As duas gestões consecutivas do petista Jorge Viana (1999-2006) à frente do "Governo da Floresta", no Acre, não foram capazes de melhorar a posição do Estado em relação aos "Objetivos de Desenvolvimento do Milênio", estabelecidos pela ONU em 2000. Essa é a constatação que se faz a partir da leitura do estudo inédito "A Amazônia e os Objetivos do Milênio", de Danielle Celentano e Adalberto Verísimo, ambos do Instituto do Homem e Meio Ambiente (Imazon), que usaram 17 indicadores para medir o progresso da região em relação às metas propostas para 2015.
Viana foi eleito para o primeiro mandato a partir de críticas severas ao desempenho de seus antecessores por conta das condições ambientais e socioeconômicas (pobreza, educação, saúde, desigualdade entre os gêneros, mortalidade infantil e materna) do Acre. Uma das primeiras ações do governo foi a formulação do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), estudo pormenorizado sobre o contexto social, ambiental, político e econômico da região, que orientaria então o projeto de desenvolvimento sustentável do Acre.
Porém, desde janeiro, parte do governo do Acre está empenhada, sob a liderança do senador Tião Viana (PT), na defesa do projeto de prospecção de petróleo e gás na fronteira com a Bolívia e o Peru, onde estão nascentes de rios, tribos de índios isolados e o Parque Nacional da Serra do Divisor, considerado um dos locais mais biodiversos da Amazônia brasileira. O ZEE e o projeto de petróleo e gás não prevêem um ao outro.
Além disso, os últimos oito anos, vide o exemplo do ZEE, podem estar revelando algo importante: o descompasso entre o planejamento de gabinete e a realidade impiedosamente dinâmica, que faz com que os problemas sociais sejam muito mais complexos e difíceis de serem controlados por medidas isoladas ou paliativas.
Seguindo a tendência amazônica, a situação no Acre permanece crítica no caso da pobreza, da incidência de malária, da mortalidade materna e do acesso da população à água e esgoto. Além disso, dois indicadores pioraram entre 1990 e 2005: área desmatada e casos de Aids. A proporção da população em condições de extrema pobreza persiste elevada na Amazônia, sendo que aumentou no Acre, Amazonas, Amapá e Rondônia no período de 1990 e 2005. No Acre, o aumento foi de 3%. A porcentagem da população abaixo da linha da pobreza também aumentou no Acre, passando de 43% para 49%.
Os pesquisadores do Imazon ponderam que a pobreza precisa ser avaliada de forma multidimensional, uma vez que varia não somente de acordo com as condições econômicas, mas também com fatores culturais, geográficos e ambientais. Indicadores exclusivamente monetários podem não refletir o real “bem-estar” da população.
A pobreza é considerada um indicador de difícil medição direta, sobretudo em grande escala. Na Amazônia vivem populações tradicionais e indígenas que obtêm sua subsistência da própria floresta e dos rios por meio do extrativismo (frutos, pesca ou caça). "Dessa forma, o bem-estar dessas populações depende não apenas da renda, mas também da abundância e do acesso aos recursos naturais e de sua capacidade e condições para manejá-los", assinala Danielle Celentano.
O Acre aparece como um dos estados mais distantes de cumprir o objetivo de erradicar pobreza e fome pela metade. Existe 41% da população acreana com insegurança alimentar (grave ou moderada), sendo superado apenas por Maranhão (50%) e Roraima (52). Mantida a atual taxa de redução, a Amazônia atingirá a meta somente em 2023.
Fundamental para o desenvolvimento das nações e para a redução das desigualdades, a educação continua sendo um problema. No Acre e no Pará não houve redução do analfabetismo. Nos demais estados o analfabetismo foi reduzido, com destaque para o Marnhão, onde foi registrada uma queda expressiva de 16%.
Vale a pena destacar que, em 2004, a população rural da Amazônia apresentava taxa de analfabetismo superior às áreas urbanas. Naquele ano, 22% da população rural era analfabeta, contra 10% da população urbana. Maranhão e Acre tinham mais de 30% da população rural analfabeta.
O Acre aparece bem, junto com Mato Grosso e Rondônia, entre os estados com menor mortalidade infantil até 1 ano de vida. Houve uma queda de 12%, no período de 1991 a 2000. No mesmo período também caiu, de 51% para 34%, a mortalidade infantil até 15 anos, o que faz o Acre aparecer bem classificado, ao lado do Mato Grosso.
Na Amazônia, 13% das mulheres entre 15 e 17 anos já possuem filhos. No Brasil, em média 8% das mulheres nessa idade são mães. O Acre é o Estado brasileiro com a maior proporção de adolescentes mães do Brasil (17%). Entre as meninas de 10 a 14 anos, 0,7% delas são mães na Amazônia – valor 0,3% maior que média brasileira.
Em relação ao objetivo de garantir sustentabilidade ambiental, o Acre (50%) está entre os Estados da Amazônia que apresentaram os piores índices de abastecimento de água. O Mato Grosso já atingiu três metas do milênio, o Maranhão atingiu duas, enquanto o Pará, Amapá, Roraima e Tocantins atingiram uma meta. Por outro lado, o Acre, Amazonas e Rondônia ainda não atingiram nenhuma meta estabelecida pela ONU.
IDF
A reportagem do Amazônia tentou ouvir o governo do Acre desde a semana passada. O jornalista Itaan Arruda, assessor de imprensa de Binho Marques, sucessor de Jorge Viana, disse que o estudo do Imazon seria avaliado pela equipe de governo. "Vamos nos manifestar após essa avaliação".
Embora os indicadores da ONU tenham sido usados fartamente quando o PT era oposição no Acre, passaram a ser contestados desde que o partido assumiu o governo. Em janeiro, durante a posse, o governador Binho Marques disse que vai trabalhar baseado no Índice de Desenvolvimento da Família (IDF), que, distribuído em 48 indicadores, poderá permitir identificar com precisão os problemas das famílias pobres em cada um dos 22 municípios.
"Com esse sistema, teremos capacidade para visualizar o problema com o nome e o endereço de cada família em condição de vulnerabilidade social. Será a partir deste instrumento que o nosso governo vai realizar os pactos com as prefeituras, fazendo uma vinculação dos desafios específicos de cada município para alcançar um desenvolvimento regional sustentável", afirmou Marques.
O governador tem afirmado reiteradas vezes que o Acre, ao término de sua gestão, em 2010, será o melhor lugar para viver na Amazônia.
(Por Altino Machado, Amazonia.org.br, 09/04/2007)