia e África.
A boa notícia é que a savanização da Amazônia pode não ser uma possibilidade tão real. A má notícia é que isso se deve à falta de monitoramento da região. Embora a informação seja reconhecida pelos cerca de 2,5 mil cientistas de 130 países que participam do trabalho, a conclusão teve base principalmente em estudos e técnicas de modelagem ambiental, o que diminui a confiabilidade dos dados.
“Não há ainda, na literatura científica, um conjunto de observações que possa indicar claramente essa tendência como conseqüência das mudanças climáticas”, disse Carlos Nobre, autor principal do capítulo sobre a América Latina, durante evento no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), que reuniu cinco pesquisadores brasileiros que participaram da produção do relatório.
“Essa é apenas uma projeção que leva em consideração cálculos do aumento de temperatura na superfície terrestre e a conseqüente diminuição da água dos solos”, complementou Nobre, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Outro vetor de risco apontado pelo relatório com base em estudos de modelagem ambiental é a possível substituição, em toda a América Latina, de regiões semi-áridas por vegetações de zonas áridas, com especial diminuição de áreas agriculturáveis no Nordeste brasileiro.
Nobre lamentou a falta de estudos na América Latina com enfoque central nas observações das mudanças nos sistemas físicos (criosfera, sistemas hidrológicos e áreas costeiras) e nos sistemas biológicos (mar, água e órbita terrestre).
Para ele, o Brasil dispõe de avançados sistemas de previsão climática e de fenômenos meteorológicos extremos, mas ainda falta capacidade de monitoramento desses sistemas físicos e biológicos.
“Ainda não somos um ator importante no cenário dos estudos sobre aquecimento global. Se mesmo com essas limitações existem resultados, é porque muitas vezes temos que recorrer a técnicas da ‘arte científica’. Os impactos divulgados sobre a América Latina são de média confiança”, afirmou.
Hemisfério Sul desconhecido
Uma nítida diferença do novo relatório para a edição anterior, divulgada em 2001, é que a maioria dos estudos que serviram de base para a elaboração do texto final foi desenvolvida na Europa. Das cerca de 29 mil séries de dados de observações sobre os possíveis impactos do aquecimento global que estão no novo relatório, 28 mil se originam em estudos de países europeus.
Em contrapartida, para o relatório anterior, mais de 50% dos trabalhos científicos revisados para a elaboração do texto final tinham origem na América do Norte. Uma das justificativas palpáveis é que, desde o início da década de 1990, com o intuito de comprovar que o aquecimento global é de fato um fenômeno real, os norte-americanos investiram muito mais em estudos sobre a ciência básica das mudanças climáticas do que nos seus impactos globais propriamente ditos.
O epidemiologista Ulisses Confalonieri, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, concordou que os países europeus estão bem mais avançados na produção do conhecimento sobre os impactos do aquecimento global.
“As pesquisas desse novo relatório foram basicamente produzidas por pesquisadores de países desenvolvidos. Como as nações da América do Norte, em especial os Estados Unidos, ultimamente não têm simpatizado com o tema, os europeus acabaram dominando os trabalhos científicos sobre os impactos do clima na saúde humana e no meio ambiente”, disse Confalonieri, que participou do capítulo sobre saúde humana.
Durante a reunião no IEA/USP, um consenso foi obtido: aproveitando o momento de maior conscientização da população e dos tomadores de decisão no Brasil, é extremamente necessária a elaboração nos próximos anos de um mapa que ofereça dados concretos sobre as regiões e os setores de maior vulnerabilidade no país.
“Ainda que as incertezas sobre a América Latina existam, temos que começar a elaborar políticas públicas que tenham relação com as mudanças climáticas. O custo da inatividade, que acarretaria prejuízos irreversíveis, pode ser muito maior que os investimentos que devemos ter com iniciativas de prevenção e estudos de vulnerabilidade”, alertou José Marengo, meteorologista do CPTEC/Inpe.
(Por Thiago Romero,
Agência Fapesp, 11/04/2007)