Enquanto as represas Billings e Guarapiranga engolem rios de dinheiro em projetos de recuperação, os mesmos problemas que condenaram os dois reservatórios começam a atingir o mais importante e preservado sistema de abastecimento da capital paulista: o Cantareira. Responsável por 48,7% da produção de água - que serve a cerca de 8,5 milhões de habitantes nas 39 cidades da Grande São Paulo - , ele é composto por cinco represas e tem na Barragem Paiva Castro, localizada no limite entre os municípios de Mairiporã e Franco da Rocha, na região metropolitana, seu ponto mais ameaçado por favelas, loteamentos clandestinos e lançamento de esgoto in natura em águas puras trazidas de longe por uma rede que inclui túneis cortando montanhas.
Documentos obtidos pelo Estado revelam que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) sabe de 145 invasões em área de sua propriedade na região da Paiva Castro. Entre elas, está parte da Vila Petroria, ocupação ilegal em Franco da Rocha que abriga cerca de 2 mil famílias e não pára de crescer. Outra ocupação, em Mairiporã, ocorreu em área de várzea da barragem, que ficava cheia regularmente antes da estiagem dos últimos anos e hoje está completamente habitada. Com isso, em períodos de chuva, a população sofre com enchentes.
Um mapa da Sabesp identifica 13 pontos diferentes de lançamento de esgoto no reservatório, incluindo parte dos dejetos de Mairiporã, que são recolhidos pela própria companhia. E a poluição do reservatório final, antes da Estação Elevatória Santa Inês e da Estação de Tratamento de Água (ETA) Guaraú, leva a uma situação descrita reservadamente por técnicos da Sabesp como “jogar água Perrier no esgoto”.
Loteamentos anteriores à criação das leis de proteção aos mananciais, de 1976 - portanto, regulares -, têm sistemas próprios de tratamento de esgoto sem que a Sabesp saiba onde os dejetos são lançados. Detalhe: os conjuntos de mansões e casas de classe média margeiam quase toda a barragem.
Trabalho de consultoria feito para a companhia pela empresa Figueiredo Ferraz identificou 151 loteamentos do gênero na região da Paiva Castro. Para piorar a situação, a Sabesp foi proibida pela Lei dos Mananciais de instalar rede de esgotos nesses condomínios.
A Paiva Castro está no meio de uma região rica em biodiversidade, na transição entre a Mata Atlântica e o cerrado. A primeira é a vegetação predominante do Parque Estadual da Cantareira; a segunda, a do Parque Juqueri. Por isso, o crescimento populacional não só afeta a água que o paulistano bebe, como também duas importantes reservas verdes da região metropolitana.
Sede da barragem, o município de Mairiporã registra crescimento anual da população de 6,6% e tem 83% de seu território em área de proteção de mananciais. As montanhas e as represas formam uma das paisagens mais bonitas da região metropolitana. Além da beleza, a barragem fica perto da capital. Pela Estrada Santa Inês, que liga o bairro do Tremembé, na zona norte, a Mairiporã, fica a pouco mais de 20 quilômetros da Marginal do Tietê. Além disso, o local é bem servido por transporte público. Tudo acaba servindo de indutor para a ocupação.
As invasões ou mesmo o crescimento de Mairiporã resultam em assoreamento da barragem. O documento da Sabesp estima que a Paiva Castro e o Canal do Rio Juqueri sofreram assoreamento de 839,8 metros cúbicos, o que corresponde à perda da capacidade do reservatório de guardar água.
Para se ter uma idéia da extensão desse assoreamento, 839,8 metros cúbicos são 35% superior à capacidade do Reservatório Águas Claras, a última represa por onde passa a água do Sistema Cantareira antes de seguir para a Estação de Tratamento Guaraú e, de lá, para a casa de milhares de moradores da região metropolitana de São Paulo.
(Por Sérgio Duran, O Estado de São Paulo, 08/04/2007)